Cem mil em Roma “contra o perigo do fascismo”
Dividida nas urnas, esquerda italiana encontra-se na grande marcha da capital. Renzi abraçou o primeiro-ministro que lhe sucedeu, Gentiloni, antes de se cruzar com vários dissidentes do seu Partido Democrático.
Foram precisos 20 dias mas os italianos saíram em força à rua em resposta ao crime de 3 de Fevereiro, em Macerata, quando um jovem fascista disparou contra seis africanos. A manifestação, marcada pela ANP (Associazione Nazionale Partigiano, nascida da resistência durante a II Guerra Mundial) e apoiada por sindicatos, reuniu cem mil pessoas e dirigentes políticos na praça do Povo da capital, Roma, num dia em que diferentes movimentos de extrema-direita marcharam por todo o país.
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Foram precisos 20 dias mas os italianos saíram em força à rua em resposta ao crime de 3 de Fevereiro, em Macerata, quando um jovem fascista disparou contra seis africanos. A manifestação, marcada pela ANP (Associazione Nazionale Partigiano, nascida da resistência durante a II Guerra Mundial) e apoiada por sindicatos, reuniu cem mil pessoas e dirigentes políticos na praça do Povo da capital, Roma, num dia em que diferentes movimentos de extrema-direita marcharam por todo o país.
“Obrigada, obrigada do coração. É uma praça maravilhosa onde se sente a voz do povo. Há um perigo para a democracia e chama-se fascismo”, afirmou no fim do cortejo Carla Nespolo, presidente da ANP. Marchar contra o racismo e o fascismo “é um dever para os que lutaram e para nós próprios, não temos medo do fascismo mas da indiferença”, disse ainda Nespolo, no palco da praça.
“Fascismo nunca mais, racismo nunca mais”, gritou-se, numa manifestação sempre debaixo de chuva a oito dias das eleições legislativas de 4 de Março e no final de uma semana marcada por confrontos que opuseram activistas de centros sociais e grupos de estudantes a membros de movimentos de extrema-direita em diferentes cidades do país.
Atrás de uma faixa, bem no topo da marcha, esteve Pietro Grasso, ex-juiz e líder do novo partido Livres e Iguais, que inclui dissidentes do Partido Democrático (PD, no poder) e se associou de imediato à iniciativa, apelando à participação dos seus apoiantes. Com ele estiveram o ex-primeiro-ministro do PD Pierluigi Bersani e a ainda presidente da câmara dos Deputados, Laura Boldrini, política habituada a receber ameaças pela sua defesa dos imigrantes e refugiados (foi porta-voz do Alto Comissário da ONU para os Refugiados), e muitos membros do novo partido de Emma Bonino, +Europa (que se aliou ao PD de Matteo Renzi).
Na marcha participaram também inúmeros ministros, da Justiça, à Defesa, passando pela Educação ou pela Administração Pública. Uma clara diferença face à manifestação organizada em Macerata logo no sábado seguinte aos disparos de Luca Traini (ex-candidato da Liga e que tinha actualmente contactos com dois partidos neofascistas, o CasaPound e a Força Nacional), onde não se viu um único candidato ou dirigente partidário. Renzi, que abandonou o governo em Dezembro de 2016 e volta a ser o candidato do PD pareceu sozinho e cruzou-se com o actual primeiro-ministro, Paolo Gentiloni, num abraço muito fotografado.
Entre muitas frases genéricas e bem-intencionadas, Bersani quis deixar uma mensagem muito concreta: “Se alguém faz a saudação romana e tem aqueles símbolos não pode participar nas eleições: é preciso dizê-lo com clareza, quem está fora da Constituição, está fora”. Mas não está: enquanto Bersani dizia estas palavras em Roma, em Milão, o candidato do CasaPound, Simone Di Stefano, defendia as raízes fascistas do seu partido e a descendência do Movimento Social Italiano “cuja história se concluiu em 1994 por culpa de Fini”.
Fini é Gianfranco Fini, o pós-fascista moderado que fundou a Aliança Nacional para dar outro rosto ao MSI e ao nacionalismo de extrema-direita italiano. Fini acabou por fundir o seu partido ao de Berlusconi no entretanto defunto Povo da Liberdade, pelo que a Aliança Nacional durou de 1994 a 2009. Sem Fini, assiste-se ao reforço de uma série de movimentos que se assumem como neofascistas e procuram ultrapassar a barreira dos 3% para entrar no Parlamento nacional.
Foi por causa do comício do CasaPound, marcado para Milão no mesmo dia da grande concentração da Liga de Matteo Salvini e de uma marcha dos Irmãos de Itália, aliados de Silvio Berlusconi e Salvini e dirigidos por Giorgia Meloni (ex-dirigente da Aliança Nacional), que algumas centenas de antifascistas, membros do Libres e Iguais, funcionários do centros sociais e de outras associações desfilaram pela mesma cidade do Norte.
Milão, cidade de Resistência
“Estamos aqui porque era necessário que Milão, cidade Medalha de Ouro da Resistência, testemunhasse a sua profunda alma antifascista”, disse Luciano Muhbauer, um dos promotores do protesto “Milão repudia o fascismo e o racismo”, citado pelo site do diário La Stampa. Segundo Muhbauer, o problema não é um comício deste ou daquele movimento, mas “o facto que organizações abertamente fascistas possam participar na vida democrática do país como as outras forças políticas”.
Horas antes, a polícia impedira estudantes de alcançarem o local onde o CasaPound se reunia, depois de expulsar alguns jovens que escalaram um monumento a Giuseppe Garibaldi, símbolo da unificação italiana.
Bolonha foi cenário de outra acção de campanha do CasaPound, enquanto em Trieste foi apresentada a nova lista Itália aos Italianos, que contou com a presença do secretário nacional de outro partido de extrema-direita, o Força Nova, Roberto Fiore. Palermo, onde o secretário local do Força Nova, Massimo Ursino, foi agredido há poucos dias, estiveram na rua apoiantes do partido e uma manifestação animado pelos centros sociais da ARCI (Associação Cultural e Recreativa Italiana, a maior ONG não católica do país). Houve tensão e polícia nas ruas, mas as marchas não se cruzaram.
Daqui a uma semana vota-se, numas eleições onde a direita será mais votada do que o centro-esquerda mas dificilmente terá maioria para governar. Desta vez, a verdadeira eleição, dizem os analistas, começa a 5 de Março, quando, contados os votos, os dirigentes começaram a fazer contas e a ponderar possíveis alianças pós-eleitorais.