Elitistas? Ensino profissional resulta pior nos antigos liceus
A maior parte da oferta dos cursos profissionais está hoje concentrada em escolas secundárias públicas, mas quando se trata de avaliar o sucesso na conclusão destes cursos são as escolas profissionais, na maioria privadas, que acabam por se destacar.
Os alunos do ensino secundário inscritos em cursos profissionais têm mais sucesso nas escolas onde existe apenas esta oferta do que aqueles que estão em estabelecimentos onde coexistem vários tipos de cursos, como acontece nas secundárias públicas. Esta é uma das conclusões que sobressaem dos novos dados disponibilizados pela Direcção-Geral de Estatísticas da Educação e Ciência (DGEEC) que, pela primeira vez, permitem espreitar, escola a escola, quais as características e o desempenho dos alunos dos cursos profissionais.
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Os alunos do ensino secundário inscritos em cursos profissionais têm mais sucesso nas escolas onde existe apenas esta oferta do que aqueles que estão em estabelecimentos onde coexistem vários tipos de cursos, como acontece nas secundárias públicas. Esta é uma das conclusões que sobressaem dos novos dados disponibilizados pela Direcção-Geral de Estatísticas da Educação e Ciência (DGEEC) que, pela primeira vez, permitem espreitar, escola a escola, quais as características e o desempenho dos alunos dos cursos profissionais.
Um exemplo: dos 100 estabelecimentos com ensino profissional com melhor desempenho, 65 são escolas exclusivamente profissionais — que na maior parte dos casos são privadas. É este o caso da Escola de Viticultura e Enologia da Bairrada que o PÚBLICO visitou (ver reportagem nestas páginas).
Em 2015/2016, ano a que reportam estes dados, existiam cursos profissionais no ensino secundário em 687 escolas de Portugal Continental, das quais 224 eram escolas profissionais. Destas últimas, só 16 eram públicas.
Para o presidente da Associação Nacional de Escolas Profissionais (ANESPO), José Presa, o facto de os alunos terem mais sucesso na conclusão do secundário nestes estabelecimentos deve-se sobretudo à existência de “instalações e equipamentos adequados às necessidades das diferentes áreas” e também por disporem de “professores que vêm directamente das empresas para assegurarem as formações mais técnicas”. “É o resultado de 28 anos de investimento”, frisa.
As escolas exclusivamente profissionais começaram a ser criadas em 1989. Só a partir do ano lectivo de 2006/2007, com Maria de Lurdes Rodrigues à frente do Ministério da Educação, é que esta oferta começou também a existir nas escolas secundárias públicas, o que levou a que o número de alunos inscritos em cursos profissionais disparasse em flecha, uma tendência de crescimento que só começou a ser invertida a partir do ano lectivo de 2014/2015. Em 2015/2016, estavam inscritos nestes cursos 105.684 estudantes — 60% frequentavam secundárias públicas.
“Quando este modelo específico de ensino, desenvolvido em escolas próprias, que só têm olhos para ele e tudo fazem para o seu sucesso, migrou para as escolas secundárias, isso fez-se à pressa e impondo a abertura de cursos em todas as escolas do país. Aconteceu o que seria previsível: muitas delas, antigos ‘liceus’ e que nunca abandonaram essa matriz educacional elitista, viram nos cursos profissionais uma oportunidade óptima que a tutela lhes oferecia para ‘colocar’ nessa gaveta os meninos que por lá andavam, mas indesejados e não aptos para o ‘ensino de primeira’, o ensino geral”, aponta o investigador da Universidade Católica do Porto, Joaquim Azevedo, a propósito das diferenças de desempenho entre as escolas profissionais e as secundárias públicas. “Como, ao mesmo tempo, tornámos compulsiva a frequência do nível secundário, isso ainda acentuou mais a orientação coerciva dos jovens para essa gaveta.”
Mais de metade com sucesso
Para averiguar que desempenhos têm os alunos nesta via, a DGEEC foi ver quantos tinham entrado em 2013/2014 para os cursos profissionais vindos directamente do 3.º ciclo do ensino básico e quantos destes estavam em 2015/2016 no último ano desta oferta. Dos 105.654 alunos que então estavam inscritos nos cursos profissionais, 29.600 cumpriam aqueles dois requisitos.
Foi com base neste universo que a DGEEC calculou qual a taxa de conclusão destes cursos em três anos, que é o tempo previsto para o efeito. Não foram tidas em conta as escolas com menos de 20 alunos inscritos no ensino profissional, nem as que tinham menos de 15 estudantes no universo seleccionado, o que reduziu a amostra para 28.686 estudantes. Destes, 56% conseguiram concluir o secundário em três anos. Outros 15% abandonaram os estudos.
Os critérios fixados pelo DGEEC levaram a que o universo das escolas consideradas nesta análise passasse de um total de 687 (todas as que têm ensino profissional) para 589. Nestas, as taxas de conclusão em três anos oscilam entre 95% e 4%. Tanto no primeiro como no segundo caso dizem respeito a escolas secundárias públicas.
Para calcular o sucesso de uma escola, a DGEEC não teve apenas em conta a taxa de conclusão de cada escola, mas também o modo como este se compara com o valor alcançado por escolas que têm um perfil semelhante de alunos, em termos de idade e de apoios da Acção Social Escolar, de que são beneficiários os estudantes oriundos de agregados com rendimentos iguais ou inferiores ao salário mínimo nacional. Considera-se que quanto maior for a diferença positiva entre aquelas duas percentagens, melhor é o desempenho da escola.
Na Escola Secundária Leal da Câmara, em Sintra, apenas 27% dos alunos conseguiram concluir os cursos profissionais em três anos, sendo que a média para os estabelecimentos com estudantes semelhantes foi de 65%. Foi uma das escolas que pior se saiu neste indicador. Para o seu director, Jorge Lemos, uma das principais razões para estes resultados tem a ver, precisamente, com o processo de adaptação deste antigo liceu à diversificação da oferta que começou ali a ser uma realidade a partir do ano lectivo de 2006/2007.
Alta empregabilidade
“Esta diversificação teve de ser assimilada pelas práticas docentes. E este é um processo que leva tempo”, diz. Os professores tiveram de se “adaptar a novos processos e critérios de avaliação, novos currículos e novas perspectivas de formação”. Isto no que diz respeito aos docentes dos cursos científico-humanísticos que têm também leccionado as disciplinas da componente de formação geral dos cursos profissionais, como Português ou Matemática. “Estes professores têm de ter uma perspectiva muito concreta das necessidades e do que é fundamental para um aluno dos cursos profissionais, que são uma modalidade de ensino muito mais prática e orientada para a vida activa do que aquela que é praticada nos cursos científico-humanísticos, onde a maior parte dos alunos pretende prosseguir estudos para o superior”, aponta Jorge Lemos.
Com 12 turmas de cursos profissionais e cerca de 300 alunos inscritos nesta via, o objectivo já está traçado: até ao final de 2018/2019 a escola pretende abater para metade a sua taxa de insucesso nesta oferta. O que Jorge Lemos nega é que estes cursos sejam ainda “um refugo para os alunos que não tiveram antes um percurso ‘normal’ de escolaridade”. “São escolhidos por estudantes que pretendem assegurar uma entrada mais rápida no mercado de trabalho”, acrescenta, para informar também o seguinte: “A taxa de empregabilidade dos nossos cursos oscila entre 80 a 90%”. O mesmo é referido pelos outros directores contactados pelo PÚBLICO.
A Escola Secundária de Alcochete foi a que se saiu pior na comparação com outros estabelecimentos que tinham um perfil de alunos semelhante. A adjunta da direcção, Ana Guerreiro, explica que as razões para tal estão ainda a ser analisadas pela nova liderança da escola, que assumiu funções este ano lectivo.
Poucos alunos
Em Abrantes, a Escola Secundária Manuel Fernandes está na posição oposta da de Alcochete. Dos 589 estabelecimentos avaliados foi a que melhor desempenho mostrou. Em 2015/2016 teve uma taxa de conclusão em três anos de 95%, sendo que a média das escolas semelhantes foi de 58%. “São alunos que estão à partida motivados porque vão para cursos que mais se adequam à sua vocação”, explica o director Alcino Hermínio. São também em número reduzido (71 inscritos) o que garante “um maior acompanhamento e uma maior proximidade”. Em resumo, “são bem tratados”.
Para concluir um curso profissional é necessária a realização de um estágio numa empresa. Na Secundária Manuel Fernandes, o objectivo é agora o de “tentar reforçar a ligação dos alunos às empresas, logo a partir do primeiro ano do curso”.
A pequena dimensão é também um dos “factores de sucesso” apontados pelo director da Escola Secundária do Sabugal, João Vila Flor. A escola ficou em 5.º lugar entre os melhores desempenhos. Existem apenas três turmas do ensino profissional, o que garante “uma maior proximidade”. “Sempre que surgem problemas ou que se detecta dificuldades acudimos logo à situação”, explica. Por outro lado, acrescenta, o Ministério da Educação tem sempre autorizado a abertura dos cursos propostos pela escola e, com isso, é possível responder às expectativas dos alunos, o que nem sempre acontece em várias outras, indica.
Mais retenções
O que os novos dados divulgados pela DGEEC também vêm confirmar é que, em média, a idade dos alunos dos cursos profissionais é superior à dos seus colegas do ensino regular. E isso acontece porque chegaram ao ensino secundário com mais chumbos do que estes, refere o presidente da ANESPO, no que é secundado por outros directores. Mas uma vez chegados ao secundário, quando comparados com os alunos do ensino regular, são mais os que conseguem concluir os cursos profissionais no tempo normal.
A DGEEC não calculou ainda qual a taxa dos alunos dos cursos científico-humanísticos que concluem o secundário em três anos, mas os dados existentes para a retenção mostram que, em 2015/2016, esta se situava em 17,9% no ensino regular e baixava para 11,2% no ensino profissional.
Para concluir o ensino secundário nesta via, os alunos não necessitam de realizar exames nacionais. Mas não é só a ausência de exames que garante o sucesso. Joaquim Azevedo, que enquanto dirigente do Ministério da Educação nos anos 80 foi responsável pelo lançamento das escolas profissionais, destaca, entre outros factores, o facto destes cursos estarem organizados por módulos. Deste modo, exemplifica, “o aluno, e não apenas o professor, sabe bem o que tem de realizar no decurso de cada um, sendo que cada módulo constitui uma unidade curricular de pequena dimensão (por exemplo, 30h), com objectivos e tarefas muito claros, o que facilita o trabalho e a implicação pessoal”.