Os manipuladores dos iranianos são agora alvos dos seus protestos
Primeiro, Rohani fez divulgar dados sobre as instituições religiosas. Em resposta, os conservadores tentaram atiçar os iranianos contra o Presidente. Agora, os Guardas da Revolução estão a ser mobilizados.
Sete dias depois do início da actual vaga de protestos no Irão, esta quarta-feira viram-se dezenas de milhares de iranianos bem organizados em manifestações pró-regime. A televisão do Estado não se poupou na divulgação de imagens onde se viam cartazes que denunciam “os agitadores” e se ouvem gritos de apoio ao Guia Supremo, o ayatollah Ali Khamenei, para além dos mais habituais “morte à América” ou “morte a Israel”.
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Sete dias depois do início da actual vaga de protestos no Irão, esta quarta-feira viram-se dezenas de milhares de iranianos bem organizados em manifestações pró-regime. A televisão do Estado não se poupou na divulgação de imagens onde se viam cartazes que denunciam “os agitadores” e se ouvem gritos de apoio ao Guia Supremo, o ayatollah Ali Khamenei, para além dos mais habituais “morte à América” ou “morte a Israel”.
Em simultâneo, os Guardas da Revolução (paramilitares de elite, comandados por Khamenei) foram mobilizados em três províncias, Hamadan, Lorestan e Isfaão. O objectivo, segundo o major general Mohammad Ali Jafari, é travar “a nova sedição”. Estas foram as áreas onde ocorreram a maioria das pelo menos 20 mortes entre os manifestantes (haverá ainda dois polícias mortos).
Tudo começou há uma semana, com um protesto organizado na cidade-santuário de Mashad (Nordeste), a segunda maior do país, contra a inflação, o aumento dos preços e o Presidente Hassan Rohani (“morte ao ditador, morte a Rohani”, ouviu-se em Mashad e em mais algumas pequenas cidades conservadoras).
As suspeitas de uma contestação promovida pela linha dura da teocracia contra um chefe de Estado que tenta com pouco sucesso realizar mudanças estruturais na economia e conseguir aberturas sociais surgiram de imediato – até por já estar em curso a sucessão a Khamenei e Rohani surge bem colocado. Mas nos dias seguintes, enquanto as manifestações se expandiam pelo país (mais de 40 cidades) rural das províncias (em Teerão poucos saíram à rua), começaram a ouvir-se slogans como “morte a Khamenei” e todo o regime pareceu estar a ser posto em causa.
É preciso recuar um pouco para entender a origem dessa primeira manifestação de Mashad – um responsável citado pelo correspondente do jornal The New York Times confirma que o líder das orações de sexta-feira na cidade, o radical Ahmad Alamolhoda, foi convocado pelo Conselho Nacional de Segurança para explicar o seu papel no protesto. E já se sabia que nas orações mais importantes da semana, os crentes de Mashad tinham ouvido críticas a Rohani e à sua gestão da economia.
Afinal, esta foi a forma como alguns membros da linha dura tentaram recuperar a iniciativa depois do que aparenta ser uma maldade que o Presidente lhes fez. Em meados de Dezembro, Rohani terá orquestrado a divulgação de uma proposta de Orçamento, incluindo partes que normalmente permanecem secretas, como as que se referem ao financiamento das instituições religiosas.
Subsídios e aumentos
Muitos iranianos já suspeitariam, tal como a maioria saberá que os Guardas da Revolução controlam as áreas essenciais da economia, mas agora confirmaram que milhares de milhões de euros se destinam a financiar organizações religiosas conservadoras, os Guardas da Revolução, fundações religiosas que enriquecem as elites xiitas e o Exército. Isto no mesmo Orçamento que incluía o fim de subsídios para milhões de cidadãos, aumentos nos combustíveis ou a privatização de escolas públicas.
Se a intenção era provocar ressentimento entre os iranianos resultou – a Telegram, aplicação de troca de mensagens instantâneas actualmente bloqueada, explodiu com comentários indignados.
O resto é história. Os vídeos da manifestação de dia 28 de Dezembro em Mashad tornaram-se virais e muitos dos que há semanas discutiam entre si a proposta de Orçamento decidiram-se a sair à rua. Ao fazê-lo, mostraram algo novo: os habitantes das cidades e vilas de província, tendencialmente conservadores e apoiantes do estilo de vida proposto pelos ayatollahs já não são exactamente seguidores cegos da República Islâmica. Por um lado, 14 anos de seca obrigaram-nos a mudar-se para cidades onde não encontram emprego; por outro, a Net móvel mostrou-lhes o mundo e também como vivem as elites em Teerão.
Já se sabe que Rohani prometeu melhorias para todos com o acordo nuclear de 2015. “As roldanas da nossa economia voltarão a girar”, disse. A inflação, que herdou de Mahmoud Ahmadinejad nos 40%, está abaixo dos 10%, mas o desemprego real (oficialmente é de 12% e de 28% entre os jovens) é enorme, com uns estimados 3 milhões de jovens sem trabalho. Rohani enfrentou sempre mais obstáculos do que imaginava – por um lado, Donald Trump, que impôs novas sanções e afastou investimento externo; por outro lado, foi-lhe impossível enfrentar os Guardas da Revolução.
Ninguém é feliz?
Segundo disse à Al-Jazira o professor Mahjoob Zweiri, a viver em Doha, os Guardas da Revolução “contribuem muito para travar o investimento externo, ao pressionar o Parlamento para não aprovar legislação que tornaria os processos mais simples”. Para Trita Parsi, fundador do Conselho Nacional Irano-Americano, grande parte dos iranianos olha para os Guardas como “uma máfia que está acima da lei”. Claro que, para além do dinheiro, os paramilitares e o Guia Supremo controlam as armas.
Com uma semana de protestos, há algumas certezas. Estes manifestantes não são os de 2009 – iranianos de classe média e universitários em defesa de políticos que acreditam ter vencido umas eleições fraudulentas e fartos do conservadorismo do país. São mais rurais, muito jovens, sentem-se enganados pelo próprio regime (há reformadores em pânico com as palavras de ordem porque nem eles consideraram derrubar a República) e queixam-se dos milhões gastos com a política externa belicista (Síria, Líbano, Palestina).
Até ver, não há líderes entre os manifestantes. Nem ninguém acredita em “poderes estrangeiros”, como os que Khamenei responsabilizou já esta semana. Aliás, um dos deputados mais ousados do Parlamento, Mahmoud Sadeghi, pediu que não se ligassem os protestos a potências externas e que, em vez disso, se tentasse melhorar a situação económica, abrir a televisão do Estado a opiniões mais diversas e levantar várias proibições políticas e sociais.
Com muito ainda por perceber, uma coisa é certa. Desta vez, com os reformistas marginalizados ou desanimados pelos fracassos do centrista Rohani, são os mais desfavorecidos que protestam. O regime parece tão disposto a esmagá-los como fez sempre que enfrentou oposição e o mais provável até é que o consiga. Sem que isso mude um facto novo, como conclui num artigo o escritor iraniano Amir Ahmadi Arian: “O apoio inquestionável da população rural com que o regime contava para contrabalançar o descontentamento da elite metropolitana acabou. Agora, toda a gente parece infeliz”.