Mil organismos do Estado questionados sobre conflitos de interesses
Conselho de Prevenção da Corrupção quer saber o que fazem as entidades públicas para prevenir casos como os das viagens pagas por privados. Respostas chegam dentro de dois meses.
Não foi à boleia da recente polémica, que envolve viagens pagas por entidades privadas a funcionários do Estado, que o Conselho de Prevenção da Corrupção (CPC) decidiu avançar com um inquérito às entidades públicas sobre conflitos de interesses, mas a iniciativa serve que nem uma luva no quadro ainda nebuloso da actualidade. A decisão ficou firmada nesta quarta-feira na 100.ª reunião daquele órgão independente que partilha a presidência com o Tribunal de Contas.
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Não foi à boleia da recente polémica, que envolve viagens pagas por entidades privadas a funcionários do Estado, que o Conselho de Prevenção da Corrupção (CPC) decidiu avançar com um inquérito às entidades públicas sobre conflitos de interesses, mas a iniciativa serve que nem uma luva no quadro ainda nebuloso da actualidade. A decisão ficou firmada nesta quarta-feira na 100.ª reunião daquele órgão independente que partilha a presidência com o Tribunal de Contas.
O inquérito vai ser a dirigido a, pelo menos, 1160 entidades, mas o número ainda pode crescer — o universo não representa o total de entidades públicas em Portugal, mas sim o conjunto daquelas que o CPC sabe terem planos de prevenção de riscos de corrupção. Será especificamente sobre situações relacionadas com conflitos de interesses e os riscos a elas associados.
A expectativa do presidente do CPC, Vítor Caldeira, é de que no plano de actividades do próximo ano já seja possível incluir acções resultantes deste trabalho. Segundo explicou ao PÚBLICO no fim da reunião, está previsto que os organismos tenham dois meses para responder às questões, o que significa que antes do fim do ano já haverá resultados do inquérito. Depois é preciso analisá-los e definir acções em concordância com as necessidades identificadas.
Numa sala no Tribunal de Contas, com fotografias dos seus antecessores nas paredes, Vítor Caldeira vai explicando que o primeiro objectivo do questionário é traçar um diagnóstico da situação, cinco anos depois de o CPC ter emitido uma recomendação sobre gestão de conflitos de interesses no sector público, insistindo na “promoção de uma cultura organizacional na qual impere forte intolerância relativamente às situações de conflitos de interesses”. Em segundo lugar, continua o presidente do Tribunal de Contas e do CPC, depois de identificados os riscos, a ideia é elaborar um plano de acção.
A ideia de se avançar com este questionário já estava prevista no plano de actividades de 2017. “O CPC não andou atrás dos casos actuais [as viagens de funcionários do Estado pagas por entidades privadas e que estão, em alguns casos, a ser investigadas pelo Ministério Público]. Agora temos também de ter em conta que estas situações existiam. Por que é que terão existido?”, questiona Vítor Caldeira. O responsável tem consciência que, no que toca a conflitos de interesses, “a maioria” dos casos diz respeito a situações que nem se imagina que possam acontecer mas que, ao mesmo tempo, a sociedade está cada vez mais vigilante.
Premiar a academia
A 100.ª reunião do CPC aconteceu no edifício do Tribunal de Contas, com corredores serpenteados por um tapete vermelho e onde não faltam obras de arte, como tapeçarias de Almada Negreiros ou quadros de Armanda Passos. Dentro da sala, os membros do CPC deram ainda mais um passo para avançarem com outra iniciativa: a criação de um prémio para distinguir trabalhos académicos sobre prevenção da corrupção, da fraude, dos conflitos de interesses e outras áreas de acção do CPC.
Trata-se de um prémio no valor de 4500 euros que visa distinguir trabalhos de investigação, no meio universitário — por exemplo, de mestrado, doutoramento, pós-doutoramento. Para além do valor monetário, a distinção deverá ainda englobar uma conferência sobre o trabalho premiado e a divulgação deste no site do CPC. O aviso para abertura do concurso ainda não foi publicado, mas a meta é que, no primeiro semestre de 2018, os interessados já possam apresentar os trabalhos.
A ideia não é nova e já era defendida em 2016 num trabalho de pós-doutoramento feito por Mário Gomes, na Universidade Aberta. No relatório — sobre Planos de Gestão de Riscos de Corrupção e Infracções Conexas como Estratégia de Prevenção da Corrupção na Administração Pública — é considerada “pertinente a criação de uma rede académica vocacionada para a formação de activistas, de políticos e de empresários sobre a prevenção da corrupção e que contribua também para a investigação neste âmbito do conhecimento. Seria, ainda, uma forma de impulsionar a investigação no âmbito da prevenção da corrupção, a atribuição de prémios anuais para trabalhos neste domínio.”
O final da reunião ficou reservado à assinatura de dois protocolos — um com o Plano Nacional de Leitura e outro com a Ar.Co — com vista ao desenvolvimento de acções pedagógicas com os alunos do ensino básico e secundário. A ideia é desenvolver, por exemplo, trabalhos no âmbito da imagem, da fotografia, da banda-desenhada, sempre com o mote da prevenção da corrupção.