Marc Maron, um dos reis dos podcasts, faz rir no Netflix
Too Real, que saiu esta terça-feira, é o novo especial de comédia de Marc Maron, o cómico que apresenta desde 2009 o popular podcast WTF with Marc Maron, no qual Barack Obama foi convidado quando ainda era presidente dos Estados Unidos.
Marc Maron, que desde 2009 narra a sua vida e fala com cómicos e convidados de todos os quadrantes da cultura pop no popular podcast WTF with Marc Maron, tem um novo especial no Netflix. Chama-se Too Real, foi disponibilizado na terça-feira e é, depois de Thinky Pain, de 2013, e More Later, de 2015, apenas o terceiro especial de comédia de cerca de uma hora da carreira do cómico de stand-up que começou nestas lides em 1987.
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Marc Maron, que desde 2009 narra a sua vida e fala com cómicos e convidados de todos os quadrantes da cultura pop no popular podcast WTF with Marc Maron, tem um novo especial no Netflix. Chama-se Too Real, foi disponibilizado na terça-feira e é, depois de Thinky Pain, de 2013, e More Later, de 2015, apenas o terceiro especial de comédia de cerca de uma hora da carreira do cómico de stand-up que começou nestas lides em 1987.
Porquê tanto tempo? É que, até 2009, Marc Maron foi um cómico de stand-up sem grande estatura. Ao longo das décadas anteriores, viu os seus amigos e pares, como Louis C.K., com quem chegou a partilhar casa, Sarah Silverman ou Janeane Garofalo, a tornarem-se estrelas e ele a ficar no mesmo sítio.
Apesar de ser presença frequente em talk shows nocturnos e de ter apresentado programas na televisão e na rádio e encarnado um promotor irado que gritava para fecharem os portões em Quase Famosos, de Cameron Crowe, e também de ser respeitado pela comunidade em que estava inserido, Maron não estava a evoluir nem a crescer como cómico e não tinha qualquer alternativa em termos de carreira. Além disso, estava a divorciar-se e zero contente com o rumo que a sua vida estava a tomar.
Mas no ano em que fez 46 anos tudo mudou. Maron começou a gravar conversas com colegas sobre a vida, a comédia e a arte no geral, primeiro à socapa, nos estúdios da rádio Air America, em Nova Iorque, onde tinha tido programas, e depois na garagem de sua casa em Los Angeles, para onde se mudou entretanto. Começou a lançá-los à segunda e à quinta-feira num podcast a que chamou WTF (de “What the fuck?”). Isto numa altura em que um cómico (ou qualquer outra pessoa) ter um projecto do género não era uma ideia tão óbvia quanto é agora.
Aos poucos, foi transformando-se num sucesso, através da crueza das conversas com os convidados e daquilo que estavam dispostos a partilhar com Maron, alguém que tem sempre os sentimentos à flor da pele e uma sinceridade brutal, seja nos minutos introdutórios do programa, em que narra, sozinho, o que se tem passado na sua vida, seja quando está a falar com pessoas. Os convidados deixaram de ser só cómicos e amigos (ou ex-inimigos) e o espectro abriu-se a actores, músicos, escritores, realizadores e até políticos.
A isso acresceu o facto de, nos anos 1990, Maron ter uma reputação – confirmada pelo próprio – de pessoa difícil e conflituosa, com abusos de drogas e álcool – o cómico está sóbrio, diz, desde 1999. Muitas das conversas desses anos iniciais envolviam o cómico ainda invejoso da carreira que outros tinham e ele não ou a pedir desculpa àqueles que tinha maltratado anos antes – “are we good?” era uma pergunta recorrente – e a tentar genuinamente crescer como pessoa.
Inúmeros convidados passaram por lá ao longo dos anos, o que resultou em vários episódios memoráveis e às vezes tão intensos que se tornam complicados de ouvir: Louis C.K. chorou no episódio duplo em que falaram sobre terem deixado de se dar; Barack Obama, então ainda presidente dos Estados Unidos, foi à garagem e levou helicópteros e agentes dos serviços secretos norte-americanos à pacata zona em que Maron vive; o cómico Todd Glass assumiu a homossexualidade numa conversa pungente; o escritor de comédia Todd Hanson, do jornal satírico The Onion, falou sobre ter-se tentado suicidar no mesmo hotel em Brooklyn onde estavam a gravar; o entretanto falecido Robin Williams comentou os rumores acerca de roubar piadas a outros cómicos e abordou o facto de ter contemplado matar-se; Gallagher, o cómico dos anos 1980 conhecido por destruir melancias com martelos, saiu a meio de um episódio depois de se ter sentido ofendido; Wyatt Cenac, que tinha sido correspondente do The Daily Show, falou de uma situação em que Jon Stewart reagiu com um insulto a uma acusação de ligeiro racismo por causa de uma piada que tinha feito, revelação que gerou cabeçalhos e levou a uma reconciliação no último episódio que Stewart apresentou do talk show que o celebrizou (Maron e Stewart têm, aliás, um problema e nunca foram convidados um do outro). Outro episódio histórico: aquele em que, depois de anos a contar como fizera uma audição para entrar em Saturday Night Live e a perguntar a toda a gente com o mínimo de envolvimento no programa sobre Lorne Michaels, o criador e ainda hoje manda-chuva dessa instituição da comédia, falava com o próprio e ali punha fim a uma série de dúvidas que o assolavam há duas décadas.
Já para não falar na lista interminável de convidados que, na garagem, noutros sítios ou ao vivo, passaram por lá ao longo dos quase 830 episódios que saíram até à data. São nomes que vão de Laura Dern a Bruce Springsteen, passando por Keith Richards, Chris Rock, Laura Jane Grace (Against Me!), o recém-falecido Shelley Berman, Lemmy Kilmeister, Jennifer Jason Leigh, Al Gore, Edie Falco, Sofia Coppola, Mel Brooks, Carl Reiner, Sir Patrick Stewart, Julia Louis-Dreyfus, Sandra Bernhard, Mindy Kaling, Judd Apatow – que disse que as conversas de Maron foram fulcrais como pesquisa para a escrita do seu filme Funny People (Gente Gira, na infeliz tradução portuguesa) –, Aziz Ansari, Jon Hamm ou David Byrne.
Com a popularidade de WTF, a carreira de Maron como cómico deixou de estar estagnada. Lançou livros, começou a ter salas mais cheias, criou a sua própria série de televisão em que fazia dele próprio a gravar o seu podcast, Maron, que durou de 2013 a 2016 no canal IFC, e pôde ter mais trabalho como actor – este ano fez, memoravelmente, uma das personagens de G.L.O.W., a série do Netflix sobre uma liga de wrestling de mulheres dos anos 1980.
É nesse mesmo serviço de streaming, no qual também foi actor num episódio de Easy, a série de antologia do realizador independente Joe Swanberg, que Maron lança agora Too Real. Gravado ao vivo em Minneapolis, foi realizado por Lynn Shelton, a responsável por filmes como Encalhados, Entre Irmãs ou Humpday – Deu Para o Torto que foi convidada do podcast em 2015 e realizou episódios de Maron e G.L.O.W. Lida com inúmeros tópicos, da América pós-Trump às dores do envelhecimento, passando por idas a concertos de Rolling Stones, o quão pouco Maron, guitarrista amador e recente convertido ao vinil (algo que foi documentando no seu podcast), aprecia a música de Dave Matthews – prefere, diz, Parliament, Bert Jansch e Gram Parsons –, bem como a dificuldade de ser proactivo na sua própria diversão e todas as suas ansiedades.