A cadeira de rodas não a define e Catarina prova-o no YouTube
Aos 26 anos, foi parar a uma cadeira de rodas, mas isso não a travou. Entre o desporto e a Medicina, Catarina Oliveira criou no YouTube o canal C Feliz para partilhar o seu dia-a-dia. Porque "a vontade de ser feliz tem sempre de prevalecer"
Superar barreiras inesperadas, lutar pela inclusão e levar uma vida normal e activa. São alguns dos objectivos de Catarina Oliveira, que nos recebe na sua casa em Matosinhos de braços abertos e sorriso estampado na cara. Está atarefada com a preparação das malas para as férias que vai fazer durante duas semanas, mas guardou um tempo para nos contar a sua história e falar do projecto do que tem em mãos — um canal de YouTube em que mostra que estar numa cadeira de rodas não é impedimento para a felicidade. "C Feliz" é a mensagem.
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Superar barreiras inesperadas, lutar pela inclusão e levar uma vida normal e activa. São alguns dos objectivos de Catarina Oliveira, que nos recebe na sua casa em Matosinhos de braços abertos e sorriso estampado na cara. Está atarefada com a preparação das malas para as férias que vai fazer durante duas semanas, mas guardou um tempo para nos contar a sua história e falar do projecto do que tem em mãos — um canal de YouTube em que mostra que estar numa cadeira de rodas não é impedimento para a felicidade. "C Feliz" é a mensagem.
Em Dezembro de 2015, numa viagem ao Brasil, Catarina, então com 26 anos, descobriu que tinha uma mielite transversa, uma infecção na espinal medula que impede os sinais cerebrais de chegarem aos membros inferiores, provocando a perda de sensibilidade e movimento das pernas. Foi uma notícia inesperada, como narra em dois vídeos do seu canal. Nada no seu percurso o fazia prever. Começou por sentir "uma ligeira dor nas costas" à qual não deu muita atenção; afinal, como desportista era uma situação normal. Porém, o diagnóstico revelou-se. Seguiram-se longos meses de tratamento, primeiro no Brasil e depois em Portugal, em que houve uma procura constante do "porquê" e do "como" tudo isto tinha acontecido.
Para Catarina, todo o processo foi "uma adaptação ao longo do tempo", pois não houve um momento em que alguém lhe disse que nunca mais voltaria a andar. No início, quando ainda estava no hospital, tinha algum medo de que as pessoas mais próximas a vissem de outra forma por estar numa cadeira de rodas. Chegou mesmo a não querer que as amigas a visitassem. Depois, todos as dúvidas e inseguranças dissiparam-se. "Não tenho ninguém que conheço a quem eu consiga apontar que me tenha tratado de forma diferente depois do que me aconteceu, mas eu tinha esse receio", explica.
Remo, andebol, crossfit e surf
Quando regressou a casa, veio uma nova luta — adaptar o seu quotidiano à nova condição. "Sempre fui uma pessoa muito independente e agora há certas coisas que tenho que fazer com mais paciência", conta ao P3 a jovem, hoje com 28 anos. Não baixou os braços. Quis recuperar a vida activa, voltar ao desporto. Sem limites e com toda a normalidade, mesmo que a lesão se tenha estendido até ao tronco, o que provoca falhas no equilíbrio. Além da fisioterapia diária, começou a praticar remo e andebol adaptado, fez crossfit, surfou. Vai ao ginásio com frequência e recusa-se a parar: "Acabo por estar com outras pessoas que estão na minha situação e há coisas que só nós é que compreendemos e falamos".
Os casos de mielite transversa são muito diferentes entre si e muitas vezes não se sabe quando ou se há possibilidade de voltar a andar. Catarina diz não pensar muito no assunto, mas tem um lema que a motiva: "Todos os dias trabalho para que se um dia o meu corpo volte a funcionar totalmente, ele esteja preparado para voltar a andar". Tem de manter os pés e as articulações móveis e trabalhar a força de tronco. "É preciso manter-me activa para se um dia isto voltar a funcionar, volte em força", conclui. A nível físico, e não só. Em Setembro, depois de ter estado um ano parada, vai retomar os estudos em Medicina no Instituto de Ciências Biomédicas Abel Salazar, no Porto, onde irá frequentar agora o quinto ano.
A personalidade forte ajuda, e muito. Mas a chave, diz, está no "apoio" que tem ao seu redor. A família e os amigos foram essenciais em todo o processo e um pilar do qual não prescinde. "Há muita gente", diz, "que vejo que está fechada em casa porque não tem o apoio que eu tenho, de amigos, que estão sempre prontos a fazer alguma coisa".
A mensagem? "C Feliz"
Foi precisamente no círculo de amigos de Catarina que surgiu a ideia de falar com outras pessoas, de explicar como se adapta e lida com determinadas situações no dia-a-dia. A hipótese nunca lhe tinha "passado pela cabeça", mas depois de muita insistência decidiu embarcar na aventura de criar um canal no YouTube, que já contabiliza quase 300 subscritores.
Pediu ajuda a uma amiga para criar a imagem do projecto e, em Junho, nasceu o C Feliz. Escreve-se com C de Catarina, lê-se com o "sê" de ser feliz. Lá está a sua história, relatos do seu quotidiano, de situações que tem de enfrentar. Objectivo, expresso na descrição do canal: "Mostrar como, apesar de qualquer coisa, a nossa força está precisamente dentro de nós e a nossa vontade de ser feliz tem sempre que prevalecer".
Os vídeos têm chegado a mais pessoas do que esperava. "Tive muita gente que não me conhecia e que se identificou comigo, quer pessoas na minha situação, quer pessoas que não estavam na minha situação", relata. "E isso é espectacular, ouvir as histórias das outras pessoas, dizerem que já lhes aconteceu, agradecerem por ter chamado a atenção por alguma coisa, é muito fixe."
Catarina explica que o canal também é uma forma de chamar à atenção para os problemas de inclusão e de acessibilidade que vive diariamente. Querer fazer uma vida normal em alguns locais é complicado, pois "quase nada está adaptado" e há muitas barreiras arquitectónicas a superar. Na Baixa do Porto, por exemplo, poucas são as casas de banho adaptadas que existem nos bares ou em cafés, tornando-se difícil para quem está numa cadeira de rodas ir sozinho aos vários espaços. "Acabo por ter que pedir ajuda de alguma forma."
Por isso, sempre que pode, envolve-se na discussão cívica e tenta quebrar barreiras. Dá "exemplos práticos" do que precisa de ser adaptado para, no futuro, poder ter uma vida independente como sempre teve. Também a diferença com que por vezes é tratada é algo que gostaria de mudar. "Há muita gente que olha para mim e só consegue ver a cadeira, e eu quero que as pessoas percebam que sou mais do que isso", explica. A mensagem é simples: "Todos nós temos problemas, só que o meu é visível".
Em 90% do tempo, Catarina não pensa na sua condição. Percebeu que "não tem mal pedir ajuda" sempre que precisa. Nem sempre é fácil, mas foi aprendendo a fazê-lo: "Só às vezes quando quero fazer uma coisa e demoro mais, fico assim mais irritada, mais sem paciência. O pedir ajuda, o dar valor às coisas mais simples, ser mais tranquila e mais relaxada são essenciais".
Este capítulo fez-lhe perceber que o ser humano tem uma grande capacidade de se reinventar e adaptar face às adversidades que surgem. "Está tudo", ressalva, "na nossa cabeça e na confiança que passamos aos outros". Não ter um braço, não ter uma perna, ter qualquer problema visível faz com que as pessoas olhem, sim. "Mas depois conhecem-te e percebem que és uma pessoa exactamente igual a ela ou, se calhar, até mais resolvida e realizada do que ela". No final, há uma certeza que Catarina não larga: "Não me deixo parar pela minha condição".