Trump cede à pressão e chama "repugnantes" aos grupos racistas e neo-nazis
Foram precisas 48 horas e a pressão de todos os quadrantes políticos para Trump condenar sem reticências organizadores da marcha em Charlottesville. Extremistas dizem que os seus objectivos foram atingidos.
Foram precisas 48 horas para que Donald Trump condenasse de forma inequívoca os organizadores da manifestação de extrema-direita que no sábado espalhou a violência em Charlottesville e terminou com a morte de uma contra-manifestante. O Presidente norte-americano, que a chamada “alt-right” descreve como o seu herói, afirmou do púlpito da Casa Branca que o “KKK [Ku Klux Klan], os neo-nazis, os supremacistas brancos e todos os outros grupos de ódio são repugnantes à luz de tudo aquilo que os americanos prezam”.
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Foram precisas 48 horas para que Donald Trump condenasse de forma inequívoca os organizadores da manifestação de extrema-direita que no sábado espalhou a violência em Charlottesville e terminou com a morte de uma contra-manifestante. O Presidente norte-americano, que a chamada “alt-right” descreve como o seu herói, afirmou do púlpito da Casa Branca que o “KKK [Ku Klux Klan], os neo-nazis, os supremacistas brancos e todos os outros grupos de ódio são repugnantes à luz de tudo aquilo que os americanos prezam”.
Os próximos dias serão gastos na discussão sobre até que ponto Trump agiu por seu iniciativa ou se viu empurrado a assumir a posição que muitos lhe exigiam desde o início – os comentadores notaram de imediato que, ao contrário do que lhe é habitual, o Presidente não se desviou da nota que trazia escrita e lamentaram também que tenha começado a sua intervenção falando dos progressos económicos feitos pela sua Administração.
Esta foi, no entanto, a primeira vez que Trump não se limitou a distanciar-se dos grupos racistas que, nas ruas e nas redes sociais, fizeram campanha por ele e olharam para a sua eleição como uma vitória dos valores que defendem. “O racismo é um mal e aqueles que provocam violência em seu nome são criminosos e bandidos”, afirmou, sublinhando que todos os americanos “são iguais aos olhos do Criador, iguais perante a lei e iguais perante a Constituição”. “Os que espalham a violência em nome da intolerância atacam a essência da América”.
“Gostava que ele tivesse dito estas palavras no sábado”, afirmou o senador democrata Mark Warner, da Vírginia, declarando-se “desiludido” com a reacção tardia do Presidente.
Pouco antes da declaração na Casa Branca, James Fields, o homem de 20 anos que lançou um carro contra um grupo de pessoas que se manifestavam contra a presença da extrema-direita em Charlottesville, matando uma activista e ferindo outros 12, era ouvido em tribunal. Está para já indiciado por homicídio, mas é provável que venha a enfrentar mais acusações depois de o Departamento de Justiça ter anunciado a abertura de uma investigação federal aos acontecimentos na cidade – um inquérito “que irá investigar se houve outras pessoas envolvidas no ataque”.
“Quem quer que tenha agido de forma criminosa na violência racista deste fim-de-semana irá ser responsabilizado. Será feita justiça”, disse o Presidente norte-americano que, ainda assim, ficou aquém do seu procurador-geral, Jeff Sessions, que tinha admitido que o atropelamento mortal poderia configurar “terrorismo interno”. “Sempre que alguém ataca pessoas para incitar o medo, isso entra na definição de terrorismo”, concordou o general H.R. McMaster, conselheiro de segurança nacional de Trump.
"Não há muitos lados"
A esperada declaração surgiu horas depois de uma crítica muito pública de Kenneth Frazier, presidente executivo da farmacêutica Merck, que abandonou o Conselho Industrial Americano, um dos grupos económicos que aconselha Trump. Frazier, um dos raros administradores negros de uma grande companhia americana, explicou que saía para não ser conivente com “a intolerância e o extremismo”. “Os líderes americanos devem honrar os nossos valores fundamentais e rejeitar claramente expressões de ódio, intolerância e supremacia de um grupo”, afirmou o último de um punhado de empresários que se distancia da Casa Branca em protesto contra as políticas do Presidente.
Em dissonância com o que diria depois, Trump desvalorizou o afastamento, limitando-se a escrever no Twitter que a saída deixaria a Frazier “mais tempo livre para baixar os preços dos medicamentos!”
Mas a pressão estava a tornar-se demasiado incómoda, mesmo (ou sobretudo) para um Presidente que assentou a sua campanha na retórica anti-imigração e anti-islão, que só recusou o apoio do KKK e do seu líder, David Duke, depois de muito pressionado e que tem como conselheiro especial Steve Bannon, antigo responsável do Breitbart o mais influente site das novas correntes xenófobas americanas que se apresentam sob a polida designação de “alt-righ” (direita alternativa).
Uma pressão que ameaçava virar revolta depois de, na primeira vez em que falou em público da manifestação de força dos supremacistas brancos e neo-nazis, Trump ter condenado “a demonstração de ódio, intolerância e violência”, responsabilizando, no entanto, “muitos lados” por aquilo que aconteceu em Charlottesville.
Sem tardar, choveram críticas das organizações de defesa dos direitos cívicos e dos responsáveis democratas, a que se começaram a juntar, uma após outra, vozes de descontentamento dentro do Partido Republicano. A Casa Branca ainda emitiu um comunicado, assegurando que a declaração do Presidente “incluía todos os grupos extremistas”. Mas o Daily Stormer, um site ligado a grupos neonazis, elogiou a reacção tépida de Trump: “Ele não disse nada específico contra nós. Disse que é preciso perceber porque é que as pessoas estão tão zangadas e deu a entender que há ódio dos dois lados”.
“Não senhor Presidente, não há ‘muitos lados’ para o que aconteceu na Virgínia. Não quando vimos centenas de supremacistas brancos a marchar de noite com tochas numa cidade americana. Não quando vimos pessoas serem mortas e feridas por um supremacista que usou um carro como arma”, escreveu Richard Cohen, do Southern Poverty Law Center, que monitoriza grupos de extrema-direita nos EUA – são cerca de 1600 actualmente, calcula a organização.
O New York Times questionava-se nesta segunda-feira se a manifestação em Charlottesville irá ter efeitos duradouros, dando maior visibilidade a esta nova face da extrema-direita americana, “uma coligação de novos e velhos grupos supremacistas unidos pelas redes sociais e incentivados pela eleição de Trump”, ou se teria o efeito contrário. Mas Matthew Heimbach, fundador dos neo-nazis da Frente Nacionalista, já não tinha dúvidas. “Atingimos os nossos objectivos. Mostrámos que não somos apenas um movimentos online […] assumimo-nos como a voz da América branca”.