Começou o processo do Cumhuriyet, “onde se julga todo o jornalismo na Turquia”

No país de Erdogan, “os jornalistas são tratados como terroristas por terem feito o seu trabalho”, dizem os Repórteres Sem Fronteiras.

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Os manifestantes soltaram balões coloridos nos céus de Istambul Erdem Sahin/EPA

O Cumhuriyet “permanece um espinho, cada vez mais pontiagudo”, escreve Aydin Engin, jornalista de 76 anos, um dos dois que puderam aguardar em liberdade o julgamento que esta segunda-feira se iniciou em Istambul. Há quase nove meses que 17 dos mais veteranos membros da redacção do Cumhuriyet (e dos maiores nomes do jornalismo turco) foram acusados de colaborar com diferentes “organizações terroristas” – dois passaram este tempo em casa por causa da idade, um exilou-se, entre os outros pelo menos dez nunca mais saíram da prisão de Silivri. Todos arriscam penas de 43 anos.

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O Cumhuriyet “permanece um espinho, cada vez mais pontiagudo”, escreve Aydin Engin, jornalista de 76 anos, um dos dois que puderam aguardar em liberdade o julgamento que esta segunda-feira se iniciou em Istambul. Há quase nove meses que 17 dos mais veteranos membros da redacção do Cumhuriyet (e dos maiores nomes do jornalismo turco) foram acusados de colaborar com diferentes “organizações terroristas” – dois passaram este tempo em casa por causa da idade, um exilou-se, entre os outros pelo menos dez nunca mais saíram da prisão de Silivri. Todos arriscam penas de 43 anos.

Cumhuriyet ou “República” é o diário mais antigo da Turquia; aos 93 anos, tem a idade da República. Esteve proibido nas ditaduras militares, teve jornalistas presos e sete assassinados, mas manteve-se o principal diário de referência. “O jornal não hesita em publicar uma informação – desde que verdadeira e verificada – sem nunca dobrar a espinha diante do poder. Hoje, é o único espinho na paisagem mediática turca, que Recep Tayyip Erdogan e o seu partido [AKP] querem transformar num jardim de rosas”, continua Engin, um dos jornalistas do Cumhuriyet que participou na edição especial do Libération, uma homenagem ao jornal turco na forma de um dossier especial (“A imprensa segundo Erdogan”).

As audiências vão durar toda a semana. A primeira começou com o colunista francófono Kadri Gürsel a negar as acusações que enfrenta e a dizer ao tribunal que os métodos usados para construir o caso contra ele são “ilegais”. Akin Atalay, director-geral do jornal, outros dos acusados, descreveu a investigação como “um verdadeiro assassínio legal”.

“É um processo kafkiano”, afirma o representante dos Repórteres Sem Fronteiras na Turquia. “Cumhuriyet é um símbolo, herdeiro de uma tradição de jornalismo crítico e de investigação. O Governo tenta destruí-lo por todos os meios”, insiste Erol Onderoglu.  

Tudo começou a mudar na Turquia depois da tentativa de golpe falhada de 15 de Julho do ano passado. Erdogan (o seu AKP está no poder desde 2002 e ele quer eternizar-se numa presidência cada vez com mais poderes) encontrou na conspiração a desculpa perfeita para dar asas ao seu autoritarismo. Há um ano que governa por decreto, graças ao estado de emergência em vigor, e a perseguição aos suspeitos golpistas (ligados, ao que tudo indica, ao religioso Fethullah Gülen, um seu ex-aliado) tornou-se numa caça aos opositores de todas as áreas. Nas cadeias turcas há hoje 167 jornalistas – mais do que em qualquer outro país – e mais de 150 publicações foram encerradas.

A 1 de Novembro chegou a vez do Cumhuriyet, quando 14 dos seus funcionários e colaboradores viram os seus apartamentos invadidos pela polícia, que levou computadores, telemóveis e livros. De acordo com a acusação, apoiaram uma de três organizações terroristas: ou o movimento islamista Gülen, ou o PKK (Partido dos Trabalhadores do Curdistão) ou o grupúsculo de extrema-esquerda DHKP-C. Para fundamentar estas acusações citam-se artigos, tweets ou telefonemas, mas nenhuma prova palpável.

“No processo do Cumhuriyet julga-se todo o jornalismo na Turquia”, diz Christophe Deloire, secretário-geral da ONG Repórteres Sem Fronteiras. “Os jornalistas são tratados como terroristas por terem feito o seu trabalho.” Num relatório recente, o Grupo de Trabalho da ONU sobre Detenções Arbitrárias pedia a libertação imediata dos colaboradores do Cumhuriyet. Desde as detenções que o jornal sai todos os dias para as bancas com páginas em branco, as páginas que os presos deveriam ter enchido.

À espera dos acusados, diante do Palácio da Justiça de Çaglayan, estiveram jornalistas, advogados, activistas, leitores ou cidadãos solidários. Outro grupo reuniu-se à porta do jornal e marchou até ao tribunal. “O jornalismo não é um crime”, gritou-se, enquanto se erguiam cartazes com retratos dos acusados e outros a pedir “Justiça para o Cumhuriyet”. Depois, os manifestantes soltaram balões coloridos nos céus de Istambul.