Loures: CDS-PP deixa cair André Ventura, PSD mantém apoio

Partido retira apoio ao candidato do PSD à Câmara Municipal de Loures na sequência de repetidas acusações contra a comunidade cigana. PSD diz que respeita a decisão do CDS-PP: "Está no seu direito legítimo".

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LUSA/NUNO FOX

O CDS-PP decidiu "seguir um caminho próprio no concelho de Loures" nas autárquicas de Outubro, retirando o apoio a André Ventura na sequência das polémicas declarações do ainda candidato do PSD àquela câmara, anunciou João Gonçalves Pereira, presidente da distrital lisboeta dos centristas. Já os sociais-democratas insistem em manter o candidato, apesar de a polémica se adensar, dia após dia.

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O CDS-PP decidiu "seguir um caminho próprio no concelho de Loures" nas autárquicas de Outubro, retirando o apoio a André Ventura na sequência das polémicas declarações do ainda candidato do PSD àquela câmara, anunciou João Gonçalves Pereira, presidente da distrital lisboeta dos centristas. Já os sociais-democratas insistem em manter o candidato, apesar de a polémica se adensar, dia após dia.

"No seguimento das recentes declarações do candidato à Câmara Municipal de Loures, Dr. André Ventura, e depois do CDS-PP ter manifestado no seio da coligação o seu profundo incómodo com as referidas afirmações, decidiu o CDS seguir um caminho próprio no concelho de Loures nestas eleições autárquicas de 2017", lê-se na decisão dos centristas.

Contactado pelo PÚBLICO, o líder da distrital do PSD, Pedro Pinto, mostra respeito pela decisão. "Acho que, se o CDS não se sente confortável a 100%, temos de respeitar. Está no seu direito legítimo", afirmou o dirigente e deputado, numa altura em que não tinha ainda tomado conhecimento formal da decisão dos centristas. No entanto, soube o PÚBLICO, o CDS-PP já terá comunicado a decisão aos sociais democratas. O apoio dos sociais-democratas não está, no entanto, em causa. A direcção do partido decidiu enviar uma nota à agência Lusa, para que ficasse claro que "o PSD mantém o apoio ao candidato do partido à Câmara Municipal de Loures", embora lamentando e respeitando que o CDS não o faça.

"Passos tem obrigação de se pronunciar"

Quanto ao Bloco de Esquerda, não vai descansar enquanto não vir André Ventura fora da corrida à Câmara Municipal de Loures. Depois de ter apresentando duas queixas contra André Ventura pelas declarações que fez acerca da comunidade cigana, o candidato bloquista a Loures, Fabian Figueiredo, já marcou uma conferência de imprensa "urgente" para a tarde desta terça-feira, não só para abordar as queixas apresentadas à Comissão para a Igualdade e Contra a Discriminação Racial e à Procuradoria-Geral da Republica, mas também para apelar ao PSD para que deixe cair André Ventura na corrida autárquica. "O líder do PSD, Pedro Passos Coelho, que apoiou e apresentou a candidatura de André Ventura, tem obrigação de se pronunciar. Tem obrigação de ser claro. Se o PSD entender manter André Ventura, o sinal que dá ao país é o de que se sentiu confortável em ter um candidato de extrema-direita", diz Fabian Figueiredo, lembrando que André Ventura até mereceu um elogio do líder do PNR no Twitter.

Se o PSD mantiver o apoio a André Ventura, "o país fará leitura de que o centro direita passou a conviver pacificamente com candidatos de extrema-direita ao estilo de Donald Trump e Marine Le Pen", tinha já dito o BE. Na conferência de imprensa desta tarde, Fabian Figueiredo "irá apelar a todos os partidos de esquerda candidatos às autarquias de Loures para que recusem desde já qualquer tipo de entendimento ou coligação pós-eleitoral com forças partidárias ou candidatos que promovam a discriminação racial e o racismo". 

"Creio que chegou o momento de todos as candidaturas de esquerda, PS e CDU, serem muito claras sobre se estão disponíveis ou não para integrarem executivos onde esteja o PSD ou de integrarem o PSD nos seus executivos. Nós não governaremos Loures com o PSD e toda a esquerda o deve recusar", diz ao PÚBLICO Fabian Figueiredo.

Nos Açores, a coordenadora do Bloco de Esquerda, Catarina Martins, também já reagiu. "O Bloco de Esquerda já fez o que tinha a fazer sobre esta matéria. Nós achamos que o incitamento ao ódio e ao racismo em Portugal não pode passar em branco. Aliás, a lei não o permite", disse, citada pela Lusa.

Logo na segunda-feira, a reacção do PS chegou não só pela voz da candidata socialista a Loures, mas também pela da secretária-geral adjunta do PS, Ana Catarina Martins, para quem “este é o momento de Pedro Passos Coelho demarcar-se daquelas declarações ou tornar-se-á cúmplice de semear o discurso da intolerância, do racismo e da xenofobia".

Também esta tarde, o cabeça-de-lista da CDU no município e presidente da Câmara de Loures, Bernardino Soares, afirmou, acerca das declarações de André Ventura, que tais "insinuações dão uma imagem errada do concelho" e "não correspondem de todo à verdade". Ao PÚBLICO, o partido fez questão de deixar claro que “o PCP é, não só em palavras, contrário a quaisquer práticas de discriminação sejam raciais ou outras”: “Provam-no o seu posicionamento político e a sua intervenção concretos, designadamente nas autarquias, traduzidos no relacionamento com diversas comunidades, nacionalidades e culturas.” Questionado sobre se os sociais-democratas deviam retirar o apoio à candidatura de André Ventura, o PCP disse apenas que “cabe ao PSD retirar as ilações políticas que entender."

Quem é André Ventura?

Na segunda-feira, numa entrevista ao jornal i, o candidato autárquico teceu duras críticas a “grupos que, em termos de composição de rendimento, vivem exclusivamente de subsídios do Estado”, acusando especificamente uma comunidade de ter uma cultura de "impunidade".

"A etnia cigana tem de interiorizar o Estado de Direito, porque, para eles, as regras não são para lhes serem aplicadas. Há um enorme sentimento de impunidade, sentem que nada lhes vai acontecer", disse.

Na mesma entrevista, André Ventura dizia que sempre se tinha dado “com todo o tipo de etnias” e dizia ainda: “Nada tenho contra as pessoas de etnia cigana, isto tem a ver com um grupo que acha que está acima do Estado de Direito.” À pergunta “Recentemente disse que somos demasiado 'tolerantes com algumas minorias'. De que minorias falava?”, André Ventura inicia a resposta desta forma: “Vou-lhe ser muito directo: eu acho, e Loures tem sentido esse problema, que estamos aqui a falar particularmente da etnia cigana.” Outras frases pontuam a entrevista: “Nos transportes públicos é a mesma coisa: vários munícipes queixam-se de pessoas de etnia cigana que entram nos transportes, usam os transportes e nunca pagam, e ainda geram desacatos.” Ou: “A etnia cigana, quer em Loures quer no resto do país, tem de interiorizar o manual do Estado de Direito.”

Ventura já tinha proferido acusações semelhantes, na semana passada, numa entrevista ao site Notícias ao Minuto: “Temos tido uma excessiva tolerância com alguns grupos e minorias étnicas. Não compreendo que haja pessoas à espera de reabilitação nas suas habitações, quando algumas famílias, por serem de etnia cigana, têm sempre a casa arranjada. Já para não falar que ocupam espaços ilegalmente e ninguém faz nada”, afirmou o candidato.

No mesmo dia, o CDS-PP questionou o PSD sobre as declarações de André Ventura e pediu que o candidato esclarecesse "cabalmente" o que disse. Horas antes, o dirigente centrista Francisco Mendes da Silva criticara Ventura com contundência através do Facebook: "Se perder, tudo bem: que nem mais um dia o meu partido fique associado a tão lamentável personagem".

Ao final de uma segunda-feira atribulada, o candidato dizia ao PÚBLICO que não recuava no que disse sobre a comunidade cigana. Pelo contrário, até enumerava mais problemas que garante existirem como o “casamento em idade precoce” e limitações no “acesso das mulheres aos estudos”.

Ventura é sobretudo conhecido por ser comentador afecto ao Benfica, num programa de desporto na CMTV, mas do seu currículo fazem parte outras actividades. Entre muitos outros aspectos, pode ler-se que é professor auxiliar da Universidade Autónoma de Lisboa; professor convidado da Faculdade de Direito da Universidade Agostinho Neto, Angola; tendo ainda várias ligações à Faculdade de Direito da Universidade Nova de Lisboa (professor convidado; subdirector do mestrado em Direito e Segurança; investigador residente do Centro de Investigação e Desenvolvimento sobre Direito e Sociedade).