Mirny: a cidade “diamante” que brotou de uma cratera no solo

Na Sibéria existe uma cidade cuja economia é dominada por uma única empresa. A “Alrosa” emprega mais de 50% dos habitantes de Mirny, uma cidade geograficamente isolada e que deve a sua existência à indústria de extracção de diamante. O fotógrafo galego Carlos Folgoso Sueiro passou um mês na “monocidade” e contou ao P3 como resistem os residentes “às condições de vida extremas” do local

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Carlos Folgoso Sueiro

моногород (​Monogorod) é a palavra russa que designa cidades como Mirny. “Cidades cuja economia é dominada por uma única indústria ou empresa.” Isto significa, em termos práticos, que a maioria dos postos de trabalho – com a excepção de serviços públicos e lojas locais – são disponibilizados por uma só empresa; neste caso por Alrosa, uma empresa dedicada à extracção de diamantes. Durante o período da União Soviética, nasceram no país centenas de “monocidades”, situadas, geralmente, em lugar inóspito com o único intuito de servir um tipo de actividade económica.

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моногород (​Monogorod) é a palavra russa que designa cidades como Mirny. “Cidades cuja economia é dominada por uma única indústria ou empresa.” Isto significa, em termos práticos, que a maioria dos postos de trabalho – com a excepção de serviços públicos e lojas locais – são disponibilizados por uma só empresa; neste caso por Alrosa, uma empresa dedicada à extracção de diamantes. Durante o período da União Soviética, nasceram no país centenas de “monocidades”, situadas, geralmente, em lugar inóspito com o único intuito de servir um tipo de actividade económica.

O fotógrafo Carlos Folgoso Sueiro, galego de Verín, passou 20 dias em Mirny “tentando explorar como o ser humano se adapta às condições climatéricas e ecológicas extremas” verificáveis na cidade. Sueiro considera que o isolamento, o clima adverso e a artificialidade tornam Mirny “um lugar interessante”. As imagens que partilhou com o P3 parecem comprovar isso mesmo.“Esta povoação surgiu a partir do nada, por decisão racional e humana.” “Foi fundada apenas porque no local há pedras”, explicou ao P3, em entrevista por Skype. “Não estamos a falar de rio ou de mar, de comida, mas sim de pedras – que para mim não têm qualquer valor.” Sueiro refere-se a diamantes. Mirny tem 7 meses de Inverno por ano – altura em que as temperaturas chegam a atingir os 40 graus negativos. As características do solo que a sustentam, gelado no Inverno e enlameado no Verão, dificultam o cultivo de alimentos. “A comida é muito cara, em Mirny, porque chega toda de avião.” Existe uma camada do solo sobre o qual assenta a cidade que permanece gelada (fenómeno denominado de “pergelissolo”) que torna difícil a prática agrícola em larga escala e mais desafiante – e menos confortável – a permanência humana.

A 850 quilómetros a leste de Moscovo, cerca 50% dos 35 mil habitantes desta “monocidade” trabalham para Alrosa, uma empresa privada que se dedica à extracção de diamantes – não só na Rússia, mas em várias partes do globo. Antes de 1956, neste local remoto da Sibéria nada existia. A descoberta de kimberlito na região – um tipo de rocha vulcânica que pode conter diamante – justificou o início da escavação da que viria a tornar-se a segunda maior cratera do mundo fruto de acção humana, com 1,2 quilómetros de diâmetro e 525 metros de profundidade. Tal empreendimento e tamanha previsão de lucro justificaram o desenvolvimento de uma cidade de apoio à permanência dos trabalhadores junto da mina Mir. Assim, no espaço de dois anos, Mirny brotou do solo e, em 1959, adquiriu o estatuto de cidade. A União Soviética estava, então, muito longe da ruptura. Até ao momento da queda da URSS, Mirny era uma cidade fechada, interdita a estrangeiros; cidadãos russos de outras paragens tinham de obter uma licença especial para visitar. Vestígios desse fechamento permanecem, segundo o fotógrafo, na mentalidade dos residentes. “Muitos habitantes sentem nostalgia pela era comunista”, afirma. Não o diz de uma forma pejorativa. Surpreendentemente, o dinheiro não parece assumir grande importância na cidade dos diamantes. “Voei com helicóptero duas vezes e não me quiseram cobrar. Consegui utilizar um drone oito vezes e o operador do equipamento não cobrou pelo serviço, mesmo quando lhe pedi que trabalhasse às 5 da manhã. Existe a sensação de que o dinheiro não é algo importante, em Mirny, facto que me impressionou bastante.”

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A mina de diamantes chama-se Mir - nome que deu origem ao nome da cidade, Mirny

Mirny, a cidade-diamante de “Alrosa”

A Alrosa, a empresa que explora o diamante em Mirny, detém várias empresas que prestam serviços e fornecem bens à comunidade. “Uma companhia aérea, hotéis, instituições culturais e agências imobiliárias” são alguns dos exemplos dados por Sueiro. A BBC acrescenta a construção de hospitais, a oferta de seguros de saúde, pensões e vôos internos na Alrosa Air aos trabalhadores e o financiamento de construção habitacional de baixo custo. “O logótipo da empresa está por toda a parte, em Mirny”, diz Sueiro. “O clube de futebol de salão pertence à empresa, assim como o estádio.” Além da participação na vida económica e cultural da cidade, a empresa também tem presença no panorama político. “A cidade é quase totalmente dependente das decisões e investimentos feitos pela Alrosa”, justifica o fotógrafo.

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A academia de ballet, Diamantes de Iacútia, é um importante elemento cultural da cidade

Metade da população de Mirny é iacútia – os iacutos são um povo indígena oriundo da República Sakha (ou República da Iacútia), uma subdivisão interna do estado federal russo - e a outra metade é composta por russos caucasianos. A religião dominante é a cristã-ortodoxa, mas existe também população muçulmana e baptista.

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O fotógrafo Carlos Folgoso Sueiro em Mirny (fotografia de Alla Berezovaya)

Mirny é uma cidade jovem. Embora não exista publicada informação oficial relativamente à demografia do local, Sueiro garante que a presença de população idosa é pouco significativa. Os jovens têm acesso à Universidade e têm liberdade de movimento dentro e fora do país. O acesso a Mirny, por parte de estrangeiros, continua condicionada pelo governo local, motivo por que Sueiro era o único estrangeiro no local no momento da visita. A BBC garante que a cidade está “estritamente fora de limite para estrangeiros sem uma licença especial e que os forasteiros são olhados com suspeita por parte das autoridades”. O fotógrafo espanhol requereu essa licença especial e visitou Mirny a convite da Universidade local. Embora vago relativamente a constrições oficiais sentidas no local, Sueiro garantiu que a próxima entrada no país está condicionada a um pedido de visto de um outro tipo - destinada a jornalistas - que incluirá obrigatoriamente um plano detalhado sobre as suas movimentações e sobre o tipo de conteúdos que pretende realizar.

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Era difícil encontrar várias pessoas na rua, normalmente apenas uma isolada. Especialmente, de noite, esclareceu o fotógrafo

Já não é a partir da grande cratera visível nas imagens que é feita a extracção de diamante. Essa encontra-se, presentemente, em estado de abandono. Actualmente, a extracção é feita em contexto subterrâneo, onde o acesso é impossível sem uma autorização da Alrosa. Estima-se que os recursos mineiros da região se irão esgotar no período de 30 anos, perto do ano 2050. Qual será, então, o destino de Mirny permanece uma incógnita. “Deus saberá o que fazer”, disse um dos habitantes ao fotógrafo.

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A religião dominante é cristã ortodoxa, mas existem pequenos grupos muçulmanos e baptistas

Carlos Folgoso Sueiro, jovem de 34 anos residente em Florença, Itália, pretende visitar novamente a cidade em Novembro de 2017. “A Rússia é o país onde pretendo desenvolver todos os meus projectos pessoais.” Tem, inclusivamente, indicado num mapa da Rússia as dezenas de cidades que pretende visitar no futuro. “Não me chama a atenção África ou América do Sul... Gosto dos russos, do seu carácter. São pessoas correctas, sentimentais, que quando prometem algo, cumprem.”