A terminar a competição, não apareceram bombas

Fatih Akim, François Ozon, Sergei Loznitsa, Naomi Kawase: quase a terminar, sente-se que o alinhamento da 70.ª edição foi tirado a ferros.

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Uma alemã (Diane Kruger) perde o marido, de origem turca, e o filho num ataque bombista perpetrado por um grupo de extrema-direita. Mas a decisão do julgamento não lhe permite fechar o trabalho de luto e ela decide fazer justiça pelas próprias mãos. O cineasta Fatih Akim, alemão de origem turca, não esconde que a sua empatia está com a personagem de Katja, porque ela é o corpo daquilo que pode estar adormecido em cada um de nós – o justiceiro – e, segundo o próprio realizador, “deve continuar adormecido”. O problema é que In the Fade (concurso) não tem capacidade de questionar esse sentido de justiça de Katja, o que poderia fazer, o que deveria fazer, mesmo estando emocionalmente com ela – aliás, como Katja não se descola da sua dor. Os grandes cineastas e os grandes filmes conseguem, In the Fade não. No mínimo ideologicamente ambíguo, cinematograficamente é básico, não é nenhuma bomba, todo dependente de um pronto-a-filmar (quase que se adivinham os movimentos de câmara), sem “olhar” que se sobreponha ao mecanismo. E Diane Kruger não dá qualquer espessura à personagem, é um pronto-a-interpretar.

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Uma alemã (Diane Kruger) perde o marido, de origem turca, e o filho num ataque bombista perpetrado por um grupo de extrema-direita. Mas a decisão do julgamento não lhe permite fechar o trabalho de luto e ela decide fazer justiça pelas próprias mãos. O cineasta Fatih Akim, alemão de origem turca, não esconde que a sua empatia está com a personagem de Katja, porque ela é o corpo daquilo que pode estar adormecido em cada um de nós – o justiceiro – e, segundo o próprio realizador, “deve continuar adormecido”. O problema é que In the Fade (concurso) não tem capacidade de questionar esse sentido de justiça de Katja, o que poderia fazer, o que deveria fazer, mesmo estando emocionalmente com ela – aliás, como Katja não se descola da sua dor. Os grandes cineastas e os grandes filmes conseguem, In the Fade não. No mínimo ideologicamente ambíguo, cinematograficamente é básico, não é nenhuma bomba, todo dependente de um pronto-a-filmar (quase que se adivinham os movimentos de câmara), sem “olhar” que se sobreponha ao mecanismo. E Diane Kruger não dá qualquer espessura à personagem, é um pronto-a-interpretar.

Sergei Loznitsa faz, depois do documentário Austerlitz, livremente inspirado em W. G. Sebald, uma ficção, livremente inspirada em Dostoiévski: Une Femme Douce (concurso). Que, na verdade, dá continuidade à viagem pela Rússia profunda de My Joy (2010), mas com o peso alegórico de No Nevoeiro (2012). O pesadelo kafkiano de uma mulher para conseguir levar comida ao marido na prisão – marido que, ela mantém, está inocente (mas alguém diz que todos os que ali estão presos desconhecem a razão) –, é uma entrada pelo “castelo” de Vladimir Putin. Mas, desastradamente (e isso mesmo para além da tão discutida sequência de sonho que dura 20 minutos), tem a insuflada pompa de cinema oficial.

Naomi Kawase já é, oficialmente, cineasta humanista de Cannes. Mas as razões da sua quinta presença em concurso continuam a ser tão intrigantes como as anteriores: Vers la Lumière, encontro entre uma jovem que trabalha numa empresa que prepara a descrição dos filmes para espectadores com problemas de visão e um maduro e grave invisual, vai direitinho ao pôr-do-sol.

E François Ozon vai direitinho ao interior de uma vagina logo no primeiro plano de L’Amant Double. Depois é sempre a subir, ou a descer, não interessa: mesmo a terminar o festival caiu um filme que se exibiu hilariante, mesmo se não se consegue distinguir se a sala ria com ele ou dele. Ozon até se pode ter rido ao tomar-se, com a ligeireza com que veste mesmo uma gravidade, por Brian de Palma ou David Cronenberg nesta história da relação entre uma mulher perturbada (Marine Vacth) e o seu psicoterapeuta (Jérémie Renier). Mas “despacha” clichés da perversão erótica como se não houvesse amanhã, se calhar como reacção ao filme de “ontem”, o casto Frantz; falta-lhe mergulhar em vez de acumular, os actores acabam a fazer figuras ingratas, e não há nada perigoso, incómodo, complexo, intrigante ou que suscite a mínima curiosidade – continua a ser o filme de um “betinho”.

Assim se confirmam, quando se aproxima o final da competição e do festival, os sinais dados pelo delegado-geral Thierry Frémaux no anúncio da programação: isto foi tudo tirado a ferros.