Temer diz que gravação foi manipulada e quer suspensão da investigação
Presidente brasileiro tenta desacreditar denúncia. Nos bastidores procuram-se alternativas para o substituir Temer.
O Presidente brasileiro Michel Temer fez uma nova comunicação ao país neste sábado, em que lança dúvidas sobre a veracidade da gravação feita pelo empresário Joesley Batista para o incriminar. Disse que ia pedir ao Supremo Tribunal para mandar parar a investigação de que está a ser alvo, pelos crimes de obstrução à Justiça, corrupção e organização criminosa”.
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O Presidente brasileiro Michel Temer fez uma nova comunicação ao país neste sábado, em que lança dúvidas sobre a veracidade da gravação feita pelo empresário Joesley Batista para o incriminar. Disse que ia pedir ao Supremo Tribunal para mandar parar a investigação de que está a ser alvo, pelos crimes de obstrução à Justiça, corrupção e organização criminosa”.
“Eu li hoje a notícia do jornal Folha de São Paulo de que a perícia constatou que houve edição do áudio da minha conversa com o senhor Joesley Batista. Essa gravação clandestina foi manipulada e adulterada com objectivos nitidamente subterrâneos", disse Temer. Isso "põe em causa a lisura do processo", declarou o Presidente, anunciando que foi apresentado ao Supremo um pedido de suspensão do inquérito "até que seja verificada em definitivo a autenticidade da gravação clandestina".
Não é claro se Temer se referia ao pedido de habeas corpus a pedir a suspensão do inquérito que o jornal O Estado de São Paulo já tinha noticiado este sábado ter sido rejeitado pelo juiz do Supremo, Luís Roberto Barroso.
Temer discursou sem ter uma plateia de ministros, ao contrário do que é habitual, notam os jornais brasileiros.
Temer acusou ainda Batista, um dos proprietários do grupo JBS, um dos maiores produtores de carne a nível mundial, e também um dos maiores financiadores do sistema político brasileiro, de crimes de manipulação do mercado bolsista. Batista "especulou contra a moeda nacional" ao ter comprado "um bilhão [mil milhões] de dólares um dia antes do vazamento [divulgação] das gravações" e ter vendido acções da própria companhia, tudo antes de ter sido conhecida a denúncia que incrimina o Presidente Temer e o senador Aécio Neves, do Partido da Social-Democracia Brasileira (PSDB) e ex-candidato às presidenciais, entre outros políticos. "Lucrou milhões e milhões de dólares em 24 horas", acusou Michel Temer.
A Polícia Federal reconhece que houve cerca de 50 cortes ou edições na gravação, feita pelo empresário para ao abrigo de um acordo com a justiça para aliviar as consequências dos crimes de corrupção de que é acusado no âmbito da investigação Lava Jato. Segundo O Estado de São Paulo, não foi feita uma perícia técnica às gravações feitas pelo empresário, antes de serem validadas e reveladas as acusações que fazia. Mas não houve modificações nem cortes nas partes fundamentais das conversas.
Temer acusa os proprietários do grupo JBS estarem motivos pelo lucro pessoal, e de terem agido por vingança contra o seu governo. A assistir ao discurso estava apenas um ministro
Nos vídeos da delação do dono do grupo JBS, Joseley Batista diz que entre 2010 e 2017 pagou 4,7 milhões de reais (mais de 1,3 milhões de euros) de subornos pedidos por Michel Temer – um milhão como “doação oficial” à sua campanha, e o restante entregue ao seu especialista em marketing político Elsinho e outros testas-de-ferro, num sistema de financiamento paralelo que os brasileiros designam como “caixa 2”.
Já na gravação áudio, feita secretamente, em que surge o próprio Michel Temer, este mostra-se conhecedor de um esquema de subornos pago por Joseley Batista ao ex-presidente da Câmara de Deputados, Eduardo Cunha. Antes da destituição da Presidente Dilma Rousseff, esse dinheiro teria sido usado para subornar deputados, para os fazer passar para o campo “fora Dilma”. Agora que Cunha está na prisão – condenado por corrupção – serviria para que não contasse tudo o que sabe sobre Temer e estas manobras.
Embora se fale em Brasília em intensas discussões de bastidores sobre a possibilidade de substituir Temer – sem realizar eleições directas, como se pede nas ruas – o Presidente continua a resistir. Mas os apelos à sua renúncia ao cargo têm-se multiplicado. Até o jornal O Globo – que costuma ser criticado, tal como a televisão Globo, por ter uma posição próxima dos políticos conservadores – publicou sexta-feira um editorial pedindo o afastamento de Temer.
“O grau de engajamento da Globo na tese ‘fora Temer’ é inédito”, escreve o jornalista Reinaldo Azevedo no seu blogue na revista Veja. “O que quer a Globo? Consta que quer Cármen Lúcia em eleição indirecta. Ela estaria acima do lixo político.”
Cármen Lúcia é a actual presidente do Supremo Tribunal Federal (STF) e seria favorável às impopulares reformas económicas que estão a ser postas em prática pelo Governo de Michel Temer. Mas a própria negou os rumores de que poderia substituir Temer, fazendo uma visita surpresa na sexta-feira aos jornalistas que cobrem o STF. “Fui muito honrada de ter tido oportunidade de ser juíza, me sinto muito bem na magistratura e, se Deus quiser, até o último dia que eu estiver aqui, eu vou estar cumprindo a minha função com o mesmo gosto que eu cumpro hoje.”