Warren Beatty e Elaine May: nostalgia e destruição na Cinemateca

Em Junho, um pedaço fulgurante do cinema americano - a Nova Hollywood - através do percurso paralelo e cruzado de dois Heartbreak Kids: gestos de nostalgia e destruição na Cinemateca.

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Românticos, guerrilheiros, terroristas chic da contra-cultura... A determinado momento, sim, aparecerão Bonnie e Clyde (Arthur Penn, 1977), mas a dupla, em Junho na Cinemateca, em Lisboa, é formada por Warren Beatty e Elaine May. Heartbreak Kids, chama-se o ciclo, olhar sobre duas carreiras, retrato de um período fulgurante e turbulento do cinema americano, o da Nova Hollywood. Esse título, ao assinalar o percurso e os trabalhos de uma dupla cujos caminhos se cruzaram (ele actor e realizador - e eminência parda; ela argumentista, realizadora, stand up comedian - e figura que sempre trabalhou o seu apagamento) transporta-nos para a euforia e violência, para os gestos de nostalgia e destruição desses tempos.

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Românticos, guerrilheiros, terroristas chic da contra-cultura... A determinado momento, sim, aparecerão Bonnie e Clyde (Arthur Penn, 1977), mas a dupla, em Junho na Cinemateca, em Lisboa, é formada por Warren Beatty e Elaine May. Heartbreak Kids, chama-se o ciclo, olhar sobre duas carreiras, retrato de um período fulgurante e turbulento do cinema americano, o da Nova Hollywood. Esse título, ao assinalar o percurso e os trabalhos de uma dupla cujos caminhos se cruzaram (ele actor e realizador - e eminência parda; ela argumentista, realizadora, stand up comedian - e figura que sempre trabalhou o seu apagamento) transporta-nos para a euforia e violência, para os gestos de nostalgia e destruição desses tempos.

Bonnie e Clyde é um dos títulos do ciclo. É histórico, ajudou a escancarar as portas da velha Hollywood (produzido e interpretado por Beatty, escrito por David Newman e Robert Benton inicialmente para François Truffaut). Beatty vinha de Kazan, e dos restos do esplendor do cinema clássico, vinha do Splendor in the Grass (1961). Toda a sua carreira se faria entre o fascínio pelo studio system que acabava, pelas suas figuras, e uma incontida pulsão de sabotagem.

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É esse o percurso que se pode fazer, por exemplo, experimentando o espantoso e agónico McCabe e Mrs Miller/A Noite Fez-se para Amar (1971), de Robert Altman, e continuar para ver como Beatty era capaz de virar contra si próprio a destruição (The Parallax View/A Última Testemunha, 1974, de Alan J. Pakula, ou Shampoo, de 1975, Hal Ashby) sem, simultaneamente, disfarçar o seu intenso narcisismo e o fascínio pela estatura bigger than life de figuras do passado, quer fossem o gangster Bugsy Siegel (Bugsy, 1991, de Barry Levinson) ou o produtor Howard Hughes (no último filme realizado por Beatty, Rules Don’t Apply, de 2016, cuja presença no ciclo não está ainda confirmada).

É claro que o burlesco é o horizonte de destruição que Beatty persegue (veja-se o feroz Bulworth, de 1998, cujo título em português é Candidato em Perigo, que diz algo sobre um programa quase sempre suicidário). E é aí que encontra o seu “par” em Elaine May. Ela vinha da comédia de improvisação, de uma dupla que formara com Mike Nichols, improvisando “cenas” a partir da nova paisagem social, cultural e afectiva que se materializava em finais dos anos 50 e início da década de 60. No cinema, para além do seu trabalho como argumentista (para filmes de Nichols, por exemplo, títulos também incluídos no ciclo), deixou, em apenas uma mão cheia de realizações, exemplos nostálgicos e agrestes de reformulação da screwball comedy, invadindo e violentando o género com a turbulência social e afectiva de um tempo (o título do ciclo aproveita um dos filmes de May, The Heartbreak Kid, de 1972, aventura deceptiva pela ascensão social).

Quando Warren e Elaine se encontraram em Ishtar, em 1987 (realizado por ela, produzido por ele, interpretado por Beatty e por Dustin Hoffman - dois músicos ineptos que acabam envolvidos em África nas teias da espionagem e da Guerra Fria), o resultado foi, justiça poética para dois secretos trabalhadores da implosão, um flop.

Serão duas dezenas de filmes: ainda All Fall Down (1962), de John Frankenheimer, Mickey One (1965), de Arthur Penn, A New Leaf (1971), de Elaine May, The Fortune (1975), de Mike Nichols, Mikey and Nicky (1976), de Elaine May, Heaven Can Wait (1978), de Warren Beatty & Buck Henry, Dick Tracy (1990), de Warren Beatty, The Birdcage (1996), de Mike Nichols, Primary Colors (1998), de Mike Nichols, Small Time Crooks (2000), de Woody Allen - programa e horários a anunciar em breve. Para quem estranhar a auência de Reds, pessoal reescrita do filme histórico por parte de Beatty, ao mesmo tempo ficção e documentário sobre o envolvimento do jornalista americano John Reed na revolução soviética, o filme será ainda exibido este ano, informa o serviço de programação da Cinemateca, num ciclo alusivo ao centenário dessa revolução.