James Gray e o conforto das ruínas do cinema perdido
O cinema de James Gray é, hoje, dos mais confortáveis: visita sem turbulência aos vestígios do cinema perdido. É por isso que apesar das informações de beleza que nos dá — sim, é um filme “bonito” —, A Cidade Perdida de Z é razoavelmente inexpressivo.
Com o esbracejar de tragédias familiares — Viver e Morrer em Little Odessa, 1994, Nas Teias da Corrupção, 2000, Nós Controlamos a Noite, 2007 —, com esse correr em direcção a uma miragem, o cinema de James Gray fundou uma terra da “grande promessa”. Havia um horizonte salvífico, mas nenhum desses filmes apaziguava a inquietação do espectador, a perda do realizador e as perdas do cinema. Pelo contrário, alimentava-se delas, alimentava-as.
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Com o esbracejar de tragédias familiares — Viver e Morrer em Little Odessa, 1994, Nas Teias da Corrupção, 2000, Nós Controlamos a Noite, 2007 —, com esse correr em direcção a uma miragem, o cinema de James Gray fundou uma terra da “grande promessa”. Havia um horizonte salvífico, mas nenhum desses filmes apaziguava a inquietação do espectador, a perda do realizador e as perdas do cinema. Pelo contrário, alimentava-se delas, alimentava-as.
Depois do canto do cisne que fora a Nova Hollywood, Gray dançava numa noite escura (uma das coisas muito bonitas de We Own the Night/Nós Controlamos a Noite, a começar pelo título, é a entrega eufórica e terminal). Isso talvez não pudesse durar para sempre, a ilusão, a fantasmagoria, o carnaval, e Duplo Amor (2008) fez figura de momento em que a máscara caiu. Fomos reconduzidos à “realidade Gray”? O cinema passou a ser auto-celebratório, a perda uma afectação, coisa gráfica mesmo, Gray revelando a enorme ambição de aluno aplicado (nestes casos, a humildade é também coisa cheia de si).
A Emigrante (2013) foi já um tableau vivant com remakes de Coppola, Visconti, etc..., era o trabalho de ambicioso copista. É quase irónico que A Cidade Perdida de Z seja um (falso) filme de aventuras sobre o movimento de um explorador, Percival Fawcett (Charlie Hunnam), em direcção aos vestígios de outra civilização; e que esse movimento seja desencadeado pelo desejo de Percival restabelecer a sua notoriedade pública, sarando feridas privadas. É que pode ser esse o retrato de um cinema e da visita que ele faz aos últimos vestígios de um esplendor. Agora já sem a turbulência e dor dos primeiros filmes, que deram lugar a um conforto seguro, que alivia, que serve de analgésico — compensação para as perdas e ausências na memória do espectador, que dessa forma também tem a sensação de ser resgatado, que dessa forma tem a sensação de participar na História do esplendor. O cinema de Gray é, afinal, dos mais confortáveis da actualidade — o que talvez explique a forma como lhe agradecem. Veja-se como “visita”, no início de A Cidade Perdida de Z, o prólogo de Heaven’s Gate (Michael Cimino, 1980) e depois parece ir ao que ficou da rodagem de Fitzcarraldo (Werner Herzog, 1982), exactamente como quem se deleita respeitosamente com as ruínas, levando debaixo do braço O Homem que Queria ser Rei (John Huston adaptando Rudyard Kipling em 1975). Sem contraponto, diálogo ou alternativa. Visitando. É por isso que apesar das informações de beleza que nos dá — sim, é um filme “bonito” —, A Cidade Perdida de Z é razoavelmente inexpressivo.