Ainda e de novo a Praça-Mesquita da Mouraria

O que está aqui em causa é questionar se não se podia fazer tudo isto de outra forma, sem este afirmar de “marca de autor”, sem tentar enfiar o Rossio na Betesga nem que para isso altere a cidade?

A propósito da excelente exposição sagazmente intitulada “A Lisboa que teria sido”, patente durante os tempos mais próximos num pavilhão anexo ao belo Palácio Pimenta (Museu de Lisboa), e do espanto e urticária que a mesma provoca mesmo ao mais avisado dos visitantes, tal é a variada barbaridade ali exposta do que podia ter sido construído na cidade de Lisboa e de que nos livrámos, imagina-se, já então, por falta de verba, sendo muita dela, a barbárie, para grande espanto dos mais incautos, projectada por autênticos ídolos da nossa arquitectura (Cassiano Branco, Cristino da Silva, Porfírio Pardal Monteiro, Cottineli Telmo… inclusive Ventura Terra), há que dizer que não é tão certo assim que idêntica exposição seja possível daqui por 50-60 anos, dando então conta às gerações futuras do que se podia ter evitado construir na actualidade e não se evitou.

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A propósito da excelente exposição sagazmente intitulada “A Lisboa que teria sido”, patente durante os tempos mais próximos num pavilhão anexo ao belo Palácio Pimenta (Museu de Lisboa), e do espanto e urticária que a mesma provoca mesmo ao mais avisado dos visitantes, tal é a variada barbaridade ali exposta do que podia ter sido construído na cidade de Lisboa e de que nos livrámos, imagina-se, já então, por falta de verba, sendo muita dela, a barbárie, para grande espanto dos mais incautos, projectada por autênticos ídolos da nossa arquitectura (Cassiano Branco, Cristino da Silva, Porfírio Pardal Monteiro, Cottineli Telmo… inclusive Ventura Terra), há que dizer que não é tão certo assim que idêntica exposição seja possível daqui por 50-60 anos, dando então conta às gerações futuras do que se podia ter evitado construir na actualidade e não se evitou.

Vem este intróito a talhe de foice da polémica em volta do projecto de arquitectura da Praça-Mesquita da Mouraria, da autoria da arquiteta Inês Lobo, e que, para além de ter um custo estimado (há três anos) de três milhões de euros (cuja proveniência, para lá do milhão e meio a prover pela CML [Câmara Municipal de Lisboa] em matéria de indemnizações, não se sabe neste momento muito bem qual será), irá implicar a alteração radical quer do que hoje vemos na característica e genuína Rua do Benformoso, quer da totalidade de um dos lados da mini Rua da Palma, por força da demolição de vários dos seus edifícios, incluindo, no primeiro caso, um edifício privado a expropriar (quase consumada) que foi recentemente recuperado de cima a baixo pelo proprietário, que aliás cumpriu escrupulosamente as indicações dos serviços de urbanismo da própria CML! Detalhes.

Mais uma vez, e à semelhança do projecto para o futuro Museu Judaico, em Alfama, também aqui não está minimamente em causa a justeza de uma segunda mesquita em Lisboa, mas de um projecto de arquitectura em particular, até porque, que se saiba, esta nova mesquita destina-se à Comunidade Muçulmana Bangladeshi, diferente da que se reúne junto à Praça de Espanha, e a substituir a actual “mesquita”, que funciona, há que dizê-lo, num local completamente impróprio.

Ou seja, o que está aqui em causa é questionar se não se podia fazer tudo isto de outra forma, sem este afirmar de “marca de autor”, sem tentar enfiar o Rossio na Betesga nem que para isso altere a cidade?

Ou seja, ainda, não é possível fazerem a mesquita e a “praça” aproveitando o espaço gigante (a pedi-las) da garagem da Rua da Palma, mais o espaço abandonado para trás, abrindo eventualmente um corredor para a Rua do Benformoso, pelo portão que ali está, sem ter que inventar formas e volumetrias em três blocos e rasgar um quarteirão de lés-a-lés, arrasando, qual génio da exposição acima citada, com a imagética que, bem ou mal, todos temos de uma e doutra rua? É preciso uma empreitada do “Uma Praça em Cada Bairro” num bairro onde já existem os largos do Intendente e do Martim Moniz?

Se o conseguissem, evitar-se-iam expropriações “com carácter de urgência” e confusões legais desnecessárias, quando tudo pode ser simples e escorreito. Sem demolições do lado da Rua do Benformoso, onde o equilíbrio urbanístico é por demais evidente e não precisa de cerzideira. E sem demolições e “novas linguagens” do lado da Rua da Palma, i.e., sem a demolição da fachada comprida a que nos habituámos, da já referida garagem e do prédio ao lado, que não sendo nada do outro mundo não destoa e garante também ela a consonância e o ritmo do quarteirão.

Sim, há espaço com fartura no meio da actual garagem (já lá foram?), com imenso potencial para se abrirem entradas de luz, recantos para recato e oração, e para um são convívio entre todos, que é apanágio da cidade e de toda a Mouraria em especial, assim o consigam arquitectar, talvez sem tanta régua e esquadro (virtuais) mas com conta, pêso e medida.

À CML, enquanto promotora da obra, sugere-se, pois, bom senso e contenção, porque ali existe cidade consolidada, uma cidade que apesar de ser indistinta e quiçá indigna aos competentíssimos olhos da tal de Comissão Técnica de Apreciação CML/DGPC que nem para ela olhou, não precisa nem de recriações nem de rasgos de autor ou de rasgões que o firam para sempre.

E que haja exposição daqui por 50-60 anos!

O autor escreve segundo as normas do novo Acordo Ortográfico