“O Reino Unido está agora do outro lado da mesa das negociações”
Guião europeu para as negociações assume posição dura face às propostas britânicas. Cláusula sobre futuro de Gibraltar pode ser novo foco de tensão entre os actuais parceiros.
Os dados estão lançados para o grande jogo que vai começar dentro de aproximadamente dois meses. Dois dias depois de Theresa May ter dito que o Reino Unido quer estabelecer uma “parceria profunda e especial” com a União Europeia, o presidente do Conselho Europeu respondeu-lhe que a discussão sobre o futuro só pode começar quando os restantes 27 Estados-membros entenderem que foram feitos “progressos suficientes” nas negociações que vão ditar os termos da separação.
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Os dados estão lançados para o grande jogo que vai começar dentro de aproximadamente dois meses. Dois dias depois de Theresa May ter dito que o Reino Unido quer estabelecer uma “parceria profunda e especial” com a União Europeia, o presidente do Conselho Europeu respondeu-lhe que a discussão sobre o futuro só pode começar quando os restantes 27 Estados-membros entenderem que foram feitos “progressos suficientes” nas negociações que vão ditar os termos da separação.
Nem a proposta com as linhas de orientação da UE para as negociações do “Brexit” que Donald Tusk enviou às capitais europeias, nem a carta que a primeira-ministra britânica enviou quarta-feira a Bruxelas alteram significativamente as posições que os dois lados assumiram nos últimos nove meses. Mas o início formal do processo que conduzirá ao “Brexit” criou uma nova realidade política, como Tusk fez questão de sublinhar. “O Reino Unido está agora do outro lado da mesa das negociações”, afirmou, numa conferência de imprensa com o presidente de Malta, Joseph Muscat, que tem a presidência rotativa da UE.
Um e outro sublinharam que caberá “exclusivamente” ao Conselho Europeu, que representa os 27 Estados, decidir o que entendem por “progressos suficientes” para autorizar Michel Barnier, o principal negociador da UE, a dar início a uma segunda fase das negociações. O esboço das linhas de orientação que serão aprovadas na cimeira de 29 de Abril sublinha também que “o objectivo principal da União nestas negociações é preservar os seus interesses, os dos seus Estados-membros, dos seus cidadãos e das suas empresas”. “Em termos políticos, o Reino Unido já está fora do clube”, escreveu David M. Herszenhorn, correspondente-chefe do Politico em Bruxelas.
E apesar de Tusk assegurar que a UE não “vai adoptar uma abordagem punitiva” – “o ‘Brexit’ em si já é suficientemente punitivo”, afirmou –, a posição de partida em relação às pretensões britânicas é muito dura, estipulando várias linhas vermelhas. A mais explícita é a recusa de negociar em simultâneo os termos da saída britânica e um futuro acordo de comércio, tal como May propôs por quatro vezes na carta que pôs o “Brexit” em marcha. “Quando, e apenas quando conseguirmos progressos suficientes em relação às negociações de saída, poderemos discutir as bases das nossas relações futuras”, respondeu o presidente do Conselho, repetindo que os direitos dos cidadãos e a questão da contribuição britânica para o orçamento comunitário em vigor são dois dos temas que Bruxelas quer discutir em primeiro lugar.
UE alinha ao lado de Espanha
O documento enviado por Tusk – que fontes europeias citadas pelo Le Monde dizem ser já resultado de um grande consenso entre os 27 – sustenta também que um acordo comercial com só pode ser concluído após o “Brexit”, pelo que até 2019 as discussões serão apenas “preparatórias” e “preliminares”. E se aceita a necessidade de um período de transição, sublinha que ele deve ser “limitado no tempo” e obrigará Londres a respeitar “as regras em vigor na UE”. Ou seja, para não deixar imediatamente o mercado único terá de aceitar a livre circulação de pessoas e a Tribunal de Justiça da UE. Da mesma forma, avisa Londres que um acordo de comércio “não lhe dará os mesmos benefícios que goza enquanto membro da UE” e, para o conseguir, May terá de prometer não transforma o país no “paraíso fiscal” que chegou a sugerir.
E se eram precisos mais indícios de que mudou o paradigma político na União, a única grande novidade do esboço prova-o: quase a terminar, sustenta que após o “Brexit” nenhum acordo bilateral “pode aplicar-se ao território de Gibraltar sem um acordo entre Espanha e o Reino Unido”. Ou seja, explicou o jornal El País, “se Londres quiser garantir algum tipo de ponte entre esse território e os 27 países da UE terá de aceitar uma negociação bilateral com Madrid” sobre o futuro do seu território ultramarino.
Londres, que não quis comentar o conteúdo da proposta europeia, foi inequívoco na reacção a este ponto. “Manteremos uma resistência implacável, marmórea e sólida como uma pedra” a qualquer alteração no estatuto de Gibraltar, afirmou o ministro dos Negócios Estrangeiros, Boris Johnson. Mas o “Brexit” criou fendas na posição neutra assumida até agora por Bruxelas, assumiu um responsável europeu ao Guardian. “A União defende os seus membros e agora isso significa Espanha”.