Alterações à Lei do Cinema vão continuar em discussão e concursos abrem em Março
Primeiro-ministro recebeu esta quarta-feira de manhã profissionais do cinema que contestam júris dos concursos — que abrirão em 2017 ainda segundo a lei em vigor, anunciou o secretário de Estado. Plataforma tem “legítimas expectativas” de “alteração" do decreto-lei.
As alterações ao decreto-lei que regulamenta a Lei do Cinema vão continuar em discussão, depois de o primeiro-ministro António Costa ter recebido, na manhã desta quarta-feira, o grupo de profissionais do cinema que está a protestar contra a proposta da tutela — o que deu à plataforma “legítimas expectativas” de que “haja uma alteração” à proposta do Governo. Já os concursos de apoio de 2017 vão abrir ainda sob as regras da lei em vigor, anunciou por seu turno o secretário de Estado da Cultura, que também esteve presente no encontro.
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As alterações ao decreto-lei que regulamenta a Lei do Cinema vão continuar em discussão, depois de o primeiro-ministro António Costa ter recebido, na manhã desta quarta-feira, o grupo de profissionais do cinema que está a protestar contra a proposta da tutela — o que deu à plataforma “legítimas expectativas” de que “haja uma alteração” à proposta do Governo. Já os concursos de apoio de 2017 vão abrir ainda sob as regras da lei em vigor, anunciou por seu turno o secretário de Estado da Cultura, que também esteve presente no encontro.
Em São Bento, a plataforma de profissionais do cinema que representa 12 entidades do sector e que levou o seu protesto ao Festival de Berlim, esteve reunida cerca de 2h30 com António Costa, tal como tinha desejado na sua agenda de contestação apresentada dia 7, e com o secretário de Estado da Cultura, Miguel Honrado — com quem se recusara a partilhar um jantar de homenagem à representação portuguesa em Berlim, onde recolheu assinaturas de cineastas e responsáveis de todo o mundo em adesão ao seu protesto. “Muito produtiva”, nas palavras de fonte do gabinete de Honrado, a reunião foi saudada por Cíntia Gil, que preside à Associação pelo Documentário (Apordoc) e dirige o festival DocLisboa, porque “foi começado um diálogo” com uma “sessão de trabalho” sobre “o artigo 14.º do decreto-lei 124/2013” e sobre a política do Estado para o cinema.
Se para a Secretaria de Estado "o diálogo nunca esteve fechado" e agora vão ser analisadas as sugestões da plataforma, o período de auscultação ao sector sobre alteração ao decreto-lei 124/2013, que regulamenta a Lei do Cinema, tinha já terminado em Outubro de 2016. Nessa altura, disse Cíntia Gil, "faltou clareza na perspectiva política da tutela para o cinema". Para as 12 associações e entidades que há duas semanas se mobilizaram publicamente, a discussão com a tutela estava encerrada. Só agora é que acreditam ter "um diálogo que vai mais fundo" que cria "expectativas diferentes, porque hoje tivemos presente o primeiro-ministro". "É um diálogo político", disse ao PÚBLICO Cíntia Gil.
As 12 entidades contestam a proposta de alteração ao decreto-lei que manteve o sistema actual de escolha de membros e competência dos júris dos concursos de apoios públicos ao sector — plasmada no artigo 14.º. Em causa está o papel da Secção Especializada de Cinema e Audiovisual (SECA), um órgão consultivo integrado no Conselho Nacional de Cultura e onde têm assento representantes de produtoras, operadores de televisão em sinal aberto e por subscrição, distribuidores, exibidores e entidades como a Cinemateca Portuguesa — presidida pelo Instituto do Cinema e do Audiovisual (ICA), que atribui anualmente as verbas públicas de apoio à produção, internacionalização, exibição, distribuição, escrita e festivais nas áreas do cinema e do audiovisual.
A proposta de alteração ainda não entrou no circuito legislativo e por isso há ainda margem para que possa ser revista. O calendário da tutela era mais ambicioso e previa ter o processo já encerrado e o diploma aprovado para que os concursos de apoio abrissem já sob a sua alçada até ao final de Março. Agora, abrirão no mesmo prazo, mas ainda sob as regras da lei actualmente em vigor.
A plataforma contestatária é composta pela Associação Portuguesa de Realizadores, pela Associação de Produtores de Cinema Independente (APCI), pela Apordoc, pela Agência da Curta-Metragem, pelo Portugal Film, pelo festival Indie Lisboa, pelo DocLisboa, pelo Festival Internacional de Documentário, pelo festival Curtas de Vila do Conde, pelo Sindicato dos Músicos, Profissionais do Espectáculo e do Audiovisual (Cena), pelo Sindicato Nacional dos Trabalhadores das Telecomunicações e do Audiovisual, pelo Sindicato dos Técnicos do Espectáculo e pelo festival Queer Lisboa. Estiveram representados no encontro desta quarta-feira de manhã por Cíntia Gil, pelo produtor Luís Urbano (APCI), Miguel Valverde (IndieLisboa) e pela dirigente da APR, Filipa Reis, além de um dos seus associados e o jovem cineasta premiado em Berlim pela Melhor Curta, Diogo Costa Amarante.
Cabe à SECA, segundo o decreto-lei da discórdia — a Associação de Produtores de Cinema e Audiovisual (APCA), a mais representativa das associações de produtores, a Associação de Realizadores de Cinema e Audiovisual (ARCA) ou a Associação Portuguesa de Argumentistas e Dramaturgos (APAD) opõem-se às alterações defendidas pelo grupo dos 12 — a escolha e aprovação dos júris, sendo que vários dos membros de associações de ambos os lados da barricada têm assento na mesma.
As plataformas divergem na forma como encaram o papel e o grau de influência da SECA e do ICA e o tema tem sido fonte de grande divisão no sector nos últimos anos. Nos últimos dias, à defesa de "diversidade no cinema português" da plataforma, que inclui a mais representativa associação de realizadores, a APR, cineastas como António-Pedro Vasconcelos (presidente da ARCA) contrapõem que o sistema defendido pela plataforma "condenou o cinema português à irrelevância" em termos de número de produções, espectadores e internacionalização comercial.
E outros players com assento na SECA, como a SIC e a TVI, ou seus membros como a Associação Portuguesa de Defesa de Obras Audiovisuais, a Associação de Produtores Independentes de Televisão e a Associação Portuguesa de Empresas Cinematográficas, juntaram-se há dias a Vasconcelos e a outros nomes numa carta — "Em defesa da SECA" — em que defendem que a devolução da escolha dos júris ao ICA permitiria uma "enorme subjectividade" e permeabilidade "a favorecimentos e a faltas de isenção".
Um dos pontos de concórdia entre as posições divergentes é, ainda assim, a representatividade da SECA. É "o órgão mais representativo do cinema e audiovisual", segundo os subscritores do documento "Em defesa da SECA", e no encontro com o chefe do Governo, disse Cíntia Gil, a plataforma propôs uma visão da SECA como "um órgão estratégico para o sector, um espaço de diálogo e auscultação directa" do meio do qual funciona, pela sua representatividade, como uma "caixa de ressonância"— desde que não seja "associada à escolha de jurados", papel que acreditam caber exclusivamente ao ICA.
Já em Setembro, após um manifesto subscrito por alguns dos agentes do actual protesto publicado no PÚBLICO, a tutela chegara a prever que "a decisão de selecção de jurados para concursos será da exclusiva competência do ICA" na lei reformulada, mas tal não avançou.
O PÚBLICO questionou o gabinete de Miguel Honrado sobre se os restantes agentes do sector voltarão também a ser ouvidos nesta fase de discussão, mas ainda não obteve resposta.
Notícia actualizada às 16h33 e corrigida às 17h38: acrescentaram-se declarações do secretário de Estado da Cultura à Agência Lusa que estavam erradamente atribuídas e foram retiradas.