Escolheu viver numa bolha e conseguiu a proeza de se manter nela, agarrar-se ao poder e negar a realidade, repetindo a sua narrativa as vezes que foram precisas até esta se tornar verdadeira. Disse que estava a combater “terroristas” e os terroristas vieram. Insistiu que iria reconquistar o país e já não lhe falta quase nada do país que conta. Venceu, e mesmo que os aliados o deixem cair, já é um sobrevivente.

Escolheu viver numa bolha e conseguiu a proeza de se manter nela, agarrar-se ao poder e negar a realidade, repetindo a sua narrativa as vezes que foram precisas até esta se tornar verdadeira. Disse que estava a combater “terroristas” e os terroristas vieram. Insistiu que iria reconquistar o país e já não lhe falta quase nada do país que conta. Venceu, e mesmo que os aliados o deixem cair, já é um sobrevivente.

Desde que milhares de sírios saíram à rua para pedir justiça social e mais liberdades, fará daqui a umas semanas seis anos, Bashar al-Assad insiste que tem o povo consigo (e sempre teve, por medo ou fé genuína nele, uma parte dos sírios) e descreve quem se lhe opõe por palavras ou armas como “terroristas”. Parece adequado que a conferência de paz organizada pela Rússia e Turquia para oficializar a sua permanência no poder, em Astana, arranque três dias depois da tomada de posse do Presidente americano que tem como única política externa “a América primeiro” e “erradicar o terrorismo islâmico radical”.

O mundo com Donald J. Trump na Casa Branca adapta-se bem a Assad, o homem que chegou ao poder por causa da morte do irmão, com 34 anos. O filho de um ditador de mão pesada que prometeu mudanças e que Nicolas Sarkozy recebeu com pompa no Eliseu, em Dezembro de 2010, quando o casal presidencial, Bashar e a “rosa do deserto” Asma (como lhe chamou a Vogue) encantava os líderes ocidentais.

Trump, muito mais ainda do que Barack Obama, quer deixar de gastar dinheiro em preocupações com o equilíbrio do mundo e a alimentar a influência de Washington. E apesar de toda a retórica sobre “o brilho” do seu país, com o novo líder da única superpotência o mais provável é que na Síria (e no resto) se limite a seguir Vladimir Putin. Obama ameaçou Assad com “a linha vermelha” que este ultrapassou, ao usar armas químicas contra os sírios, e depois recuou, deixando espaço para a reconquista da Síria e para o renascer de um líder fraco tornado forte pelas circunstâncias e pelos aliados iranianos e russos. Com Trump, o mais certo era Assad nem sequer ter sido ameaçado.

“Ele estava convencido que o povo não tinha o direito de se revoltar contra ele”, afirma o empresário Firas Tlass, num documentário que o canal de televisão France 3 exibe esta segunda-feira. “’Não importa até que ponto seja doloroso, no fim venceremos’”, dizia, recorda no filme intitulado Bashar. Eu ou o Caos a aliada Bouthaina Shaaban, sua conselheira política e de comunicação.

Para Moscovo, Assad não é o mais importante, fundamental é reassumir-se como potência e preencher um vazio que os EUA começaram a abrir, como a União Soviética tinha preenchido no seu auge. Para o Irão, é mais difícil deixar cair o ditador sírio, mas o que conta mesmo é manter os alauitas (xiitas como os iranianos) no poder. Talvez Assad se torne dispensável para os seus criadores, mas não é já esse o momento. Por agora, é tempo de alívio e celebração no palácio presidencial de Damasco. Nas palavras do vice-ministro dos Negócios Estrangeiros russo, Mikhail Bogdanov, citado no documentário francês, Assad já “passou de ano”.