Portugal tem curso para líderes muçulmanos promoverem a paz

Lusófona e Colégio Islâmico de Palmela lançam pós-graduação pioneira. Curso, que reflecte preocupação com a radicalização, destina-se primeiro a imãs portugueses e aborda o terrorismo.

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Comunidade islâmica no país começou a formar-se nos anos 1950 com fixação de gente vinda de África Daniel Rocha

Formar imãs, os líderes das orações muçulmanas, dentro de um contexto europeu: o tema é tão complexo e delicado que é difícil encontrar experiências. Paulo Mendes Pinto, director da Licenciatura e do Mestrado em Ciências das Religiões da Universidade Lusófona, em Lisboa, pensou numa formação mais abrangente, para líderes religiosos. Mas depois falou com Rashid Ismail, director do Colégio Islâmico de Palmela, e descobriu que o xeque tinha pensado num modelo de ensino específico para imãs.

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Formar imãs, os líderes das orações muçulmanas, dentro de um contexto europeu: o tema é tão complexo e delicado que é difícil encontrar experiências. Paulo Mendes Pinto, director da Licenciatura e do Mestrado em Ciências das Religiões da Universidade Lusófona, em Lisboa, pensou numa formação mais abrangente, para líderes religiosos. Mas depois falou com Rashid Ismail, director do Colégio Islâmico de Palmela, e descobriu que o xeque tinha pensado num modelo de ensino específico para imãs.

Foi assim, de “uma ideia comum e de duas vontades, uma destas felizes coincidências” que nasceu a Pós-graduação de Liderança Islâmica, prestes a iniciar o curso inaugural, em Janeiro, na Fundação Islâmica de Palmela. “O objectivo é abrirmos primeiro para imãs portugueses e depois fazer um segundo alargado ao mundo lusófono, em particular a Guiné e Moçambique, já a meio de 2017. Em 2018, queremos ter um curso em inglês, árabe e francês aberto a todo o mundo mediterrâneo”, explica Paulo Mendes Pinto.

Rashid Ismail é aluno do mestrado da Lusófona, onde o professor dirige o Instituto Al-Muhaidib de Estudos Islâmicos. Paulo Mendes Pinto é também embaixador no Parlamento Mundial das Religiões. Em Portugal, no âmbito do Instituto Al-Muhaidib, tem promovido inúmeras iniciativas de aproximação da comunidade académica às comunidades religiosas, particularmente as minoritárias, como a islâmica, incluindo projectos-piloto de ensino da História do Islão na escola.

Portugal está longe das polémicas que assaltam as comunidades muçulmanas em vários países europeus, mas não está imune ao debate e aos contágios – nem de radicalização de membros da comunidade nem de radicalização do discurso anti-islão. “Pensámos que era importante lançar esta formação em torno das questões do diálogo e do convívio. Muitos imãs já são nascidos em Portugal e é importante reforçar esse lado”, diz Paulo Mendes Pinto sobre os módulos dedicados ao Judaísmo e Cristianismo, História Europeia ou de Portugal, Cultura Europeia ou Portuguesa.

A ideia, no fundo, é “reforçar as suas competências enquanto agentes para a paz”. Não partir do princípio que não sabem o seu ofício nem pôr em causa a formação que tiveram, mas assegurar que têm contacto com o islão português, com “a escola portuguesa e adaptar a tradição islâmica à cultura ocidental e à noção de cidade na Europa de hoje”. Daí surgirem nesta pós-graduação módulos sobre as fontes do islão, as diferentes correntes da religião de Maomé ou as suas escolas de jurisprudência.

A mulher e a arte no islão

A pós-graduação não deixa de fora as questões com mais potencial polémico e vai ter várias horas dedicadas ao estudo das ideias da Mulher no Islão, Terrorismo em nome do islão ou Arte Islâmica. “Tenho alunos no Mestrado que nunca entraram numa igreja. Não estão preparados para compreender o lugar iconográfico que a Igreja Católica tem. Há uma profusão da representação da figura humana que espanta”, diz o professor.

E aqui pensamos nos cartoons de Maomé, publicados inicialmente num jornal dinamarquês, em 2005, e no atentado jihadista contra o semanário satírico francês Charlie Hebdo, em Janeiro do ano passado, em Paris.

Questões que envolvem os acessórios de vestuário como o hijab (lenço islâmico) ou niqab (lenço que cobre o cabelo e o rosto, deixando apenas os olhos a descoberto), a burqa (que cobre todo o rosto) ou o burqini, fato de banho que tapa o corpo todo menos a cara, também serão debatidas. Países como França proibiram o hijab nas escolas e o niqab no espaço público – em Portugal, a questão nunca se colocou e a dimensão da comunidade é o primeiro motivo para isso ainda não ter acontecido, para além de uma noção de laicismo diferente.

De acordo com o Guia Didáctico de Tradições Presentes em Portugal, elaborado pelo Alto Comissariado para as Migrações e pela Lusófona e publicado em Setembro, há no país 55 mil muçulmanos, 45 a 47 mil destes seguidores do islão sunita (esmagadoramente maioritário no mundo). Dentro dos xiitas, o segundo grande grupo do islão, Portugal tem uma comunidade significativa de ismaelitas (o seu líder é o Aga Khan IV e os seguidores estão especialmente concentrados no Paquistão, Afeganistão e Índia), com cinco a sete mil crentes.

A comunidade actual começou a formar-se nos anos 1950, com a fixação de gente vinda dos países africanos de língua portuguesa. Nos últimos anos, a imigração de países não lusófonos tem crescido, assim como o número de mesquitas. A Mesquita Central de Lisboa nasceu num terreno doado pela câmara e foi construída entre 1980 e 1985 – a notícia da construção de um segundo lugar de culto com uma dimensão importante na capital, no bairro da Mouraria, gerou alguma polémica por causa da expropriação de proprietários e financiamento público.

Assumir o debate

Questionado sobre se esta pós-graduação acontece num momento de mudança de postura da comunidade muçulmana portuguesa, decidida a participar activamente no debate que acontece independentemente dela, Paulo Mendes Pinto defende que é mais importante a “maturidade” da própria comunidade para perceber a sua atitude crescentemente aberta.

“Há aqui um misto. Há uma necessidade que as comunidades islâmicas têm cada vez mais de pegar aos ombros a tarefa de explicar que islão não é terrorismo. Mas também é verdade que, com o passar do tempo, as comunidades muçulmanas fazem cada vez mais parte do tecido social”, diz. “Isso significa estar integrado em todos os problemas, em tudo o que acontece em Portugal, é partilhar isso, seja a vitória no Europeu de Futebol e vibrarmos com coisas semelhantes, seja esta necessidade de participação cívica.”

Em Portugal, o académico observa “uma maturidade que se revela numa cidadania muito interessada”, o que se pode ver no Colégio de Palmela, uma escola com 10% de alunos não muçulmanos, ou nas actividades da Mesquita Central, que abre cada vez mais as suas portas a visitas e debates, mas também se envolveu na distribuição de alimentos motivada pelas consequências da crise dos últimos anos.

“Há uma espécie de síndrome de minoria, uma forma padronizada de reagir à sociedade envolvente. Com o islão, o que está a acontecer é que estão a perder isso e a reacção de autodefesa que tinham antes está a acabar”, nota Paulo Mendes Pinto. E assim, numa Europa que acaba de viver mais um atentado em Berlim, que passou pelos ataques de 2015 em França e deste ano na Bélgica, “eles estão a reagir como uma parte da sociedade literalmente europeia, mediante valores decisivamente europeus”.

Há muito poucas experiências como a desta pós-graduação. A mais próxima será na Alemanha, enquanto França põe em prática uma formação ditada pelo Estado. “A nossa vantagem é virmos de dentro, de uma instituição académica considerada isenta e da própria comunidade.” Talvez por isso, as reacções “têm sido muito boas” e o principal desafio é agora “encontrar formas de sustentabilidade financeira”.