Formar religiosos para fomentar um “islão europeu”

Alemanha e França são os dois países europeus com maior percentagem de população muçulmana. Para combater o radicalismo, tentam agora superar lacunas na formação de pregadores.

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Há 1800 imãs para mais de quatro milhões de fiéis em França Jean-Paul Pelissier/REUTERS

A receita não é nova e regressa cada vez que a Europa se confronta com os efeitos do extremismo islâmico: para combater as interpretações radicais da fé vendidas por grupos terroristas e integrar as populações imigrantes, insiste-se que os países europeus devem responsabilizar-se pela formação dos seus imãs, os líderes de oração nas mesquitas que são também líderes comunitários.

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A receita não é nova e regressa cada vez que a Europa se confronta com os efeitos do extremismo islâmico: para combater as interpretações radicais da fé vendidas por grupos terroristas e integrar as populações imigrantes, insiste-se que os países europeus devem responsabilizar-se pela formação dos seus imãs, os líderes de oração nas mesquitas que são também líderes comunitários.

Muito tem sido falado na última década sobre a formação de uma nova geração de líderes religiosos muçulmanos e alguma coisa tem sido feita, a começar pelos países com maior percentagem de população muçulmana, aqueles onde a discussão sobre a importância de promover um “islão europeu” mais tinta faz correr.

É o caso da Alemanha, onde residem mais de 4,7 milhões de muçulmanos, maioritariamente de origem turca, mas onde até há poucos anos não havia qualquer resposta para formar os responsáveis pelas 2500 mesquitas existentes no país. E nas escolas públicas, apesar de a lei prever aulas de religião para as confissões reconhecidas no país, só em três estados os alunos muçulmanos podem estudar a sua religião, mas mesmo aí continuam a faltar professores.

Alemanha recebeu imãs turcos

Sem recursos próprios para responder às necessidades religiosas da população residente, a receita alemã passou durante anos pela “importação”. Na década de 1980, Berlim assinou um acordo com a Diyanet, a agência governamental que controla os assuntos religiosos na Turquia, que passou a enviar imãs para a Alemanha por períodos de quatro anos.

Mas o curso intensivo em alemão que recebem antes de partir é curto para estreitar a barreira linguística e cultural que estes pregadores encontram na Europa, mais ainda quando confrontados com os problemas das segunda e terceira gerações de imigrantes – os mais expostos à propaganda dos radicais. “Não imaginamos bem o tipo de problemas que as famílias de lá enfrentam. Mas o nosso trabalho é o mesmo, levar a religião às pessoas”, dizia em 2010 à revista Der Spiegel um dos imãs turcos prestes a partir para a Alemanha.

Foi neste cenário que, em 2010, o Conselho Alemão para as Ciências e Humanidades, o principal organismo consultivo de educação do país, defendeu que as universidades deviam ter cursos de Estudos Islâmicos para responder à procura de professores de religião e imãs. Cinco instituições aceitaram o repto e, com um financiamento estatal inicial de 20 milhões de euros, lançaram-se na criação de bacharelatos que contam hoje com 1800 inscritos. “Com estes centros, a fé muçulmana encontrou uma casa na academia alemã”, disse a ministra da Educação, Johanna Wanka, quando em Janeiro renovou por mais cinco anos o apoio a esta formação.

Um sucesso com percalços, recordou a agência News Religion Service, lembrando que muitas instituições tiveram dificuldades em encontrar professores, que além de terem as habilitações necessárias, precisavam de ser fluentes em alemão. E em Münster, a universidade que mais alunos recebe, o director do curso, Mouhanad Kourchine, foi repudiado por várias associações islâmicas, que o acusaram de fazer uma interpretação demasiado liberal do islão. Chegou a receber ameaças de morte, mas a universidade apoiou-o e Kourchine é hoje uma das vozes muçulmanas mais requisitas pelos media alemães.

Um islão “republicano”

As necessidades e os problemas não são muito diferentes em França – segundo a AFP, há 1800 imãs registados no país para mais de quatro milhões de fiéis e duas mil mesquitas. Cerca de 300 são argelinos, marroquinos e turcos, enviados também por períodos de alguns anos, ao abrigo de acordos assinados entre os países de origem e o Estado francês. Podem dominar a língua, mas não a realidade complexa e conflituosa de muitos banlieues onde os jihadistas recrutam jovens desenraizados e desiludidos.

Depois de 2015, dos ataques ao Charlie Hebdo e nas ruas de Paris, os políticos prometeram maior vigilância sobre os pregadores radicais (80 estrangeiros foram já alvo de processos com vista à expulsão do país), uma aposta na formação de imãs nascidos ou educados em França e uma maior atenção aos currículos das escolas que os formam – tudo em nome da ambição de criar um “islão de França”, coerente com os valores da República. As propostas são polémicas – algumas associações temem a ingerência estatal; as vozes mais à direita insinuam que islão e democracia não são compatíveis – mas a ameaça terrorista que perdura no país não permite deixar caí-las em saco roto.

O Conselho Francês do Culto Muçulmano, que representa os fiéis e regula as actividades religiosas, tem em mãos um plano para “certificação” de imãs, que inclui a frequência de cursos de educação cívica e a assinatura de uma declaração de honra comprometendo-se a pregar “um islão, aberto e tolerante”, adianta a AFP.