Uma “grande tristeza colectiva” e muitas dúvidas sobre o futuro de Cuba

As incertezas sobre o futuro só aumentam com a eleição de Donald Trump em Washington. Raúl tem um pequeno exército de bloggers dissidentes dispostos a enfrentá-lo.

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A homenagem a Fidel na Universidade de Havana Yamil Lage/AFP

O editor Fernando Leon Jacomino bem sabia que Fidel Castro estava doente – foi em Julho de 2006 que cedeu o poder a Raúl, depois de uma hemorragia intestinal –, mas isso não evita que descreva a sua morte como algo “que aconteceu tão de repetente, difícil”. Já para a jornalista Yoani Sanchez, conhecida crítica do regime, o pai da revolução, “que encheu cada minuto de Cuba por mais de 50 anos, foi-se apagando, desvanecendo” nos últimos anos.

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O editor Fernando Leon Jacomino bem sabia que Fidel Castro estava doente – foi em Julho de 2006 que cedeu o poder a Raúl, depois de uma hemorragia intestinal –, mas isso não evita que descreva a sua morte como algo “que aconteceu tão de repetente, difícil”. Já para a jornalista Yoani Sanchez, conhecida crítica do regime, o pai da revolução, “que encheu cada minuto de Cuba por mais de 50 anos, foi-se apagando, desvanecendo” nos últimos anos.

“As pessoas reagiram massivamente mas com muita maturidade, apesar da tristeza, que é muita e colectiva”, descreve Jacomino, numa troca de mensagens com o PÚBLICO a partir de Havana. Ex-director do Instituto do Livro é hoje editor da revista literária La Jiribilla e tem 48 anos.

Num texto publicado no diário espanhol El País, a blogger e directora do jornal digital 14ymedio, lembra que os cubanos que tinham menos de 15 anos em 2006 “só recordam o timbre da sua voz”. Sanchez conta que um vizinho abriu uma garrafa de rum. “’Tenho-a há tanto tempo que pensei que nunca ia poder bebê-la’, disse-me um vizinho madrugador. São aqueles que amanheceram no sábado com um peso a menos sobre os ombros, uma sensação de leveza a que ainda não se acostumaram.”

Os jornalistas em Havana encontram muito mais pessoas que partilham os sentimentos de Jacomino do que os de Sanchez. E nos próximos dias, durante as cerimónias de adeus a Fidel, serão essas a deixar-se ver. A AFP descreve que é comum “ver gente na ilha de olhos avermelhados de comoção”, com muitos a não esconderem “a tristeza” e “orfandade” pelo desaparecimento de um líder implacável, que marcou como nenhum outro o país.

Segunda-feira, no mesmo dia em que se espera que aterre na ilha o primeiro voo comercial vindo dos Estados Unidos em meio século, acontecerá também a primeira grande cerimónia de homenagem, na emblemática Praça da Revolução da capital. “Isto não vai ser grande, vai ser enorme, vai ser histórico”, diz à AFP Manuel Obregon Rodriguez, taxista de 43 anos, nas imediações da praça onde os acessos já foram barrados pela polícia. Com o luto nacional de nove dias, espectáculos e acontecimentos desportivos foram cancelados, as discotecas fecharam e passou a ser proibida a venda de álcool.

As celebrações terão o seu ponto alto no funeral em Santiago de Cuba, berço da revolução, no domingo dia 4 de Dezembro. Entre quarta-feira e sábado, as cinzas do Comandante vão percorrer, em procissão, os 900 quilómetros que separam Havana da segunda maior cidade, no Sudeste.

“É um grande líder, deviam ter sido decretados 30 dias de luto”, defende Andy Torres, no bairro popular de Cerro, sul de Havana, ouvido pela mesma agência. “Fidel morreu. Sobrevive-lhe uma nação que já viveu demasiados lutos para se vestir de negro”, escreve Sanchez.

Para Indiana Valdes, funcionária num banco, “Fidel era o protector da ilha, ocupava-se de tudo” e “agora não sabemos se haverá mudanças”. Haverá, seguramente, como já houve, sobretudo económicas, com Raúl aos comandos e, mais ainda, desde a reaproximação aos EUA de Barack Obama, com o reatar das relações, em 2014. Fidel morre semanas depois da eleição de Donald Trump para a Casa Branca, e isso acrescenta peso às incertezas.

Sobreviver a Fidel

“As políticas de Trump são muito agressivas, temos de ver o que ele vai fazer”, diz Pedro Machado, engenheiro reformado de 68 anos que aluga quartos e teme que o movimento de turistas abrande.

Trump comentou a morte de “um ditador brutal” e prometeu tentar oferecer aos cubanos “prosperidade e liberdade”. Jesus Arboleya, ex-diplomata cubano ouvido pela AFP, critica o tom e atribuiu-lhe “uma formidável incapacidade em diplomacia internacional”. Jorge Duany, director de investigação cubana da Universidade Internacional da Florida, é mais prudente. “Tudo indica que as relações serão mais tensas com Trump, mas não temos como saber exactamente qual será a política do novo Presidente”.

Independentemente de quem manda em Washington, em Havana os analistas são unânimes em concordar que Raúl – e o seu sucessor, a partir de 2018, quando anunciou que deixa o poder – terão de acelerar as reformas económicas. Talvez mais ainda. “Ele já não está… Partiu… Sobrevivemos a Fidel Castro”, começou por se felicitar Yoani Sanchez no Twitter.

Sanchez é só uma entre vários dissidentes quase desconhecidos no país, jovens bloggers quase todos, bem mais conhecidos fora de Cuba. Desde 2013, muitos aproveitaram a nova lei que autoriza viagens ao estrangeiro, são os “mercenários” a soldo dos EUA nas palavras dos irmãos Castro, uma nova geração de opositores que promete dificultar a vida a Raúl.

Mas não para já: a morte de Fidel parece ter provocado uma espécie de trégua, mesmo por medo que Raúl aproveite o luto para reagir com dureza, e até o mais conhecido grupo dissidente, as Damas de Branco (venceram em 2005 o Prémio Sakharov dos Direitos Humanos, atribuído pelo Parlamento Europeu), anunciou que pela primeira vez em 13 anos não marcharia em Havana este domingo.