Theresa May e um imbróglio chamado "Brexit"
Quatro meses depois do referendo, europeus continuam à espera de saber o que esperar das negociações com Londres. Divisões internas e dúvidas legais dificultam missão do Governo.
Como concretizar a saída do Reino Unido da União Europeia, decidida em Junho pelos eleitores? A questão continua a consumir todo o debate político no país. E apesar do optimismo da primeira-ministra, que prometeu fazer do “Brexit” um sucesso, as últimas semanas aumentaram a confusão.
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Como concretizar a saída do Reino Unido da União Europeia, decidida em Junho pelos eleitores? A questão continua a consumir todo o debate político no país. E apesar do optimismo da primeira-ministra, que prometeu fazer do “Brexit” um sucesso, as últimas semanas aumentaram a confusão.
Não há um plano?
É uma suspeita lançada há muito pela oposição – afinal, o ex-primeiro-ministro David Cameron deixou Downing Street sem nunca ter pedido um plano de contingência para a eventual vitória do “Brexit”. E durante semanas a nova primeira-ministra limitou-se a dizer que não haveria recuo na decisão tomada pelos eleitores (“Brexit” means “Brexit”). No congresso do Partido Conservador, May e os seus ministros adoptaram uma posição mais dura, dando a entender que pretendiam um corte radical com a UE, sem explicar que custos económicos estão dispostos a aceitar.
Sob pressão de Bruxelas, Londres comprometeu-se por fim a accionar o artigo 50 “até ao final de Março”, mas há vários obstáculos no caminho de May, a começar pelas cisões entre os ministros eurocépticos, encabeçados por Boris Johnson, e o responsável pelas Finanças, Philip Hammond, favorável a um “soft Brexit”. Terça-feira, o jornal Times divulgou um relatório de uma consultora externa, assegurando que o Governo não tem ainda uma estratégia para as negociações com a UE, que os departamentos estão a trabalhar em mais de 500 projectos relacionados com o “Brexit” e que são precisos mais 30 mil funcionários para executar a separação legal e administrativa do Reino Unido da UE, uma tarefa classificada como "ciclópica".
“Sim, temos um plano. O nosso plano é garantir que conseguimos o melhor acordo comercial com a UE quando sairmos”, assegurou a primeira-ministra, nesta quarta-feira, no Parlamento, insistindo, no entanto, que não irá revelar antes do arranque das negociações.
O Parlamento antes de Bruxelas?
A primeira-ministra insistiu sempre que o seu governo, legitimado pela vontade expressa pelos britânicos em referendo, tinha autoridade para desencadear o processo para a saída britânica da UE, prometendo apenas manter o Parlamento informado. Mas o Tribunal Superior britânico decidiu, na análise a uma queixa apresentada por cidadãos, que só o Parlamento tem poder para reverter a Lei das Comunidades Europeias, aprovada em 1972 no âmbito da adesão do Reino Unido à UE, sublinhando que o referendo não é vinculativo e que o “Brexit” vai retirar aos britânicos direitos que eles gozam enquanto cidadãos comunitários.
O executivo recorreu para o Supremo, que em Dezembro se pronunciará. Mas antecipando uma eventual derrota, May estará a preparar uma sucinta proposta de lei, para ser aprovado no Parlamento sem demoras nem grandes alterações, algo que uma juíza do Supremo já sugeriu que pode não ser suficiente, admitindo que poderá ser necessário substituir na íntegra a legislação de 72. Mais do que adiar o início das negociações, o envolvimento dos deputados (que foram maioritariamente contra o “Brexit”) no processo pode forçar o executivo a fazer concessões, torna menos provável um corte radical com a UE. Os liberais já fizeram saber que vão exigir que o acordo final com a UE seja referendado e os trabalhistas, apesar de assegurarem que não querem bloquear a saída da UE, querem garantias de que Londres mantém o acesso ao mercado único.
Para evitar perder o controlo sobre o processo, May pode ser tentada a antecipar as legislativas – as sondagens atribuem grande vantagem aos conservadores – a fim de conseguir um Parlamento mais favorável à sua posição.
“Comer o bolo e ficar com ele”
Johnson agora chefe da diplomacia britânica, fez desta constatação do impossível uma imagem de marca, mas a tirada já foi várias vezes usada para descrever a posição de partida de Londres. May insiste que dará prioridade ao controlo da imigração (tema que dominou a campanha), sem dizer claramente que está disposta a perder o acesso ao mercado único. Já esta semana, Johnson afirmou que Londres irá provavelmente abandonar a União Aduaneira (que eliminou tarifas internas e criou taxas únicas para as importações de países terceiros), ao mesmo tempo que pretende continuar a exportar livremente para a UE e a controlar a imigração.
As propostas de Johnson, reagiu nesta quarta-feira o presidente do eurogrupo, o holandês Jeroen Dijsselbloem, “são intelectualmente impossíveis” e “politicamente inviáveis”. Mais conciliadora, a chanceler alemã, disse terça-feira que a liberdade de circulação na UE é intocável, mas admitiu que há espaço para negociar maiores restrições aos benefícios que os trabalhadores europeus têm nos países que os acolhem. Confirmando que a contradição não está apenas no governo – uma sondagem divulgada nesta quarta-feira revela que 90% dos britânicos quer que o país mantenha o acesso ao mercado único, apesar de 70% dos inquiridos querer igualmente que o Reino Unido possa limitar o número de europeus que entram no país.