Portugueses tiraram 3400 milhões de contas acima de 100 mil euros
Dinheiro acima deste valor não é protegido em caso de intervenção do Estado na banca. Contas superiores a 100 mil euros estão nas mãos de 1,3% dos depositantes.
O valor total dos depósitos em Portugal tem vindo a subir, mas há menos dinheiro nas contas mais abastadas. De acordo com os dados do Fundo de Garantia de Depósitos (FGD), as contas superiores a 100 mil euros valiam 58.096 milhões de euros em Junho do ano passado (última informação disponível), menos 3395 milhões (ou 5,5%) face a idêntico período de 2014.
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O valor total dos depósitos em Portugal tem vindo a subir, mas há menos dinheiro nas contas mais abastadas. De acordo com os dados do Fundo de Garantia de Depósitos (FGD), as contas superiores a 100 mil euros valiam 58.096 milhões de euros em Junho do ano passado (última informação disponível), menos 3395 milhões (ou 5,5%) face a idêntico período de 2014.
Desde o início da crise em Portugal, em 2011, a queda foi de 7537 milhões de euros. Nesse ano, o peso dos grandes depósitos no total das poupanças consideradas pelo Fundo de Garantia de Depósitos (que tem a responsabilidade de cobrir os depósitos até 100 mil euros) era de 41,5%. Agora, desceu para 36%. Algo, no entanto, pouco mudou: esse dinheiro está nas mãos de 1,3% dos depositantes ou seja, uma pequena minoria. Ao todo, existem 16 milhões de titulares registados pelo FGD, mas o universo de pessoas será menor, já que um titular pode ter contas em várias instituições.
A maior variação ocorreu entre 2011 e 2012 (o ano da grande recessão em Portugal), tendo depois o valor dos grandes depósitos recuperado. Agora, houve um novo recuo. Tendo em conta que os dados mais recentes são de Junho do ano passado, estes ainda não englobam o efeito da intervenção das autoridades no Banif, em Dezembro, e faltavam ainda seis meses para entrar em vigor a lei que permite implicar parte destes depósitos (o valor acima de 100 mil euros) em caso de intervenção num banco (o chamado bail in, após accionistas e alguns obrigacionistas serem chamados a participar em primeiro lugar).
No entanto, já se notam repercussões do colapso do BES, uma vez que o relatório de 2014 também só incluía dados até Junho desse ano, deixando de fora os efeitos do fim do banco (intervencionado em Agosto).
Valor descoberto a descer
O relatório e contas do FGD referente ao ano passado, e que só agora foi disponibilizado, mostra ainda que o valor que não é coberto pela garantia de depósitos também desceu. Neste caso, a quebra foi de 12%, equivalente a cinco mil milhões de euros. Há, assim, 36 mil milhões de euros em contas acima de 100 mil euros (por exemplo, de um depósito 120 mil euros inclui-se aqui apenas 20 mil euros), e que resulta da diferença entre o valor dos depósitos elegíveis e o montante coberto pelo FGD (ver infografia).
Para além de existir outro fundo de protecção de depósitos, o Fundo de Garantia de Crédito Agrícola Mútuo (ver caixa), de reduzida dimensão face ao FGD, há vários tipos de depósitos que não estão cobertos, como os de empresas de investimento, instituições financeiras, fundos de pensões, ou entidades do sector público. No caso do fundo ligado às caixas de crédito agrícola, este ainda não publicou o relatório de 2015, mas segundo dados enviados ao PÚBLICO o valor não coberto subiu de forma residual entre 2014 e 2015 (0,6%), chegando aos 1335 milhões de euros.
Análise aos movimentos
Para João César das Neves, a descida dos depósitos com mais de 100 mil euros e dos montantes não cobertos pela garantia de depósitos, é “perfeitamente compreensível”. “A existência de um limite de segurança cria naturalmente um risco adicional acima desse nível e um incentivo para reestruturar os depósitos para níveis inferiores”, refere.
“O que é espantoso”, acrescenta este economista, “não é que haja esse movimento, mas que existam ainda 36% de depósitos não protegidos, representando 58 mil milhões. Isso pode explicar-se pelo facto de muita gente (1/3) das pessoas que têm esses montantes em depósito serem pessoas esclarecidas, que não embarcam em pânicos mediáticos e sabem que o risco de haver uma queda bancária é pequeno”.
Já Ricardo Cabral diz que uma redução de 12% da parte dos depósitos que excede 100 mil euros é “demasiado elevada para ter sido ‘acidental’ ou para que possa ser explicado por outras razões como a redução da poupança por famílias e empresas”.
Para este economista, os dados fornecidos pelo FGD parecem sugerir que os intervenientes “retiraram parte desses depósitos da banca portuguesa movendo-os para a banca estrangeira ou para outro tipo de aplicações” como o imobiliário ou “dividiram esses depósitos por outros bancos e/ou por contas com outros titulares” assegurando a devida cobertura do dinheiro.
“É ainda interessante notar”, diz, que a parte não protegida dos depósitos cai proporcionalmente mais (-12%) do que o volume total dos depósitos que excedem o limiar de 100 mil euros (-5,5%), “sugerindo que esses depositantes procuraram sobretudo reduzir montantes de depósitos”, deixando-os mais perto dos 100 mil euros.
Assim, Ricardo Cabral diz ser “provável que a instabilidade em torno da banca portuguesa em 2014”, com a resolução do BES, “e a perspectiva de que a autoridade de resolução bancária iria passar do Banco de Portugal para o BCE a partir de Janeiro de 2016, tenha levado alguns portugueses a adoptar essa estratégia”.
Tendo em conta que apenas 1,3% dos depositantes têm contas com mais de 100 mil euros, “apenas uma pequena percentagem destes alterou o seu comportamento”, refere, acrescentando que essa tendência poderá continuar, pondo “problemas ao modelo de garantia de depósitos” que, diz, poderá ser necessário repensar.
É que, nota, no caso de a quase totalidade destes depósitos passar a estar protegida, “então os que sofreriam perdas em caso de resolução - perdas essas que teriam de ser proporcionalmente maiores para assegurar o mesmo nível de reestruturação dos passivos do banco intervencionado - seriam sobretudo depósitos de empresas “, afectando as PME, e “de entidades que já não beneficiam dessa garantia”, como de outras instituições financeiras, o que, defende, “agravaria o efeito de contágio de um processo de resolução bancário”.