De Camões aos impostos, o prólogo do debate do OE fez-se de poesia e números

Ministro das Finanças insiste que não há redução das verbas na educação e admite que a descida do peso dos impostos é reduzida.

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Rui Gaudêncio

Quando forem discutir na generalidade o Orçamento do Estado (OE) para 2017 nesta quinta e na sexta-feira, os partidos já partem com o aquecimento feito. Ou talvez o prólogo escrito. Pela segunda vez em nove dias, o ministro das Finanças esteve no Parlamento a falar sobre o OE, desta vez para discutir as tabelas da receita e da despesa em contabilidade pública que faltavam ao relatório do orçamento. E na hora de olhar para os novos quadros, a discussão fez-se tanto de referências livrescas como de números.

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Quando forem discutir na generalidade o Orçamento do Estado (OE) para 2017 nesta quinta e na sexta-feira, os partidos já partem com o aquecimento feito. Ou talvez o prólogo escrito. Pela segunda vez em nove dias, o ministro das Finanças esteve no Parlamento a falar sobre o OE, desta vez para discutir as tabelas da receita e da despesa em contabilidade pública que faltavam ao relatório do orçamento. E na hora de olhar para os novos quadros, a discussão fez-se tanto de referências livrescas como de números.

Mário Centeno guardou algumas citações para expor argumentos e da lírica camoniana às palavras de Jorge Luís Borges, passando pelos ensinamentos do matemático Bento Jesus Caraça, tudo serviu para apontar baterias contra os argumentos de PSD e CDS na hora de comparar números entre o que está previsto para 2017 e o que está a ser executado este ano.

Foi talvez uma maneira de aliviar um debate que se previa técnico. “A oposição está cativa de uma tabela”, começa por dizer Centeno. E aqui entra Camões em cena: “Aquela cativa que me tem cativo, porque nela vivo já não quer que viva”, atirou o ministro das Finanças sobre o facto de o PSD ter requerido estas tabelas e sobre o facto de ter retirado delas a leitura que o Governo estava a reter dinheiro (cativações) nas áreas da Saúde e Educação. Mais tarde garantiria: “Não há cativos na educação, não há cativos na saúde”.

E também mais tarde voltaria a uma versão adaptada de Camões. Diferente poema, diferente tema, o mesmo resultado e o mesmo recitador: “Quem tentou voar mais alto e ser perdigão e perder as penas foi o seu Governo”, diz Mário Centeno, acusando PSD e CDS de terem sido o primeiro executivo “na história dos governos democráticos em Portugal que viu o PIB cair entre o início da posse e o fim da legislatura”.

A Educação, uma paixão suborçamentada

Não se ficaria por aqui o lirismo de Centeno, nem as citações adaptadas. Tudo para defender que a Educação é uma paixão deste Governo e que há mais verbas para esta área do que até agora. “Se não receio o erro [é porque] estou sempre disposto a corrigi-lo”, diz, citando Bento de Jesus Caraça. E outra de seguida. “Se acham que a educação é cara, tentem a ignorância”, atirou Centeno, numa tradução livre atribuída a Derek Bok, ex-reitor da Universidade de Harvard. 

No debate da Educação, que acabou por ser central para o debate, Mário Centeno puxou do argumento da “suborçamentação”. E o que quer isto dizer? Para o ministro das Finanças, o que o Governo está a fazer é corrigir as previsões de despesa na Educação que têm sido insuficientes ao longo dos anos - ainda que não de uma vez só, ou seja, admitindo que este Governo continua a prever menos do que acha na verdade que vai gastar.

Para este argumento, Centeno carregou nos adjectivos. Disse o ministro que houve uma “violenta suborçamentação” ou uma “suborçamentação muito gravosa” nos últimos anos. “A verdade é que chegámos a 2016 e o programa da Educação está altamente suborçamentado”. E isso, garantiu, “tem vindo a ser corrigido”.

Se a previsão para 2017 que Centeno inscreveu no Orçamento está acima da previsão que o mesmo Centeno tinha para 2016, está abaixo do que o mesmo ministro tem previsto que a área da Educação vai gastar no final deste ano. E aqui, todo o debate sobre o tema foi uma questão de perspectiva. O ministro das Finanças argumentou que só pode comparar com o que estava nos orçamentos, e nesse ponto a previsão de gastos na Educação tem aumentado. A oposição diz que tem de ser comparado com os valores do efectivamente gasto este ano, e aí há uma diminuição.

Cada um olhou para o copo ora meio vazio, ora meio cheio, consoante a perspectiva mais eficaz para o discurso. E cada um defendeu o seu passado e atacou o do outro. Se Centeno atirou ao PSD a “suborçamentação” de cerca de 800 milhões de euros, a deputada do PSD, Margarida Balseiro Lopes, do PSD, diz que esse valor aconteceu, sim, mas na era de José Sócrates.

“Falou em 800 milhões de euros de suborçamentação. Esses 800 milhões de suborçamentação foram em 2009. E foram 805 milhões", disse. Já o CDS, pela voz de João Almeida, até admite que possa ter havido alguma suborçamentação em anos anteriores, mas, acrescentou “é preciso reconhecer que foi sendo reduzida ao longo do tempo”. Resultado final das contas de Centeno para o CDS: “Haverá sempre uma redução efectiva da despesa na Educação”.

Redução “ligeira” da carga fiscal

Recorrente é o debate sobre se a carga fiscal sobe ou desce. Desta vez não foi diferente. Sobre os impostos, Centeno insiste que há uma redução do seu peso no PIB, embora admita, tal como tinha reconhecido na semana passada, que a descida seja residual.

Quando falam em impostos, PS, PCP e BE raramente não aproveitam para apontar o dedo ao PSD e CDS lembrando o enorme agravamento da anterior governação, procurando retirar-lhe legitimidade argumentativa quando falam da subida de alguns impostos indirectos. Hoje não foi diferente.

No OE, prevê-se que as receitas fiscais e as contribuições sociais, juntas, valem 36,6% do PIB este ano, mantendo-se o mesmo valor no próximo. O valor das receitas dos impostos medido no PIB baixa em 2017, passando de 25% para 24,9%, aquilo a que Centeno chamou uma queda “ligeira” da carga fiscal. Com a melhoria esperada no mercado de trabalho e a evolução dos salários, o governo prevê que o peso das contribuições sociais no PIB passem de 11,6% para 11,7%.

Mariana Mortágua, do BE, diz ficar “provado que não há um aumento da carga fiscal”. O CDS deu outro prisma, com o deputado João Almeida a questionar o ministro: “Como é que pode dizer que há uma redução?”.

Ao falar dos impostos Centeno acusou o anterior Governo de ter deixado para 2016 uma factura fiscal relativa a 2015 de 908 milhões de euros que tem impacto negativo nas contas do Estado deste ano. O “fardo de despesa fiscal”, como lhe chamou, deve-se a valores que o anterior Governo esteve a “reter nos cofres do Estado dinheiro dos portugueses”, acusou o ministro, referindo desvios nos reembolsos de IRS, IRC e IVA.

35 horas: um problema constitucional?

Nos choques entre oposição e Governo, o PSD apresentou aquilo que pode ser mais um problema constitucional. Na óptica do partido, “há uma derrapagem na despesa com pessoal”, de 143 milhões de euros, e isso indicia que “pode ser o efeito das 35 horas, seja porque aumentam as horas extraordinárias, seja porque aumentam as contratações”, disse a deputada Inês Domingos.

Ora este problema deixa de ser apenas técnico para ser político quando a deputada salientou que estes valores identificados pelo partido mostram que há uma “contradição” do Governo em relação às garantias que deu a Marcelo Rebelo de Sousa. Tudo porque o Presidente da República só deu luz verde à redução para as 35 horas de trabalho na função pública se não houvesse um aumento global da despesa. E se houver (só depois do final do ano é possível perceber), Marcelo dizia que iria pedir uma avaliação ao Tribunal Constitucional.

E aqui, oposição e Governo entram de novo em choque. PSD diz que estes 143 milhões de euros já mostram que houve esse aumento, Centeno diz que “não tem nada a ver”.

Nos argumentos do ministro entra sobretudo o valor que está a ser gasto na área da Saúde onde havia uma previsão de mais 19 milhões de euros, mas, garantiu Centeno, “está a ser executado abaixo desse valor”. “O OE da Saúde, que é o que tem a maior pressão da execução das 35 horas, está a cumprir dentro dos limites definidos para acomodar a reposição do horário”, disse.