Na Turquia de Erdogan está a deixar de haver lugar para o jornalismo

Os sinais já lá estavam, o golpe falhado acelerou o programa do Presidente para acabar com a imprensa livre: 170 jornais, revistas e canais de televisão foram fechados, 125 jornalistas estão presos.

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Manifestantes à porta da redacção do Cumhuriyet no dia a seguir à detenção do director do jornal Ozan Kose / AFP

É cada vez mais difícil trabalhar como jornalista na Turquia. O Presidente, Recep Erdogan, foi considerado um “predador da liberdade de imprensa” pela organização Repórteres Sem Fronteiras. A perseguição das autoridades turcas à imprensa é frenética. Na semana passada foi decretado o encerramento de 15 órgãos de comunicação próximos da minoria curda e, na segunda-feira, foi detido o director do Cumhuriyet, um dos poucos jornais que vinha a resistir à purga de Erdogan.

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É cada vez mais difícil trabalhar como jornalista na Turquia. O Presidente, Recep Erdogan, foi considerado um “predador da liberdade de imprensa” pela organização Repórteres Sem Fronteiras. A perseguição das autoridades turcas à imprensa é frenética. Na semana passada foi decretado o encerramento de 15 órgãos de comunicação próximos da minoria curda e, na segunda-feira, foi detido o director do Cumhuriyet, um dos poucos jornais que vinha a resistir à purga de Erdogan.

Os números revelados pela associação de jornalistas da Turquia mostram os contornos da “limpeza” que o Governo está a fazer nos media. Desde Julho foram encerrados 170 jornais, revistas e canais de televisão, deixando 2500 jornalistas no desemprego. Foram presos 200 jornalistas nos últimos meses e 125 continuam detidos. “Erdogan não gosta da imprensa, ou melhor, apenas gosta daquela que é submissa, dócil e exaltadora dos seus méritos”, dizem os RSF.

O panorama piorou consideravelmente após o golpe de Estado falhado de 15 de Julho. A partir daí, Erdogan utilizou o estado de excepção decretado para afastar e prender milhares de dirigentes da Administração Pública, das Forças Armadas e dos tribunais suspeitos de terem ligações – por mais ínfima que por vezes fossem – ao movimento do imã exilado nos EUA Fethullah Gülen, considerado o cérebro do golpe.

A perseguição do Governo de Ancara aos jornalistas vem de mais longe. Antes da tentativa de golpe, já os jornalistas que tentassem adoptar uma postura mais crítica das posições oficiais eram detidos ou afastados. Foi o que aconteceu há cerca de um ano, nas vésperas das eleições legislativas que voltaram a dar a maioria absoluta ao Partido da Justiça e Desenvolvimento (AKP) de Erdogan, quando as emissões de duas estações televisivas foram interrompidas. O grupo proprietário, ligado a Gülen, passou para uma administração judicial e o seu principal jornal, o Millet, tornou-se num megafone do Governo.

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O próprio Cumhuriyet não é estranho ao autoritarismo do Estado. O anterior director, Can Dündar, foi detido em Novembro do ano passado acusado de “espionagem” por ter publicado imagens daquilo que o jornal dizia serem elementos dos serviços secretos a entregarem armas a jihadistas sírios. Perante a possibilidade de enfrentar uma pena de prisão perpétua por fazer o seu trabalho, Dündar exilou-se na Alemanha.

A lógica por trás da guerra lançada contra as redacções é a mesma que rege a purga que se abateu sobre o aparelho de Estado na Turquia pós-golpe falhado. O inimigo número um é o movimento de Gülen, que Erdogan acusa de ter instaurado um “Estado profundo” – um conceito com ressonâncias históricas muito negativas para a maioria dos turcos relacionado com uma aliança intemporal entre exército, nacionalistas e a extrema-direita responsável por atentados contra o Estado oficial. O golpe de Julho foi a manifestação violenta do movimento gulenista que veio dar a justificação que faltava a Erdogan para completar aquilo que faltava do processo de liquidação do seu inimigo político.

Hoje, na definição de gulenista cabem todos os que criticam o Governo ou incomodam Erdogan – curdos, seculares, esquerdistas. É, mais uma vez, o caso do Cumhuriyet, cujo director, Murat Sabuncu, foi detido e acusado de ligações a Gülen. “Como o Cumhuriyet lutou contra o movimento de Gülen durante os últimos 20 ou 30 ano, mais valia dizerem ‘não queremos ouvir nenhuma voz crítica e não estamos preparados para tolerar nem sequer a mais pequena oposição’”, disse à Deutsche Welle Can Dündar.

Os líderes europeus têm manifestado preocupação com a degradação da liberdade de imprensa na Turquia. “Todos aqueles que continuam corajosamente a lutar pela liberdade de expressão e a fazer jornalismo sob circunstâncias difíceis na Turquia têm a nossa solidariedade”, disse o porta-voz do Governo alemão, Steffan Seibert. A chanceler, Angela Merkel, disse ter “muitas dúvidas” quanto à legalidade da detenção dos jornalistas do Cumhuriyet, acrescentou.

Em Ancara, as opiniões provenientes da União Europeia parecem contar cada vez menos. “Não temos problemas com a liberdade de imprensa”, garantiu o primeiro-ministro, Binali Yildirim. “É nisto que não conseguimos concordar com os nossos amigos europeus: eles falam sempre na liberdade de imprensa quando estamos a tomar medidas na nossa luta contra o terrorismo.”

Sempre que é pressionada pelo atropelo aos direitos humanos, a Turquia tem respondido acusando os líderes europeus de serem insensíveis às ameaças a que o país está sujeito – desde gulenistas aos separatistas curdos, passando pelos jihadistas do Estado Islâmico. O grande trunfo de Ancara é o acordo assinado com Bruxelas para conter o fluxo de refugiados provenientes da Síria que querem chegar à Europa.

Num contexto de perseguição impiedosa, o Cumhuriyet mantém-se firme na sua missão. “Não nos rendemos” lia-se na primeira página da edição de terça-feira, o dia seguinte à detenção de mais um dos seus directores. Em editorial, ficava uma promessa cada vez mais difícil de cumprir na Turquia de Erdogan: “Mesmo que os directores e redactores do Cumhuriyet sejam presos, o nosso jornal vai continuar a sua luta pela democracia e liberdade até ao fim.”