Portugal e a Rússia: a caminho da “doutrina Trump”?

Transformar Portugal num activista da reversão das sanções e do seu não agravamento é insustentável, em face do vergonhoso recrudescimento das agressões e das ameaças russas à Europa e à vida internacional.

1. Já tratei aqui da relação da Rússia com a UE e das ofensivas hostis de Putin. Sublinhei os riscos do rearmamento e da concentração do “hacking” em Moscovo. Identifiquei as vítimas mais directas: Geórgia, Ucrânia e Moldávia. E listei os Estados da UE que se sentem as “próximas vítimas”: Bálticos, Polónia e Roménia. Lembrei, aliás, o receio das neutrais Suécia e a Finlândia, que, em face das investidas russas, já discutem a adesão à NATO. E o sentimento similar da Dinamarca e Noruega, que, não por acaso, tiveram os dois últimos Secretários-Gerais (Rasmussen e Stoltenberg). Tenho ainda dado nota dos “amigos” europeus da Rússia (o “eixo ortodoxo”): Sérvia, Bulgária, Grécia e Chipre. Fora do eixo ortodoxo, fica a Roménia, por causa do assédio à Moldávia (a velha Bessarábia). Em contrapartida, tem hoje o apoio seguro da Hungria de Órban – o único Estado a ensaiar um “veto” às sanções (decerto pelo regime de favor que alcançou no preço da energia e que produz bons resultados eleitorais). Falei também da aposta na desestabilização da vida política interna dos Estados da UE, com o financiamento de partidos da direita radical na França, na Holanda, na Áustria e na Suécia; com o apoio oficioso à esquerda radical do Syriza na Grécia, dos comunistas em Chipre, do Podemos em Espanha; com a ajuda encapotada ao UKIP e à sua campanha pelo "Brexit". Já, por entre os grandes europeus, a Itália, por motivos económicos resiste à ideia das sanções, levemente seguida pela França, e o Reino Unido é o maior entusiasta das sanções, seguido pela Alemanha (“pressionada” pela Polónia). Espanha e Portugal, por causa do impacto económico, designadamente no sector agrícola, partilham subtilmente algumas das reservas italianas e francesas.   

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1. Já tratei aqui da relação da Rússia com a UE e das ofensivas hostis de Putin. Sublinhei os riscos do rearmamento e da concentração do “hacking” em Moscovo. Identifiquei as vítimas mais directas: Geórgia, Ucrânia e Moldávia. E listei os Estados da UE que se sentem as “próximas vítimas”: Bálticos, Polónia e Roménia. Lembrei, aliás, o receio das neutrais Suécia e a Finlândia, que, em face das investidas russas, já discutem a adesão à NATO. E o sentimento similar da Dinamarca e Noruega, que, não por acaso, tiveram os dois últimos Secretários-Gerais (Rasmussen e Stoltenberg). Tenho ainda dado nota dos “amigos” europeus da Rússia (o “eixo ortodoxo”): Sérvia, Bulgária, Grécia e Chipre. Fora do eixo ortodoxo, fica a Roménia, por causa do assédio à Moldávia (a velha Bessarábia). Em contrapartida, tem hoje o apoio seguro da Hungria de Órban – o único Estado a ensaiar um “veto” às sanções (decerto pelo regime de favor que alcançou no preço da energia e que produz bons resultados eleitorais). Falei também da aposta na desestabilização da vida política interna dos Estados da UE, com o financiamento de partidos da direita radical na França, na Holanda, na Áustria e na Suécia; com o apoio oficioso à esquerda radical do Syriza na Grécia, dos comunistas em Chipre, do Podemos em Espanha; com a ajuda encapotada ao UKIP e à sua campanha pelo "Brexit". Já, por entre os grandes europeus, a Itália, por motivos económicos resiste à ideia das sanções, levemente seguida pela França, e o Reino Unido é o maior entusiasta das sanções, seguido pela Alemanha (“pressionada” pela Polónia). Espanha e Portugal, por causa do impacto económico, designadamente no sector agrícola, partilham subtilmente algumas das reservas italianas e francesas.   

  2. O envolvimento activo e directo da Rússia na guerra civil síria, sem qualquer escrúpulo no uso de violência bárbara, torna imperativo o endurecimento da posição ocidental e convoca uma estratégia de minimização de danos que culmine na contenção da Rússia. O desastre humanitário, que a Rússia chancela, não pode ficar sem uma resposta. É neste quadro que se antolha incompreensível a posição do Primeiro-Ministro e do Governo português, revelada oficialmente no final do Conselho Europeu de 20-21 de Outubro. É já de si intrigante a posição portuguesa contra o agravamento das sanções; mas é totalmente inaceitável a ideia de favorecer o fim das sanções passando a uma política de “diálogo e cooperação”. As declarações complacentes do Ministro da Defesa, a propósito da passagem da frota naval russa na zona económica exclusiva, parecem corroborar aquela postura “russófila” de António Costa. Ora, este posicionamento público e oficial do Governo português aparenta aproximar-se das concepções de Donald Trump, amplamente hostis à NATO e ao seu papel, e está em contradição com a política de segurança externa consensual em Portugal.

3. Convém esclarecer que nunca concordei nem concordo com a forma como a UE tem lidado com a Rússia. A interferência na política interna ucraniana – largamente instigada pela Polónia com o beneplácito alemão – deu a Putin o pretexto perfeito para invadir a Crimeia e o leste da Ucrânia. E é verdade que, sendo a invasão indefensável em qualquer caso, a situação da Crimeia não é exactamente igual à situação das regiões da Ucrânia oriental. A promessa de fazer da Ucrânia um futuro membro da UE e até da NATO, tantas vezes alimentada por altos dirigentes europeus, é também um rematado disparate e constitui uma provocação objectiva à Rússia. Só uma “finlandização” da Ucrânia permitiria uma solução que salvaguardasse os direitos e os interesses dos Estados envolvidos e das suas populações. Mesmo na questão síria, nem tudo é linear. A guerra civil é um prolongamento da luta entre o Irão e a Arábia Saudita pela hegemonia no Médio Oriente. O Irão quer desenhar um corredor xiita que, saindo de Teerão, ligue o Iraque, a Síria e o Líbano e assim abra as portas do Mediterrâneo à energia persa. E os sauditas querem fazer o mesmo, abrindo um canal sunita que atravesse a Jordânia, a Síria e o Líbano e lhes crie uma conexão directa para o abastecimento energético da Europa. Eis dois projectos em óbvia competição com os desígnios geoeconómicos da Rússia, que, para assegurar o domínio do fornecimento à Europa, tem de manter sob controlo o noroeste sírio e o seu acesso ao mar.

Mas uma coisa é reconhecer a inabilidade ocidental em tudo o que respeita à Rússia – que se vê a si própria como a depositária da civilização judaico-cristã e greco-romana, com vultos incontornáveis da cultura europeia (como Tolstoi, Dostoievsky, Stravinsky ou Tchaikovsky) –, outra é aceitar resignadamente as ofensivas que Putin lança em todas as frentes e fazem tábua rasa do direito internacional, da democracia e dos direitos humanos.

4. Não se percebe o que motiva o Governo e António Costa a passarem a ser curadores europeus dos interesses russos. Ou Costa já está nas mãos do PCP (que continua a defender intrepidamente, apesar do fim do comunismo, os regimes russo e chinês) e no regaço do Bloco (que execra a nossa inserção na NATO). Ou então, na negociação da eleição de António Guterres, o Governo acabou por transigir e aceitou o triste encargo de passar a ser a voz dos interesses russos no Conselho Europeu. Convinha que o Ministro dos Negócios Estrangeiros nos decifrasse este enigma.

É perfeitamente razoável que Portugal seja discreto e use de um perfil cauteloso no tratamento da questão russa, seguindo aliás a velha máxima de Franco Nogueira de que, em diplomacia, “o que não é necessário fazer-se, é necessário não se fazer”. Mas transformar Portugal num activista da reversão das sanções e do seu não agravamento é insustentável, em face do vergonhoso recrudescimento das agressões e das ameaças russas à Europa e à vida internacional. Alguém tem de denunciar: uma coisa é Portugal, outra é o “Trumpgal”.     

 

SIM e NÃO

 

SIM. PSOE. Ao viabilizarem Rajoy, os socialistas espanhóis revelaram finalmente bom senso e sentido de Estado (bem como instinto de sobrevivência). Que diferença para o PS português, refém da esquerda radical.

NÃO. Presidente da Caixa, António Domingues. É indefensável que tenha entrado em polémica com o líder da oposição. Se havia algo a dizer, que falasse o Ministro das Finanças. E não falta motivo: está quase tudo por esclarecer.