Novo "perdão fiscal" não perturba Marcelo
O programa de regularização de dívidas causou um sobressalto entre Governo e parceiros, mas em Belém o diploma não causa problemas. BE continua contra medida por ser "cega". Estado pode perder quase 30% do que deveria ser pago.
O novo programa de regularização de dívidas ao Estado não levanta problemas ao Presidente da República, apurou o PÚBLICO. Sobretudo depois da garantia dada pelo Governo de que não abrange as contribuições extraordinárioas, o que poderia implicar um perdão de dívida à Galp, a empresa que convidou o secretário de Estado dos Assuntos Fiscais, que tutela os impostos, a ver jogos do Euro em França.
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O novo programa de regularização de dívidas ao Estado não levanta problemas ao Presidente da República, apurou o PÚBLICO. Sobretudo depois da garantia dada pelo Governo de que não abrange as contribuições extraordinárioas, o que poderia implicar um perdão de dívida à Galp, a empresa que convidou o secretário de Estado dos Assuntos Fiscais, que tutela os impostos, a ver jogos do Euro em França.
O Presidente da República esteve ontem no Porto e preferiu não comentar o novo Programa Especial de Redução do Endividamento ao Estado (Peres), aprovado pelo executivo na quinta-feira, mas o PÚBLICO sabe que esta não é uma medida que cause desconforto a Marcelo Rebelo de Sousa. Tudo porque se trata de um perdão de juros, coimas e custas relativos a impostos que não são deste ano — só poderão aderir os contribuintes que tenham dívidas à Segurança Social até 31 de Dezembro de 2015 e ao fisco até 31 de Maio, para poder apanhar as dívidas de IRC de 2015. E, sobretudo, porque ouviu as garantias do Governo de que o programa não inclui o perdão a dívidas como a contribuição extraordinária ao sector energético, o que faria com que se aplicasse à Galp e ao processo que tem em contencioso com o Estado no valor de cerca de cem milhões de euros.
Tudo, na semana em que Marcelo, na cerimónia do 5 de Outubro, deixou avisos sobre a relação entre política e o poder económico. A medida poder abranger a petrolífera que convidou o secretário de Estado a ver jogo do Euro em França não seria admissível.
Com mais ou menos impacto, os partidos que apoiam o Governo têm tentado marcar terreno em relação ao Governo, a uma semana da apresentação do Orçamento do Estado para 2017. O Peres ditou esta semana uma demarcação do BE. O PCP e o PEV apoiam a medida do executivo, mas querem melhorias.
O Governo aprovou o Peres na reunião de quinta-feira e o documento segue directo para Belém. Assim, o Governo escapa à necessidade de procurar o apoio dos parceiros. Se precisasse, não seriam favas contadas.
A primeira reacção dos partidos, tanto do BE como do PCP, foi recusar um “perdão fiscal” — e foi, aliás, a isso que se referiram os partidos da oposição. Mas o PCP fazia logo a diferença entre o que seria um “perdão fiscal” e um perdão de juros, coimas e custas. O BE não. Aliás, o Governo faz sair um comunicado na noite de quinta-feira em que desmentia “categoricamente” que se tratasse de um perdão fiscal, precisamente depois da entrevista de Catarina Martins à SIC em que esta disse: “O BE nunca teve uma posição favorável a perdões fiscais desta natureza e não mudámos de ideias.”
De manhã, o partido apurou o discurso, já depois de PS, PCP e PEV terem defendido a medida. Ao PÚBLICO, a deputada Mariana Mortágua disse que, “por princípio”, o partido “é contra perdões deste tipo”, mas acrescentou um “mas”. “Compreendemos a diferença para o RERT [Regime Excepcional de Regularização Tributária], que foi uma amnistia fiscal de crimes de impostos, e [o actual programa], que é um perdão de juros e coimas para cidadãos e contribuintes endividados.”
Contudo, o BE, apesar de “aceitar a bondade de vários dos argumentos”, continua a criticar este tipo de propostas por se aplicarem a todos os contribuintes (singulares e empresas) que tenham dívidas fiscais e à Segurança Social, independentemente de estarem ou não em dificuldades financeiras.
“Há um problema de fundo: não distingue as famílias e empresas que não conseguem cumprir por estarem numa situação de fragilidade daqueles que não cumprem por opção”, acrescenta a deputada. E isso, defende, “cria um enviesamento no sistema”.
O PCP reagiu de forma diferente. Para os comunistas, não se trata de todo de um “perdão fiscal”, porque é um desconto nos juros, coimas e custas, e não admite um “perdão de capital”. Os comunistas, pela voz do deputado Paulo Sá, acabaram por defender o Governo: “O que fez foi um programa extraordinário que não prevê perdão de capital. Toda a dívida deve ser paga integralmente. (...) O programa poderá ajudar os pequenos contribuintes”, disse.
O deputado do PCP acabou por falar depois do deputado do PS João Galamba, e antes tiveram uma breve conversa. Tirando a parte em que Paulo Sá defendeu que era preciso um programa “diferenciado” entre os “pequenos contribuintes” e as “grandes empresas e grandes grupos económicos”, o resto dos argumentos foram seguidos por PS, PCP e PEV.
O impacto desta medida ainda não é certo. Para que quem tenha dívidas ao fisco e à Segurança Social possa aderir ao programa, é preciso que este passe pelo crivo do Presidente. A adesão pode ser feita até 20 de Dezembro. Certo é que, apesar de PS e Governo reafirmarem que não é esse o objectivo, a medida tem impacto na execução orçamental deste ano.
Tendo em conta os dados das Finanças, há neste momento 20 mil milhões de euros de dívida não acumulada ao fisco (mais cinco mil milhões de incobráveis) e três mil milhões à Segurança Social. Se parte significativa destes contribuintes aderir, este programa pode ter já um impacto visível este ano (uma vez que os contribuintes têm de pagar 8% da dívida à entrada) e pode ter um impacto ainda maior nas contas dos anos seguintes.
O programa de regularização de dívidas lançado em 2013, que implicava um pagamento total e imediato da dívida, com perdão de juros e coimas, rendeu aos cofres do Estado 1277 milhões de euros em receita adicional. Com esta medida, o Estado recebeu este valor, mas perdeu 495 milhões de euros (o valor de juros, coimas e custas perdoado), 27% do valor que deveria ser pago sem o perdão. É esta percentagem que pode agora estar em causa.