“O que dá força a esta maioria é o pragmatismo”

Nem Cavaco Silva já duvida da legitimidade desta maioria, anota o primeiro-ministro. As contas certas são para manter.

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Costa defende que o PS é “o partido socialdemocrata que existe em Portugal" DANIEL ROCHA

Um ano depois das eleições “temos uma democracia bastante mais inclusiva”, diz António Costa. Quanto ao PS, garante que este partido “está hoje na posição onde sempre esteve: o partido social-democrata que existe em Portugal”.

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Um ano depois das eleições “temos uma democracia bastante mais inclusiva”, diz António Costa. Quanto ao PS, garante que este partido “está hoje na posição onde sempre esteve: o partido social-democrata que existe em Portugal”.

Continua a sentir-se confortável sendo primeiro-ministro sem que o seu partido tenha ganho as eleições?
A maioria parlamentar que existe na Assembleia da República provou ao longo deste ano ser suficientemente sólida, consistente, coerente para ter viabilizado esta solução governativa. Desse ponto de vista, o balanço que podemos fazer um ano depois, é que sim, valeu a pena e é claramente positiva. São positivos os resultados.

Não teme ainda ser olhado como alguém que usurpou o poder? Convive bem com isso?
É uma questão que está claramente ultrapassada. Ninguém tem dúvidas, desde o anterior Presidente da República ao actual Presidente da República, no Parlamento, ninguém questiona a legitimidade constitucional e política desta solução, que os resultados têm confirmado ser uma boa solução. Porque permitiu fazer aquilo que era a vontade clara da maioria dos portugueses: virar a página da austeridade conseguindo cumprir os nossos compromissos europeus.

Fez uma mudança estratégica no PS introduzindo uma nova política de alianças. Mas há quem o acuse de também puxar o perfil programático do partido à esquerda. Isso é um dado adquirido para si?
São duas questões. Primeiro, há dois anos, quando concorri às eleições primárias no PS, fui muito claro sobre a minha visão sobre as formas de governação. O objectivo do PS naturalmente era ter maioria absoluta, que era essencial. Não havendo maioria absoluta, era ter uma solução estável. E que as soluções estáveis não podiam estar confinadas aquilo que tinham sido os limites que tinham vindo a ser impostos à democracia, como haver um arco da governação que pré-definia quem eram os partidos que tinham direito a representar os portugueses no Governo. Eu disse claramente que não aceitava esse conceito, explicitei-o quando concorri às primárias, quando apresentei a moção ao congresso, na campanha eleitoral. Acho que o balanço que o conjunto da sociedade portuguesa hoje faz é claramente positivo. Hoje os portugueses têm ao seu dispor mais respostas políticas e mais respostas políticas do que aquelas que tinham anteriormente. Temos uma democracia bastante mais inclusiva.

Respondendo à segunda pergunta, o PS está hoje na posição onde sempre esteve: o partido social-democrata que existe em Portugal e sintonizado com as causas do seu tempo.

Portanto, o PS não virou à esquerda?
Há muitos anos fiz um discurso que na altura foi muito gozado, creio que durante a liderança do engenheiro Guterres, dizendo que sempre achei incompreensível esse debate do pisca-pisca — se o PS vira à esquerda, se o PS vira à direita, se o PS vira ao centro. O PS tem uma identidade muito clara e caldeada ao longo destes quarenta anos de experiência. É o partido campeão na liberdade, da defesa da democracia, da integração europeia, mas também da luta contra as desigualdades. Temos estado sempre sintonizados com aquilo que são as principais causas de cada momento. Quando a questão principal era a consolidação da democracia o PS esteve na linha da frente, quando era o processo de integração europeia o PS esteve na linha da frente, quando era a modernização do país o PS esteve na linha da frente, quando a questão é o combate às desigualdades o PS também tem que estar na linha da frente. Portanto, temos estado sempre, em cada um dos momentos onde sempre estivemos.

Como é possível ao PS comungar uma proposta e praticar soluções para o país com partidos cuja raiz ideológica é o marxismo-leninismo e em que, no passado ou na origem desses partidos estão pessoas que defenderam projectos totalitários?
A chave desta solução governativa não está em qualquer dos quatro partidos ter eliminado a identidade ideológica que o caracteriza e os diferencia dos restantes. Aquilo que permitiu, aquilo que permite e dá força a esta solução governativa é o pragmatismo com que todos assumiram a necessidade de responder com resultados àquilo que era reclamado pelos cidadãos. Portanto, os quatro partidos têm identidades bem firmadas e distintas, que ninguém tem preocupação de esbater. Pelo contrário, todos as afirmamos com total naturalidade. Mas tivemos todos o pragmatismo de compreender que, identidades aparte, há coisas que podemos fazer em comum. É por isso, aliás, que conseguimos ter algo, que não posso deixar de sublinhar quando estamos a fazer quase um ano de Governo: é que, com o Governo que teve o apoio parlamentar mais à esquerda da nossa democracia, que teve uma política mais determinada de virar a página da austeridade, vamos ter os melhores resultados em matéria de consolidação das finanças públicas. O que só demonstra este equilíbrio e que cumprirmos o compromisso que tínhamos assumido com os portugueses, com a União Europeia.

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