Adeus Roseta
Na sexta-feira, a sonda Roseta vai cair no cometa 67P. E adormecerá para sempre. Mas o seu legado vai continuar: nos próximos anos haverá mais resultados científicos sobre o 67P. Os cientistas esperam desvendar os mistérios do sistema solar
O momento será semelhante ao de um doente na cama de um hospital. Algures no início da tarde de sexta-feira, o sinal electrónico da sonda Roseta que chega continuamente à Terra e mostra que está viva vai apagar-se. Como os familiares desse doente, os cientistas da Agência Espacial Europeia (ESA) saberão então que a sonda adormeceu para sempre na superfície do cometa 67P/Churiumov-Gerasimenko, a milhões de quilómetros de distância, no meio do espaço. Será o ponto final de uma das mais emblemáticas missões espaciais, em que pela primeira vez uma sonda orbitou um cometa e outra “aterrou” nele.
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O momento será semelhante ao de um doente na cama de um hospital. Algures no início da tarde de sexta-feira, o sinal electrónico da sonda Roseta que chega continuamente à Terra e mostra que está viva vai apagar-se. Como os familiares desse doente, os cientistas da Agência Espacial Europeia (ESA) saberão então que a sonda adormeceu para sempre na superfície do cometa 67P/Churiumov-Gerasimenko, a milhões de quilómetros de distância, no meio do espaço. Será o ponto final de uma das mais emblemáticas missões espaciais, em que pela primeira vez uma sonda orbitou um cometa e outra “aterrou” nele.
Mas até nos últimos momentos, durante a lenta queda no cometa que nos deu a conhecer, a sonda Roseta ainda oferecerá um conjunto de informação inédita sobre aquele objecto.
“Vamos medir a atmosfera junto à superfície do cometa, a menos de dois quilómetros de altitude, onde nunca estivemos [com a Roseta]. Esta informação será única, permitindo perceber como funciona a atmosfera do cometa, como ela se liberta do seu núcleo”, explica Matt Taylor, astrofísico da ESA que faz a ligação entre a equipa científica e a equipa de operações desta missão, respondendo ao PÚBLICO. “Além disso, as covas que existem perto do ponto de impacto [calculado para a sonda] são muito importantes. As paredes destas covas têm pequenas estruturas de um a três metros de diâmetro que acreditamos serem muito importantes na construção do cometa.”
Matt Taylor acompanha a missão há alguns anos e, como o resto da equipa da ESA, passou por momentos muito entusiasmantes mas que deixam qualquer um com os nervos à flor da pele. Por isso, perguntamos-lhe o que significa este ponto final? “Estamos apenas a dizer adeus à sonda. A ciência da missão continuará por muitos anos. É nisso que nos vamos concentrar a partir de agora. Foi por isso que, em primeiro lugar, elaborámos esta missão.”
Os cometas são agregados de minerais, poeiras e gelo. Muitos têm órbitas rebuscadas, diferentes das dos planetas. Quando estão mais perto do Sol, o calor acaba por aquecer o núcleo e a sua actividade lança poeiras para o espaço produzindo as icónicas caudas. O cometa Halley, que viaja da órbita de Plutão até um ponto entre Vénus e Mercúrio, pode ser observado da Terra a cada 75 ou 76 anos. A última vez que o vimos foi em 1986. Calcula-se que iremos voltar a vê-lo em 2061.
Numa conversa em 2014, Matt Taylor falava-nos sobre o fascínio destes fenómenos. “Os cometas são a aparição visual do espaço”, dizia. “É algo que aparece e desaparece, e vai em direcção a um sítio longínquo.” Como tal, num céu que parece igual todas as noites, estes objectos relembram-nos que lá fora há movimento e transformação, nada é estático. Por isso, tudo pode ser alvo da nossa curiosidade, ajudando-nos a compreender o Universo, como ele se formou e o que lhe vai acontecer.
Uma aventura científica
O interesse dos cientistas nos cometas está ligado ao estudo do início do sistema solar e da própria Terra. Objectos como o 67P/Churiumov-Gerasimenko foram formados mesmo no início de vida do sistema solar, há 4600 milhões de anos. Estes objectos não passaram pelos processos geológicos dos planetas. Por isso, podem dizer-nos mais sobre como eram os calhaus formados no início do sistema solar, que acabaram por ajudar a construir os planetas que conhecemos hoje.
É nesta tradição que surge a missão da Roseta, que começou a ser pensada no fim da década de 1980 como o passo seguinte da missão Giotto, uma sonda da ESA que a 13 de Março de 1986 passou a menos de 600 quilómetros do cometa Halley para o estudar. O nome da Roseta provém da famosa Pedra de Roseta, hoje no Museu Britânico, em Londres. Tal como a pedra ajudou a descodificar a antiga escrita egípcia de hieróglifos, permitindo o acesso dos egiptólogos a um manancial de informação sobre aquela antiga civilização, também a sonda está a ajudar a ler o cometa, abrindo a porta o início do sistema solar.
A sonda, com 2,8 metros de altura, 2900 quilos e dois painéis solares de 14 metros de comprimento, foi lançada da Terra a 2 de Março de 2004 e nos dez anos seguintes andou a dar voltas aos planetas interiores do sistema solar para, com ajuda da sua gravidade, conseguir alcançar o cometa 67P – que viaja entre a órbita de Júpiter e outro ponto entre a Terra e Marte.
Depois de ter fechado os olhos (entre 2011 e 2014, para poupar energia), voltou a abri-los e a aventura científica começou. A 6 de Agosto de 2014, a Roseta entrou finalmente na área de influência gravítica do 67P – um cometa que começou por ser apelidado de “pato de borracha” pela forma em que surgia nas primeiras imagens obtidas semanas antes, com um lóbulo maior (o corpo do pato) e outro mais pequeno (a cabeça). Mas nesse dia, pudemos finalmente observar a paisagem irregular, complexa e fascinante daquele estranho mundo alcançado pela Roseta.
A partir de então, os 11 instrumentos científicos da sonda começaram a analisar o 67P, desde a sua topografia até às partículas que liberta. Outro objectivo imediato foi delinear um local no cometa para o pequeno File: o robô com 100 quilos que a Roseta levou ao colo desde a Terra, programado para aterrar no 67P, enroscar-se no solo, e fazer várias análises com os seus dez instrumentos. A 12 de Novembro, a Roseta largou o File em direcção a uma planície no lóbulo pequeno do cometa. A descida foi escorreita, mas o robô não conseguiu agarrar-se ao solo e ressaltou algumas vezes, acabando por cair perto de uma ravina com pouca luz.
Como estava programado para trabalhar com luz solar, o robô funcionou apenas com a bateria carregada que levava. Apesar de ter feito uma série de experiências nesses poucos dias, trabalhou muito menos tempo do que a equipa tinha programado. “Há coisas a favor e contra por causa dos ressaltos do File – sem eles não teríamos descoberto o campo magnético do cometa, já que obtivemos leituras de mais de um lugar junto do solo. Além disso, não teríamos chegado a Albydos, que é um lugar belo”, diz Matt Taylor. “No entanto, por causa dos saltos, não fizemos ciência durante muito tempo. Ainda assim, foi uma missão que teve muito sucesso.”
"Dois anos maravilhosos"
O File voltou a acordar brevemente (em Junho de 2015), mas as comunicações com a Roseta e a Terra foram muito complicadas, e terminaram rapidamente. A maioria da ciência foi feita pela Roseta, que continuou a dar voltas ao 67P, e teve o privilégio de observar de perto a aproximação máxima do cometa ao Sol.
Ainda com muitos dados por analisar, a Roseta já deu algumas respostas sobre a natureza do 67P. “Descobrimos que se formou num lugar muito frio, longe do Sol, devido às observações de azoto e de oxigénio”, conta Matt Taylor, resumindo algumas das principais descobertas. “A existência de oxigénio molecular foi uma das maiores surpresas. O oxigénio é muito reactivo e encontrá-lo sozinho significa que foi aprisionado e congelado [no núcleo do cometa] logo no início do sistema solar. Descobrimos que o tipo de água no cometa é muito diferente da que existe na Terra. Isto sugere que foram os asteróides, e não os cometas, que trouxeram o maior bolo de água para a Terra [primitiva]. No entanto, encontrámos muitos compostos orgânicos no 67P: poderão ter chegado à Terra em grandes quantidades vindos nos cometas, proporcionando assim as sementes da vida.”
Esta quinta-feira à noite começa a descida da Roseta – a 3,24 quilómetros por hora – em direcção à superfície do 67P. Os cientistas da ESA decidiram pôr fim à missão porque a sonda está a envelhecer e começa a entrar numa região do espaço onde há pouca luz. Preferiram aproveitá-la para uma última experiência enquanto desce.
Estima-se que o impacto ocorra por volta das 11h40 de sexta-feira, hora de Lisboa. Nessa altura, a sonda irá desligar-se automaticamente. Se tudo correr como o programado, o sinal de “fim de emissão” chegará à Terra 40 minutos depois, às 12h20.
“Foi um projecto ambicioso e essa ambição levou a dois anos maravilhosos, em que recolhemos a melhor informação de sempre sobre um cometa, aprendendo assim como funciona e como está ligado ao sistema solar”, resume o astrofísico. “E as pessoas interessaram-se pela missão, todo o tipo de pessoas. Isso é óptimo!”