“Flagelo” de macas em enfermarias “é porta aberta para infecções hospitalares”

Falta de condições nas urgências também potencia contágios, referiu no Parlamento director do Programa de Prevenção e Controlo de Infecções e de Resistência aos Antimicrobianos.

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As unidades de isolamento nos hospitais são insuficientes Nelson Garrido

A existência de doentes instalados em macas colocadas em enfermarias de hospitais, que assim ficam sobrelotadas, “é um flagelo” que funciona “como uma porta aberta para as infecções hospitalares”, disse esta quarta-feira o director do Programa de Prevenção e Controlo de Infecções e de Resistência aos Antimicrobianos, Paulo André Fernandes, na comissão parlamentar especializada em saúde. A audição foi pedida pelo Bloco de Esquerda na sequência de mais um episódio recente de uma infecção com uma bactéria resistente, no Centro Hospitalar Conde Ferreira, no Porto.

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A existência de doentes instalados em macas colocadas em enfermarias de hospitais, que assim ficam sobrelotadas, “é um flagelo” que funciona “como uma porta aberta para as infecções hospitalares”, disse esta quarta-feira o director do Programa de Prevenção e Controlo de Infecções e de Resistência aos Antimicrobianos, Paulo André Fernandes, na comissão parlamentar especializada em saúde. A audição foi pedida pelo Bloco de Esquerda na sequência de mais um episódio recente de uma infecção com uma bactéria resistente, no Centro Hospitalar Conde Ferreira, no Porto.

Portugal é um dos países com maior taxa de infecção hospitalar e com uma alta mortalidade associada na União Europeia. O relatório Portugal – Prevenção e Controlo de Infecções e Resistência aos Antimicrobianos (termo usado como sinónimo de antibiótico), apresentado este ano, concluía que as infecções hospitalares estiveram associadas a 4606 mortes (em 2013), sete vezes mais do que as vítimas mortais em acidentes de viação. Estimativas a nível mundial prevêem que, em 2050, se a situação não for controlada, possam morrer mais pessoas devido a resistências aos antibióticos do que ao cancro.

Falando de Portugal, o responsável notou que há factores “estruturais” que potenciam a transmissão de infecções hospitalares, nomeadamente “as condições de internamento”. Referiu-se a este propósito “ao flagelo” da colocação de macas com doentes em enfermarias hospitalares, que assim ficam sobrelotadas, com pouco espaço entre doentes e com os médicos e enfermeiros adequados ao número de camas e não às macas extra. “Macas numa enfermaria são porta aberta para a infecção hospitalar.”

Um outro problema mencionado pelo responsável foi a inexistência de unidades de isolamento em número suficiente nos hospitais para manter isolados os doentes infectados com bactérias resistentes, evitando assim o contágio a outros doentes, situação que também foi referida pelo deputado socialista António Sales. Paulo André Fernandes acrescentou ainda que “é indiscutível que o ratio entre o número de enfermeiros e doentes influencia as infecções.”

Outro problema “é o próprio funcionamento das urgências”, onde os doentes são, por vezes, mantidos demasiado tempo e onde, muitas vezes, não é possível mantê-los isolados. Os profissionais de saúde das urgências respondem-lhe, muitas vezes, que trabalham em condições “de medicina de catástrofe”. “Quando os serviços de urgência funcionam de forma proverbial é muito difícil implementar medidas de isolamento. Os serviços de urgência são um dos nós górdios da infecção”, sublinhou.

“O vestuário [dos profissionais de saúde] é um tema quente” nesta área, disse também, relembrando que “o uso de anéis, pulseiras, gravatas e unhas de gel são práticas contra-indicadas, uma vez que favorecem a transmissão da infecção”.

O director do Programa de Prevenção e Controlo de Infecções e de Resistência aos Antimicrobianos notou que estes são problemas “estruturais”, mas que existem outras razões para explicar o aumento da mortalidade por infecção hospitalar. Desde logo, o facto de se hospitalizarem doentes cada vez mais vulneráveis, mais idosos, com quadros de saúde mais graves, usando práticas médicas e cirurgias mais agressivas, para situações de doença que há uns 20 anos não eram sequer tratadas.

Portugal conseguiu, apesar de tudo, fazer descer os números ao nível do consumo de antibióticos prescritos fora dos hospitais e de algumas resistências a antibióticos, mas há situações mais preocupantes, disse. O responsável admitiu que “o principal problema” prende-se com a bactéria Klebsiella pneumoniae resistente a carbapenemes (KPC). Carbapenemes é o nome dado aos antibióticos de muito largo espectro que são usados para combater infecções graves em meio hospitalar e a que os médicos recorrem quando as outras armas terapêuticas não funcionam.

Em Fevereiro deste ano, o Centro Hospitalar e Universitário de Coimbra detectou a bactéria multirresistente Klebsiella pneumoniae em 21 doentes internados, sendo que apenas oito desenvolveram mesmo a infecção. Foram confirmados três óbitos. No ano passado tinha havido uma situação com a mesma bactéria no Hospital de Gaia. Estes foram efectivamente “surtos”, disse o responsável, referindo que o problema detectado, no início de Setembro, no centro hospitalar Conde Ferreira recentemente não se tratou de um surto.

A deputada do CDS, Isabel Galriça Neto, referiu que o abuso na prescrição de antibióticos se sente também “em doentes em fim de vida”, nomeadamente com a prescrição de carbapenemes, o que significa que estes fármacos estão a ser usados “como uma medida médica fútil”. "Há sobreuso de antibióticos para doentes que deles não beneficiam”, criticou, o que pode ser considerada uma prática de “obstinação terapêutica”. A deputada refere-se a uma norma do Código Deontológico dos Médicos que dita que o médico se deve abster de tratar doentes sem esperança, poupando-os a sofrimento inútil.

Na passada quarta-feira, a Assembleia Geral das Nações Unidas dedicou, pela primeira  vez, uma sessão ao tema da resistência aos antibióticos, uma situação que é invulgar e que só aconteceu, na área da saúde, com três temas (Ébola, HIV e doenças crónicas), referiu o responsável.

Em resumo, os antibióticos vieram revolucionar, a partir da década de 1940, o tratamento dos doentes com infecções (com a penicilina), contribuindo muito para a redução das mortes em doenças até então eram letais, como a tuberculose. Mas o seu uso, frequentemente inadequado (um exemplo clássico é usá-lo para gripes que são causadas por vírus e não bactérias), promoveu a emergência de bactérias resistentes e multirresistentes, assim chamadas porque resistem ao tratamento de uma ou mais classes de antibióticos. Resultado? O antibiótico está neste momento ameaçado de perda de eficácia. E as infecções hospitalares precisam de antibióticos eficazes para serem debeladas.