O cessar-fogo que todos achavam que iria falhar, falhou

Exército sírio confirma fim das tréguas. Em Alepo, espera-se há sete dias por ajuda humanitária. Mas foram os bombardeamentos que regressaram.

Foto
Habitantes dos bairros rebeldes em Alepo continuam sem ter acesso a ajuda humanitária Karam al-Masri / AFP

Entre acusações, o Exército sírio declarou o fim do regime de cessar-fogo, sete dias depois do seu início. Um comunicado, citado pela AFP, acusa os rebeldes de não terem respeitado "nem uma das disposições" do acordo alcançado pelos EUA e a Rússia.

A verdade faz-nos mais fortes

Das guerras aos desastres ambientais, da economia às ameaças epidémicas, quando os dias são de incerteza, o jornalismo do Público torna-se o porto de abrigo para os portugueses que querem pensar melhor. Juntos vemos melhor. Dê força à informação responsável que o ajuda entender o mundo, a pensar e decidir.

Entre acusações, o Exército sírio declarou o fim do regime de cessar-fogo, sete dias depois do seu início. Um comunicado, citado pela AFP, acusa os rebeldes de não terem respeitado "nem uma das disposições" do acordo alcançado pelos EUA e a Rússia.

Quase ao mesmo tempo em que o cessar-fogo era enterrado por Damasco, Alepo voltava a ser bombardeada. De acordo com o Observatório Sírio dos Direitos Humanos, vários aviões (que não foram identificados como russos ou sírios) atingiram bairros controlados pelos grupos rebeldes e algumas aldeias a Oeste da cidade fazendo feridos e mortos.

No domingo, os bairros rebeldes Alepo já tinham sido bombardeados, embora não se conheça ainda o número de vítimas. Damasco diz que durante a última semana, as forças rebeldes violaram as tréguas em mais de 300 ocasiões.

Antes do anúncio, já um dirigente da oposição síria tinha descrito o cessar-fogo como "clinicamente morto". Também Zakaria Malahifji, dirigente do grupo de oposição Fastaqim, foi citado pela Reuters a dizer que o acordo "falhou e está terminado".

O acordo foi sempre encarado com cepticismo por todas as partes envolvidas no conflito, embora todos reconhecessem a necessidade e urgência de uma acalmia nos combates, sobretudo para que fosse prestada ajuda às zonas cercadas. Um dos maiores entraves à implementação do cessar-fogo é a dificuldade prática em separar no terreno os grupos considerados "moderados" pelos EUA de formações como por exemplo a Fatah al-Sham (antes conhecida como Frente al-Nusra), que não foi abrangida pelo acordo. A iniciativa era igualmente vista como uma das últimas oportunidades para que o Presidente norte-americano, Barack Obama, conseguisse lançar as bases para uma resolução política da guerra civil antes de abandonar a Casa Branca.

O anúncio surge dias depois do bombardeamento de posições do Exército sírio em Deir Ezzor (leste), que desferiu um duro golpe na necessária confiança entre os dois mediadores das tréguas. Foram mortos mais de 60 soldados sírios durante bombardeamentos pela coligação internacional liderada pelos EUA – Assad falou em "agressão flagrante"; a Rússia condenou a "negligência criminosa" do ataque.

Durante a primeira semana de cessar-fogo, apenas foram autorizados ataques contra os únicos alvos partilhados pelos EUA e Rússia entre eles o autoproclamado Estado Islâmico e alguns grupos classificados como terroristas que lutam contra o regime de Assad.

O secretário de Estado norte-americano, John Kerry, mostrava-se mais optimista e dizia, à margem da Assembleia-Geral da ONU em Nova Iorque dedicada à crise global dos refugiados, que as tréguas, embora "frágeis", estavam a "aguentar-se". Uma leitura diferente foi dada por Moscovo para quem o cessar-fogo deixou de ter sentido. "Tendo em conta que os rebeldes não respeitam o regime de cessar-fogo, o seu respeito unilateral por parte das forças governamentais não tem sentido", disse o general Serguei Rudskoi. Para esta terça-feira está marcada uma reunião do Grupo de Apoio Internacional à Síria em Nova Iorque para "avaliar" o estado do acordo de cessar-fogo.

No final dos sete dias iniciais de tréguas, Washington e Moscovo deveriam passar a coordenar ataques conjuntos contra posições dos grupos terroristas. O objectivo final era o de preparar o país para uma transição política, embora o futuro de Assad continuasse a separar as duas potências.

Ajuda sem chegar

Uma semana depois do início do período de cessar-fogo na Síria, a ajuda humanitária continua sem chegar às zonas rebeldes cercadas pelo Exército e a paz momentânea parece ter chegado ao fim. John Kerry garantiu, porém, que os camiões com os bens cada vez mais essenciais estão "em vias de serem encaminhados". 

Permanecem bloqueados há já uma semana 20 camiões com ajuda humanitária na fronteira turca que deveriam chegar aos bairros de Alepo controlados pela oposição ao Presidente, Bashar al-Assad. Só nesta zona habitam mais de 250 mil pessoas com acesso muito limitado a água, comida e medicamentos.

“Estou magoado e desapontado por uma frota de camiões das Nações Unidas ainda não ter atravessado a Síria a partir da Turquia e alcançar de forma segura Alepo”, disse esta segunda-feira o sub-secretário-geral da ONU para os Assuntos Humanitários, Stephen O’Brien. Kerry garantiu, por seu turno, que a assistência humanitária deveria chegar ainda esta segunda-feira para ser distribuída em "oito locais diferentes", localizados no norte da Síria.

Um dos objectivos do acordo de cessar-fogo alcançado entre os Estados Unidos e a Rússia – principais potências aliadas das várias partes do conflito sírio – era o de permitir a entrega de ajuda humanitária nas zonas cercadas. Porém, as forças governamentais sírias ainda não garantiram a segurança necessária para que o trajecto dos camiões da ONU possa ser realizado.

A frota de 20 camiões seria parte da ajuda destinada a apoiar 185 mil pessoas em Alepo, uma das cidades mais massacradas pela guerra civil de seis anos. A maioria da cidade é controlada pelas forças leais a Assad, que têm cercados os bairros controlados pelas forças rebeldes.

A ONU quer também fazer chegar ajuda a outras partes do país, mas continua sem obter garantias de segurança por parte de Damasco. “Espero que todas as partes do conflito, e todos aqueles com influência sobre elas, vejam a frota como uma oportunidade para seguir em frente”, afirmou O’Brien.