A incerteza não acabou no Brasil, segundo a Bienal de São Paulo
Protesto de alguns artistas interrompeu conferência de imprensa de apresentação de exposição internacional de artes plásticas.
Jochen Volz, o curador principal da Bienal de São Paulo, que esta quarta-feira abre ao público no Brasil e já está a receber visitas profissionais, começou a conferência de imprensa com alguma subtileza. “Ibirapuera”, o nome do parque onde Oscar Niemeyer construiu o pavilhão modernista que alberga a bienal, quer dizer, na língua tupi, “madeira apodrecida”, explicou o curador alemão, a residir no país há mais de dez anos e que fala um português perfeito. Fazia a sua introdução poética ao tema ambiental da 32.ª edição da bienal, Incerteza Viva, dizendo que o sítio onde estávamos já tinha sido um pântano.
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Jochen Volz, o curador principal da Bienal de São Paulo, que esta quarta-feira abre ao público no Brasil e já está a receber visitas profissionais, começou a conferência de imprensa com alguma subtileza. “Ibirapuera”, o nome do parque onde Oscar Niemeyer construiu o pavilhão modernista que alberga a bienal, quer dizer, na língua tupi, “madeira apodrecida”, explicou o curador alemão, a residir no país há mais de dez anos e que fala um português perfeito. Fazia a sua introdução poética ao tema ambiental da 32.ª edição da bienal, Incerteza Viva, dizendo que o sítio onde estávamos já tinha sido um pântano.
Havia uma ou outra T-shirt negra onde se lia “Fora Temer” entre a assistência, ecos da manifestação que no fim-de-semana levou milhares à Avenida Paulista, mas a ecologia e os problemas ambientais pareciam prometer para a bienal apenas uma política verde. Depois, mais directo, Volz disse que ao contrário do que Michel Temer prometeu há quase uma semana aos brasileiros — quando tomou posse como Presidente e fez o seu discurso —, “a incerteza não acabou” e a bienal “quer falar dela”, “desvinculando-a do medo”. Mas, mesmo assim, ainda talvez estivéssemos no domínio de que tudo-é-política, muito mais o aquecimento global com os desequilíbrios económicos e sociais que acarreta. “Incerteza não é igual a crise. Incerteza viva é sentida em todo o lado, do corpo aos campos. Ela gera entusiasmo. E a arte alimenta-se da incerteza.”
Um pouco depois vieram os números da bienal: 81 artistas e colectivos presentes, 33 países, 340 obras, “com quase 70 por cento de trabalhos comissionados ou mostrados pela primeira vez”. Há cinco artistas portugueses que foram escolhidos pela equipa de cinco curadores — Lourdes Castro, Carla Filipe, Gabriel Abrantes, Priscila Fernandes e Grada Kilomba —, revelando, como o resto da bienal, uma maioria de mulheres entre os artistas escolhidos. E houve várias residências artísticas feitas no último ano para a bienal, da Amazónia peruana a Santiago do Chile, passando pela cidade de São Paulo.
Júlia Rebouças, a curadora brasileira, já falou mais directamente de combate político, quando evocou a obra presente na exposição do artista argentino Víctor Grippo (1936- 2002), Naturalizar o Homem, Humanizar a Natureza, um nome fundamental do conceptualismo e da arte povera, ligado à resistência política na América Latina durante os anos 1970, e que abordava questões sociais e políticas a partir dos objectos ou produtos mais insignificantes ou invisíveis como a batata. Era a época em que “a gente passava pela violência dos governos autoritários na América Latina”, disse a curadora, dando depois um salto para o passado dia 31 de Agosto, data do impeachment da ex-Presidente Dilma Rousseff. “Isso nos coloca perante a necessidade de uma mobilização colectiva.”
Quase uma performance
Já no final da conferência de imprensa, depois de terem falado os mecenas, o presidente da bienal e todos os cinco curadores, a apresentação foi interrompida por uma dezena de artistas, com T-shirts escritas com os slogans “Temer Jamais”, “Directas Já”, “Eu Quero Votar para Presidente” e a gritar, ininterruptamente, “Fora Temer, fora Temer. Golpistas, fascistas, não passarão”. Protestavam contra o Governo de Michel Temer e denunciavam, ao mesmo tempo, a detenção de um grupo de 26 jovens no domingo, antes da manifestação na Avenida Paulista.
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Por momentos, quase que parecia uma performance, das muitas previstas para esta bienal nos próximos dias, onde o corpo ganhou relevância na sua relação com o planeta. Mas foi um curador principal um pouco nervoso que retomou a apresentação, dizendo que a Bienal de São Paulo “se dedica a defender um espaço pluralista”. “Nos últimos meses, o cenário político se tornou mais instável, por isso as questões que inspiraram Incerteza Viva cresceram exponencialmente.”
Um dos jornalistas brasileiros presentes, Amauri Arrais, já tinha previsto que algo de semelhante pudesse acontecer nos próximos dias, quando comentava, a nosso pedido, no início da conferência de imprensa, o aparecimento de algumas T-shirts com “Fora Temer”. Apesar de o teor da bienal não lhe ter parecido muito político, tem sido “bem comum” nos eventos culturais dos últimos tempos, peças de teatro ou espectáculos musicais, o surgimento deste tipo de protestos contra Temer, incluindo dos próprios artistas (Chico Buarque estava ao lado de Lula da Silva numa das sessões do impeachment).
Segundo os relatos da imprensa brasileira, entre os artistas que protestaram, estavam os brasileiros Jonathas de Andrade e Christiano Lenhardt ou a peruana Rita Ponce de León, todos com obras poderosas na bienal.
Mais tarde, interrogado pelo PÚBLICO sobre se tinha havido alguma alteração programática com o decorrer do ano político brasileiro, pensada pelos próprios curadores ou proposta pelos artistas, Volz disse que a crise política sempre esteve presente nas discussões com todos os artistas. “Mas também ficou claro que os assuntos que nós pusemos em discussão desde o início são um pouco as questões que estão em foco actualmente.”
E a política mais pura e dura? “Isso é jogo de poder, uma briga que com certeza é movida por outras coisas: exploração de minério, de água, de petróleo, isso são os motivos que fazem este jogo político. Tem uma outra agenda por detrás da discussão parlamentar. Essa discussão são os temas que estão altamente presentes na bienal, em discussão pelos artistas, pelas obras, por vários diálogos.” Mas sim, responde o comissário principal, quando a crise política se instalou profundamente, interrogaram-se se fazia sentido continuar a trabalhar na direcção que tinham escolhido. “Isso foi discutido.”
Se alguns artistas, mesmo assim, sentiram a necessidade de interromper a conferência de imprensa, Jochen Volz, tal como Júlia Rebouças, são da opinião, como explicaram ao PÚBLICO, que eles não quiseram deixar passar a oportunidade de protestar perante quase 400 jornalistas acreditados na bienal, muitos deles estrangeiros.
“Adicionalmente a todo o discurso que estamos propondo através da exposição, se dá uma possibilidade de expor o descontentamento com aquilo que está a acontecer politicamente.” O curador é da opinião que foi um movimento espontâneo dos artistas, e a bienal, como uma plataforma plural, “tem de ter espaço para isso”. “É importante dar espaço ao protesto e espero que vá gerar discussões boas no futuro.”
Júlia Rebouças lembra que há uma Oficina de Imaginação Política, um workshop dedicado à imaginação política, considerado uma instalação, que vai durar os três meses da bienal. “A arte é extremamente permeável às urgências do presente. A catástrofe de Mariana, o tema da obra de Carolina Caycedo, foi um ponto de inflexão importante para a pesquisa, porque todos fomos directamente afectados, e ali percebemos que Incerteza Viva ganhava peso. Acho que os acontecimentos políticos dos últimos anos estão em todos nós.” A curadora vê, pessoalmente, no 31 de Agosto, um golpe parlamentar e “a arte dá-nos muitas chances de reorganização e mobilização”.
Ao final da tarde desta segunda-feira no Brasil, o primeiro-ministro António Costa e o ministro da Cultura Luís Filipe Castro Mendes iam fazer uma visita privada à bienal, já com as portas fechadas.
O PÚBLICO viajou a convite da Fundação Bienal de São Paulo