A internacional nacionalista
Por mais que os comentadores nos gritem aos ouvidos que “é a economia, estúpido”, os votos são também a política e a cultura, esperto.
O estado alemão de Mecklemburgo-Pomerânia Ocidental tem apenas quatro por centro da população nascida num país estrangeiro (a média alemã é quase o triplo: onze por cento). E está, é claro, inserido num país onde a taxa de desemprego desceu para os valores mais baixos desde há 25 anos: seis por cento.
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O estado alemão de Mecklemburgo-Pomerânia Ocidental tem apenas quatro por centro da população nascida num país estrangeiro (a média alemã é quase o triplo: onze por cento). E está, é claro, inserido num país onde a taxa de desemprego desceu para os valores mais baixos desde há 25 anos: seis por cento.
No entanto, este é o estado onde nas eleições deste domingo o partido anti-refugiados, anti-imigração e anti-UE “Alternativa para a Alemanha”, ou AfD, obteve mais de vinte por cento dos votos, chegando ao segundo lugar no resultado final — acima do partido de Angela Merkel.
Estes resultados vêm comprovar que, por mais que os comentadores nos gritem aos ouvidos que “é a economia, estúpido”, os votos são também a política e a cultura, esperto. E têm razões que a razão desconhece. Mais uma vez, — tal como em França e na Inglaterra do "Brexit" — são as regiões que têm menos imigrantes que mais medo têm deles, e não necessariamente por terem o desemprego alto ou rendimentos baixos. O voto anti-imigrante num estado ou numa região com poucos imigrantes é um voto pela identidade. Um voto que mascara o medo de se ficar para trás com a insistência em ficar-se como se está.
Aquilo de que nos esquecemos é que as pessoas — pobres ou ricas, metropolitanas ou provincianas, urbanas ou rurais, velhas ou jovens — votam por ideias. As ideias que fazem de si mesmas, do seu país e do mundo, do seu futuro e do futuro dos seus. Ideias boas ou más, mas as ideias que estão disponíveis no contexto em que se movem.
E nos últimos anos tem-lhes sido cada vez mais vendida a ideia de que a forma de lidar com as angústias do mundo é através do nacionalismo: a supremacia da nação sobre todas as outras formas de organização. Para tudo o que está a correr mal, o que é necessário é dar (ou devolver, dizem eles) o poder à nação para decidir de outra maneira. Dizem-no Farage e Trump, Le Pen e Wilders, e agora os alemães da AfD. Cada um deles pode ser mais a favor do estado ou do mercado, mas todos apresentam a nação como solução.
A direita conhece bem o veneno do nacionalismo: foi ela que o sintetizou. Quanto à esquerda, o assunto é mais preocupante: a atual tendência para louvar a escala nacional como solução para os nossos problemas económicos e como única possibilidade de materialização da democracia revela uma autêntica capitulação intelectual perante a direita. Metade dos votos da AfD vêm dos partidos de esquerda SPD e Die Linke, que têm ambos derivado para uma semi-ortodoxia nacionalista. Ora, se a esquerda for repetindo que a solução para a economia está na nação, não se admire se o seu eleitorado passar a acreditar que a solução para tudo está na nação: para meia ortodoxia, ortodoxia completa.
O pior de tudo isto é que provavelmente ninguém acredita verdadeiramente que as soluções para os nossos problemas — das alterações climáticas à crise do refugiados, das multinacionais que fogem aos impostos à automação que nos vai roubar os empregos — estejam mesmo no regresso à nação. Vender essa ideia aos eleitores só vai tornar tudo mais intratável mais depressa.
Historiador, fundador do Livre