Porchat não morreu, foi só para a Record (e já ultrapassou Jô Soares)
O humorista e principal rosto do Porta dos Fundos estreou um talk-show televisivo.
“Morreu ou foi para a Record?” A popular expressão brasileira diz tudo sobre o grau de risco do mais recente capítulo da carreira do humorista Fábio Porchat. O fundador e principal rosto do fenómeno Porta dos Fundos trocou (parcialmente) o YouTube e os seus milhões de seguidores pela televisão. E, na televisão, Porchat estreou na noite de quarta-feira um talk-show em nome próprio não na todo-poderosa Globo mas na Record, a rede menos popular e apetrechada onde as carreiras minguam até desaparecer.
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“Morreu ou foi para a Record?” A popular expressão brasileira diz tudo sobre o grau de risco do mais recente capítulo da carreira do humorista Fábio Porchat. O fundador e principal rosto do fenómeno Porta dos Fundos trocou (parcialmente) o YouTube e os seus milhões de seguidores pela televisão. E, na televisão, Porchat estreou na noite de quarta-feira um talk-show em nome próprio não na todo-poderosa Globo mas na Record, a rede menos popular e apetrechada onde as carreiras minguam até desaparecer.
A manobra era arriscada mas correu bem melhor do que o esperado. Segundo dados provisórios do Ibope (Instituto Brasileiro de Opinião e Pesquisa), o Programa do Porchat, difundido depois da meia-noite, bateu as emissões rivais do histórico Jô Soares (Globo) e Danilo Gentili (SBT). O late night da Record somou 8,8 pontos no mercado-chave da Grande São Paulo (cada ponto equivale a cerca de 70 mil domicílios), contra os 6,5 de Jô e os 4,9 de Gentili. As audiências superaram as metas internas da Record, que segundo O Estado de São Paulo apontavam para seis pontos no Ibope, e o humorista acabou por celebrar o triunfo com a equipa na mesma noite num bar da capital paulista.
A ultrapassagem a Jô Soares assume especial significado. Não só pelo domínio absoluto ao longo de décadas do humorista naquele formato televisivo, como também pelo facto de ter sido no seu programa que Porchat foi descoberto. Estávamos em 2002 e a futura estrela do YouTube, então com 18 anos, assistia à gravação na plateia com a turma da escola. Porchat, de camisola da selecção portuguesa, conseguiu convencer Jô e a produção do programa a apresentar um pequeno número baseado na série Os Normais, e o sucesso foi instantâneo.
Para além das audiências históricas, a estreia do Programa do Porchat está a ser bem acolhida pela crítica. No portal UOL, parceiro do PÚBLICO, o colunista Mauricio Stycer escreve que a primeira emissão “mostrou para quem ainda não conhecia todas as qualidades do actor e humorista” alguém “inteligente, simpático, engraçado, [que] sabe rir de si mesmo, tem raciocínio rápido e comunica bem com o público”. O único problema, nota o crítico, foi o naipe relativamente desinteressante de convidados: Sasha Meneghel, que Porchat descreveu como “a anónima mais famosa do Brasil” (trata-se da filha de Xuxa), e o cantor de forró Wesley Safadão. Esta é uma questão que o rosto da Porta dos Fundos já antevia meses antes da estreia, ao dizer que a impossibilidade de convidar as estrelas da Globo seria uma séria “limitação”.
Para além das entrevistas, em que Porchat se sobressaiu claramente em relação aos convidados, o destaque do programa iria sempre para os sketches humorísticos em que o actor e guionista se encontra como peixe na água. E aí Porchat manteve o tom auto-depreciativo trazido do colectivo Porta dos Fundos. Na introdução, o humorista foi recebido com estalos pelas estrelas da Record, que expressaram preocupação sobre as audiências e menorizam a popularidade de Porchat nas redes sociais. “A televisão aberta engole essa sua Internet no café da manhã”, rosnava o apresentador Rodrigo Faro. Era uma piada, mas era também o reconhecimento de um choque geracional: os brasileiros menos jovens, que ainda consomem cultura e informação principalmente através da televisão, passam ao lado do fenómeno do Porta dos Fundos; os mais jovens, os ditos nativos digitais da geração Netflix, já não incluem a televisão no seu dia-a-dia.
Num segundo momento, Porchat, de 33 anos, foi precisamente tentar ensinar aos millennials o que é que é isso da televisão. “Sabe quando o seu pai está na sala, sentado no sofá olhando a parede, e na parede tem uma tela preta? Isso é que é a televisão”, contava a um grupo de adolescentes e jovens adultos incrédulos. “É tipo um tablet gigante!”, respondiam. “É, só que não dá para levar para lado nenhum, fica preso na parede e liga-se na tomada”, explicava Porchat. E como é que podiam ver o programa? Clicava-se em algum sítio, como no YouTube ou no Netflix? Não, havia que esperar “nove horas, até à meia-noite”. E Porchat perde imediatamente a atenção dos jovens para o smartphone.
Será possível converter os millennials à televisão do século passado? Porchat e a Record reconhecem que será uma tarefa difícil e, pelo menos esta quinta-feira, o programa estava disponível na íntegra no YouTube.
E a Porta dos Fundos? Por agora, mantém-se aberta. Esta quinta-feira, o grupo publicou um novo sketch protagonizado pelo actor. Porchat aparece para dizer que não morreu, que foi só para Record.