NWR, pornógrafo de bolso
Se ao menos Nicolas Winding Refn perturbasse. Se ao menos Nicolas Winding Refn chocasse. NWR? Graçola à parte, o que há dentro da griffe?
Nicolas Winding Refn, na ausência de David Lynch ou de Lars von Trier – a rivalidade com o compatriota Trier é pública, mas Lars, reconheça-se, tem feito melhores conferências de imprensa, mais melancolicamente perversas... – surge como pobre substituto.
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Nicolas Winding Refn, na ausência de David Lynch ou de Lars von Trier – a rivalidade com o compatriota Trier é pública, mas Lars, reconheça-se, tem feito melhores conferências de imprensa, mais melancolicamente perversas... – surge como pobre substituto.
Se se passar os olhos (e os ouvidos) pelas entrevistas que tem dado a propósito de O Demónio de Néon, onde o convencimento reina, ressaltam aqueles statements definitivos, com tom paternalista, sobre a era da internet: não interessará já se um filme é bom ou mau, o que interessa é o filme provocar reacções. Assim como ele (se) anuncia, parece ave de rapina em cenário pós-apocalíptico, a aproveitar-se do caos, moral raquítica e sentido de oportunidade aguçado.
A sua notoriedade, depois de alguns filmes em que andou a penar, não foi imediata mas tem hoje a espectacularidade de um fenómeno youtube: um dia cansa, porque está obviamente a perder forças na capacidade de insultar, e passaremos ao seguinte. Custa a acreditar, já foi considerado o Melhor Realizador em Cannes, por Drive, 2011, dois anos depois esmurrou essa construção homoerótica, Ryan Gosling (em Só Deus Perdoa, a propósito do qual disse: “Sou um pornógrafo e faço filmes sobre o que me excita”), as coisas não lhe saíram tão bem nessa altura (ele adora uma boa vaia de rejeição – é aquilo de provocar reacções) e insiste agora, desta vez colocando os homens no devido lugar e fazendo um filme com as mulheres em primeiro plano. Continuando a sua exploração da “beleza”.
Preparem-se que isto parece Mulholand Drive. Rapariga jovem chega ao mundo da moda em Los Angeles, a sua beleza vai despertar a inveja de concorrentes, prontas a devorá-la, mas a vitalidade de Jesse/Elle Faning e o seu narcisismo também querem ser alimentados. Já se está a ver para que tipo de cenas Nicolas Winding Refn esfrega as mãos: cadáveres e canibalismo. É tudo literal, mas obviamente sem atingir o espectador com o impacto do desastre, como Lynch conseguia, e sem a perturbação da carne dos primeiros filmes de David Cronenberg que, esses sim, chegavam como se nos dessem notícias de terrenos contíguos ao porno mais do que vizinhos do terror. E claro: afectando ser um radar crítico do nosso tempo, aproveita-se de tudo o que faz o espectáculo do nosso tempo.
Se ao menos Nicolas Winding Refn perturbasse. Se ao menos Nicolas Winding Refn chocasse.
As visões de Lynch (para voltar a ele...) contaminaram a moda. Nicolas Winding Refn vai à moda buscar "os filmes" dos outros. Quer dizer: não sai do portfolio. Desde o primeiro plano que um filme de terror sobre o mundo da moda é filmado, sem qualquer ressonância de um estremecimento interior, como sucessão de planos decorativos, naturezas mortas. NWR visionário? Graçolas à parte, o que há dentro da griffe?