Um ministro fora da Caixa
Tivéssemos o Bloco e o PCP fora da “geringonça” e há muito que esta triste fita estaria nos radares da denúncia indignada.
1. O ministro das Finanças não tem culpa pela derrapagem do défice em 2015, não tem responsabilidade pela aflição de Angola que ensombra as perspectivas de crescimento nem tem de carregar com o fardo da tormenta que paira sobre o sector financeiro português. Mas ninguém de bom senso o pode desculpar por ter deixado a Caixa Geral de Depósitos andar à deriva durante os últimos sete meses. Ninguém o pode perdoar pela lassidão com que assistiu à degradação do estado já de si aflitivo do banco público. Custa a perceber como é que um economista tido como competente foi capaz de passar todo este tempo de costas voltadas para a actual administração, de ouvidos tapados para o Banco de Portugal, surdo cego e mudo a todos os sinais de aconselhavam urgência na Caixa. Custa a entender como, aflito e desnorteado, se deixou manietar por um incompreensível caderno de exigências que a nova administração, que ele próprio escolheu, lhe impôs. Custa também a perceber por que razão António Costa passou ao lado deste problema. A falta que o Bloco e o PCP fazem na oposição...
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1. O ministro das Finanças não tem culpa pela derrapagem do défice em 2015, não tem responsabilidade pela aflição de Angola que ensombra as perspectivas de crescimento nem tem de carregar com o fardo da tormenta que paira sobre o sector financeiro português. Mas ninguém de bom senso o pode desculpar por ter deixado a Caixa Geral de Depósitos andar à deriva durante os últimos sete meses. Ninguém o pode perdoar pela lassidão com que assistiu à degradação do estado já de si aflitivo do banco público. Custa a perceber como é que um economista tido como competente foi capaz de passar todo este tempo de costas voltadas para a actual administração, de ouvidos tapados para o Banco de Portugal, surdo cego e mudo a todos os sinais de aconselhavam urgência na Caixa. Custa a entender como, aflito e desnorteado, se deixou manietar por um incompreensível caderno de exigências que a nova administração, que ele próprio escolheu, lhe impôs. Custa também a perceber por que razão António Costa passou ao lado deste problema. A falta que o Bloco e o PCP fazem na oposição...
Há pelo menos um ano que se sabe que a Caixa precisa de ser recapitalizada. Há muitos meses que se deu por certo que teria de ser alvo de uma reestruturação que a ajustasse aos dias difíceis que se vivem no sistema financeiro. A gravidade dos problemas recomendava a clarificação do destino da sua gestão, fosse pela recondução da actual equipa, cujo mandato terminou em Dezembro, fosse pela nomeação de uma nova. O Governo, porém, reagiu ao incêndio com o pasmo digno do incendiário. Deixou andar e só no final de Maio anunciou que o novo presidente executivo seria António Domingues, em trânsito da direcção do BPI. Tinham passados cinco meses de vazio na gestão da Caixa, mas nem assim o anúncio correspondeu a um ponto final na gestão corrente. Ainda hoje, um mês e meio depois, Domingues espera que o Governo satisfaça as suas exigências para tomar posse do cargo.
Mário Centeno entrou no Governo com o papel de manilha de trunfos. O seu ar sorumbático empresta-lhe serenidade e distanciamento para ser duro nas Finanças – ele só se ri por embevecimento ou deslumbre quando encontra Schauble ou Dijsselbloem nas reuniões do Eurogrupo. Nos bastidores, porém, Centeno não deixa memória por ser contemporizador ou por ter imaculada a propensão cristã para o perdão. A sua inimizade com Carlos Costa, ao que se sabe justificada por um diferendo laboral quando o ministro passou pelo Banco de Portugal, levam-no a assumir com excessiva frequência o “papel de avançado contra o banco central”, como escreveu esta semana Helena Garrido no Observador. Não se percebe que razões teria Mário Centeno contra a ainda equipa que gere a Caixa, mas o que parece evidente é todos é que a tratou com indiferença e com desprezo. Foi essa atitude que levou os presidentes executivo e não executivo do banco, José de Matos e Álvaro Nacimento, a pedirem a sua demissão do cargo. Centeno respondeu-lhes denunciando um desvio de 3000 milhões no plano de negócios, o que foi justamente considerado no editorial do PÚBLICO do dia 6 como “irresponsável e perigoso”.
Curiosamente, se Centeno tem sido jactante e soberbo perante os actuais administradores, a sua tolerância para com o timing e as exigências do seu eleito, António Domingues, mostram um ministro no limiar da submissão. Domingues anda há semanas a estudar a situação da Caixa, a obter informações estratégicas sobre a situação do banco, a negociar a recapitalização com instâncias nacionais e europeias, não apenas para se inteirar dos problemas como para avaliar se o emprego lhe interessa. No mundo normal, o Governo desenharia uma estratégia e escolheria um gestor para a aplicar; no mundo de Centeno, o gestor escolhe a estratégia e só se responsabiliza pela sua execução se ficar livre de qualquer risco. Percebe-se a sua cautela. Já não se percebe que o Ministério das Finanças fique assim paralisado e assista impávido e sereno a esse sequestro da sua responsabilidade política.
Vivaço como sempre, o Presidente da República deu conta desse paradoxo no texto que justificou a promulgação do novo estatuto dos gestores públicos, que não passa de um fato à medida das ambições salariais da próxima administração. Marcelo Rebelo de Sousa estranha que se fale primeiro de salários e depois do plano de reestruturação que estará na mente de Domingues. O “estatuto remuneratório da gestão” aparece como a “primeira peça e quase decisiva”, quando “deveria, em rigor, ser instrumental relativamente à estratégia definida”, denuncia o Presidente. Ainda assim, o decreto foi promulgado. Para evitar “o agravamento do risco de paralisia da instituição”.
Até que o assunto se resolva, podem passar semanas e até lá a Caixa continuará paralisada, a perder negócios e valor, a deixar nos seus trabalhadores e clientes a sensação de tempo perdido, a servir de emblema à incompetência e à irresponsabilidade. Com o Governo rendido a António Domingues (que neste filme faz o que lhe interessa e lhe compete, não podendo por isso ser censurado), com o Ministério das Finanças atado numa teia de compromissos que exigem tempo que há muito se esgotou, o país olha para o que vê e só se pode espantar. Tivéssemos o Bloco e o PCP fora da “geringonça” e há muito que esta triste fita estaria nos radares da denúncia indignada. Tivéssemos o PSD e o CDS com a cabeça no lugar e o descaso da Caixa teria sido trazido à luz do dia sem a demagogia com que impuseram uma comissão parlamentar de inquérito. Mas, entretidos com as sanções e os saltos de Ronaldo, assistimos a esta lúgubre constatação de que, na Caixa, não é apenas o património público que se desperdiça; é também a autoridade e credibilidade do Estado que se esvai.
2. A ida de Durão Barroso para o Goldman Sachs é uma excelente notícia. Porque, finalmente, Durão saiu do armário. Porque ele se manterá afastado da política portuguesa durante não se sabe quanto. Porque, uma vez mais, ele deu uma prova pública da sua verdadeira essência política – a de um trânsfuga cujos valores se medem pela vaidade, pela influência e pelo cheque do final do mês. Depois da miserável prestação na farsa dos Açores com George W. Bush, depois de deixar o seu país “de tanga” para ir para Bruxelas, depois de ter sido o protagonista da submissão da Comissão Europeia ao primado do poder intergovernamental, Durão Barroso vira banqueiro porque, na essência, para ele o mundo sempre girou em torno dos negócios. Não fosse assim, ele seguiria o exemplo dos grandes homens públicos e daria aulas, escreveria as suas reflexões, proferiria conferências, interviria do alto do seu saber e devolveria à comunidade o que a comunidade lhe ajudou a acumular. Como não passa de videirinho, está onde deve estar.