Massacre de Daca obriga mundo a encarar ameaça da jihad na Ásia
Ataque do Estado Islâmico no bairro diplomático da capital do Bangladesh fez vinte mortos. Há receios de que o grupo esteja a ganhar força na região.
A presença do autoproclamado Estado Islâmico no Bangladesh era negada pelo Governo até sexta-feira, quando sete homens entraram num restaurante na zona mais vigiada da capital e mataram vinte pessoas, na sua maioria estrangeiros. O ataque constitui a maior demonstração de força do grupo terrorista no Sudoeste Asiático.
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A presença do autoproclamado Estado Islâmico no Bangladesh era negada pelo Governo até sexta-feira, quando sete homens entraram num restaurante na zona mais vigiada da capital e mataram vinte pessoas, na sua maioria estrangeiros. O ataque constitui a maior demonstração de força do grupo terrorista no Sudoeste Asiático.
O bairro de Gulshan, em Daca, era considerado um dos poucos lugares seguros na capital do Bangladesh. É lá que se concentra a maioria das embaixadas e os seus estabelecimentos costumam ser frequentados pela comunidade de estrangeiros, sobretudo os empresários ligados ao sector têxtil, base da economia local. E, no entanto, foi num conhecido restaurante da zona, à hora de jantar num fim-de-semana, que o terror já antecipado por muitos se materializou.
Eram 21h20 (menos cinco horas em Portugal continental) quando sete homens armados forçaram a entrada no restaurante Holey Artisan Bakery. Lançavam gritos de “Deus é grande!” (Allahu Akbar) enquanto abriam fogo. E assim se deu início a um sequestro que duraria 12 horas. Familiares dos reféns contaram sábado ao jornal Daily Star que os atacantes exigiram às vítimas que recitassem extractos do Corão — quem não o fizesse era morto ou torturado.
O ataque deixou vinte mortos “retalhados com armas afiadas”, segundo o porta-voz do Exército, Nayeem Chowdhury, entre os quais pelo menos nove italianos, sete japoneses e um norte-americano. Há relatos de que também há cidadãos do Bangladesh entre os mortos, ao contrário do que tinha sido inicialmente divulgado. O Estado Islâmico reivindicou o ataque, através do site Amaq, que funciona como uma espécie de agência de notícias do grupo terrorista.
11 mil detidos
Nos últimos meses, acumularam-se as evidências de que um atentado deste género poderia acontecer no Bangladesh. O país de maioria muçulmana tem sido dominado por uma onda de violência sectária, mas este ataque marca algumas diferenças. Até agora, os alvos eram direccionados e incluíam bloggers considerados ateus, professores com visões progressistas, membros das minorias cristã e hindu e, mais recentemente, activistas LGBT.
O Governo da primeira-ministra Sheikh Hasina, visto como secular, lançou uma vasta operação policial marcada por detenções arbitrárias e abusos das forças de segurança. Só entre 10 e 16 de Junho foram detidas nada menos do que 11 mil pessoas, a esmagadora maioria sem qualquer ligação a organizações terroristas. “Depois de uma resposta lenta e complacente a estes ataques horrendos, as forças de segurança do Bangladesh estão novamente a cair nos velhos hábitos e a reunir os ‘suspeitos do costume’, em vez de fazerem o trabalho duro de levar a cabo investigações sérias”, acusava recentemente o director para a Ásia da Human Rights Watch, Brad Adams.
Ao mesmo tempo, o Governo nega que o Estado Islâmico se tenha implantado no país, preferindo culpar a oposição política, sobretudo o Jamaat-e-Islami, partido de inspiração islamista. “Esta acusação pode não ser totalmente falsa”, admite o especialista do Centro Woodrow Wilson, Michael Kugelman, num artigo na revista National Interest, em co-autoria com o académico Atif Jalal Ahmad. “Mas recusar que grupos para além dos principais opositores políticos de Daca estão por trás da intensificação de violência extremista no Bangladesh é ingénuo na melhor das hipóteses, e perigoso na pior.”
Uma província?
Em Novembro, o Estado Islâmico apelou à expansão das acções dos seus seguidores no Bangladesh. Nos últimos dois anos, houve várias notícias de detenções de indivíduos acusados de tentarem recrutar militantes para se juntarem à jihad do Estado Islâmico e, num relatório de Fevereiro de 2015, um especialista da Jamestown Foundation alertava que “a crescente influência do Estado Islâmico no Bangladesh dá sinais de mais problemas no futuro”.
O grupo terrorista não conseguiu ainda estabelecer uma base de apoio estável no Bangladesh, semelhante à que dispõe na Líbia, por exemplo. Mas é através de pequenas organizações agora enfraquecidas, como a Jamaat-ul-Mujahideen ou a Ansar al-Islam (com ligações à Al-Qaeda), que o Estado Islâmico tem levado a cabo as suas acções. “A natureza dos ataques terroristas solitários deve-se à situação doméstica única presente no Bangladesh: um pequeno grupo sem ligações a nenhum grupo pode matar uma única pessoa e alcançar o máximo de devastação e publicidade”, escreve na Foreign Policy a especialista Sarah Kaiser-Cross.
Há já algum tempo que se discute qual o verdadeiro grau de influência que o Estado Islâmico exerce no Sudoeste Asiático. À medida que vai perdendo terreno na Síria e no Iraque — países onde fundou um “califado” no Verão de 2014 e que são o centro da sua acção global — o grupo tenta expandir o seu domínio. Calcula-se que é de países como as Filipinas, Malásia e Indonésia que perto de mil combatentes se tenham juntado às suas fileiras e há receios que entretanto tenham regressado. O Soufan Group, que estuda os fenómenos de radicalização e extremismo, prevê que o Estado Islâmico tenha condições de fundar uma província na região ainda este ano.