Só a música nos salvará
A canção portuguesa do Euro 2016 é a adaptação de uma célebre balada de Pedro Abrunhosa, “Tudo o que eu te dou”. Nada me move contra a canção, que pertence já ao nosso cancioneiro pop. Julgo até que seria perfeita, por exemplo, para a participação portuguesa na Taça Davis em câmara lenta. Na nossa festa do futebol, porém, temo que a dramatização romântica seja particularmente perigosa.
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A canção portuguesa do Euro 2016 é a adaptação de uma célebre balada de Pedro Abrunhosa, “Tudo o que eu te dou”. Nada me move contra a canção, que pertence já ao nosso cancioneiro pop. Julgo até que seria perfeita, por exemplo, para a participação portuguesa na Taça Davis em câmara lenta. Na nossa festa do futebol, porém, temo que a dramatização romântica seja particularmente perigosa.
Recorde-se como, no primeiro jogo, os cânticos de euforia viking dos minoritários islandeses encheram o estádio, o que tem como única explicação razoável, suponho, o facto de os portugueses presentes se terem dedicado a trautear a canção, sussurro a sussurro e olhos nos olhos até ao abraço comovido e meio lamechas, sem olhos no relvado.
Em 1986, Carlos Paião e Herman José criaram o hino dos hinos. Ritmo de arraial e táctica bem definida: “Vamos lá cambada, todos à molhada, qu’isto é futebol total”. Viemos rapidamente para casa, mas o tom definiu um modelo. Europeu e Mundial são festa popular, euforia de Verão, bailarico do bom. No Euro 2000, ouvimos os versos “vem vibrar com a Europa / vem sonhar e ver a bola” enrolados em tecno de Eurovisão e adocicados com as doses correctíssimas de azeite (nacional) e avançámos até às meias-finais. Já no Mundial de 2010 traíram-nos essa identidade com a parolice globalizada do “I got a feeling” e o destino ficou traçado. Nas palavras imortais de Ronaldo, “assim não vamos lá, Black Eyed Peas”.
Em crónica aqui publicada recentemente, Patrícia Carvalho reconduziu a discussão sobre o Euro à questão fundamental: a superstição. Porém, neste nosso torneio dos empates, julgo que nem uma extraordinária união de esforços supersticiosos será suficiente.
Guardemos a canção oficial para quando formos campeões e se multiplicarem reportagens a puxar pelo sentimentalismo. Entretanto, caro Pedro, urge trabalhar. Que tal adaptar o refrão de “Não posso mais”, ideal para cântico comunal? Ou o azimute afiado com palavrão bem medido de “Talvez foder”? Pense nisso. Nem Ronaldo, nem superstição. O nosso futuro está nas suas mãos.