Marcelo e os caminhos do consenso
Há várias formas de levar a água ao moinho. O Presidente deu pistas sobre a sua.
Pode-se especular sempre sobre se os recados do Presidente da República se dirigiam a algum partido ou protagonista em particular ou se visavam todo o espectro partidário. Mas sempre se pode dizer, objectivamente, que o discurso do PSD ontem, na Assembleia da República, na cerimónia comemorativa do 42.º aniversário do 25 de Abril, foi o mais desconforme com o espírito das palavras do chefe de Estado, no que elas transmitiram de apelos ao consenso e de olhar em direcção ao futuro. Ontem, ficou claro que os sociais-democratas continuam desconfortáveis com a nova situação política, estão longe de assimilar a sua condição de principal partido da oposição e o futuro de que falam é excessivamente igual ao passado, que acabou por lhes retirar o poder. E daí que o seu discurso, protagonizado por Paula Teixeira da Cruz, tenha sido um repositório de queixas, acusações e até com um cheirinho de visão do inferno. Uma amostra significativa: “Se continuarmos a assistir ao discurso da intolerância, à desonestidade intelectual dos argumentos e até às atitudes persecutórias dos últimos tempos (…); se continuarem a olhar com suspeição os partidos e opiniões que não alinham com o poder (…), então o problema da democracia em Portugal poderia tornar-se mais profundo e levar não só a uma crise de confiança nas instituições, mas também a uma crise de confiança dos portugueses uns nos outros.”
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Pode-se especular sempre sobre se os recados do Presidente da República se dirigiam a algum partido ou protagonista em particular ou se visavam todo o espectro partidário. Mas sempre se pode dizer, objectivamente, que o discurso do PSD ontem, na Assembleia da República, na cerimónia comemorativa do 42.º aniversário do 25 de Abril, foi o mais desconforme com o espírito das palavras do chefe de Estado, no que elas transmitiram de apelos ao consenso e de olhar em direcção ao futuro. Ontem, ficou claro que os sociais-democratas continuam desconfortáveis com a nova situação política, estão longe de assimilar a sua condição de principal partido da oposição e o futuro de que falam é excessivamente igual ao passado, que acabou por lhes retirar o poder. E daí que o seu discurso, protagonizado por Paula Teixeira da Cruz, tenha sido um repositório de queixas, acusações e até com um cheirinho de visão do inferno. Uma amostra significativa: “Se continuarmos a assistir ao discurso da intolerância, à desonestidade intelectual dos argumentos e até às atitudes persecutórias dos últimos tempos (…); se continuarem a olhar com suspeição os partidos e opiniões que não alinham com o poder (…), então o problema da democracia em Portugal poderia tornar-se mais profundo e levar não só a uma crise de confiança nas instituições, mas também a uma crise de confiança dos portugueses uns nos outros.”
Assim se percebe a tarefa hercúlea a que se propõe o Presidente, que aproveitou a data da Revolução de Abril para deixar claro que o eixo fundamental do seu programa de acção assenta na obtenção de um conjunto de consensos em torno de matérias como a “vitalização do sistema político ao traçado e estabilidade do sistema financeiro, ao sistema de Justiça e à Segurança Social”. Marcelo Rebelo de Sousa não escamoteou as dificuldades, mas teve a inteligência de encontrar virtualidades naquilo que parece estar irremediavelmente dividido. E foi aí que deixou os seus avisos à navegação. É boa a existência de dois blocos alternativos com lideranças, projectos e modelos distintos, porque isso é clarificador para as escolhas dos portugueses e é o tónus da democracia. Mas adverte que não basta estar instalado no poder ou na oposição, prometendo o que não pode ou limitando-se a destruir sem ser capaz de contrapor, para merecer a confiança do eleitorado. Ou seja, o Presidente não vai ficar pendente de uma espécie de póquer político em que os partidos vivem em permanente bluff escondido com eleições de fora. O discurso não revelou até onde irá o Presidente para desmontar eventuais tentações eleitoralistas, mas Marcelo fez questão de frisar que os líderes partidários podem sair a qualquer momento, ao passo que a “natureza” do seu mandato lhe confere uma ligação umbilical aos eleitores e apenas deles depende. Não o disse, mas é um facto, que o seu investimento no afecto é a fórmula mágica para a subida em flecha da sua popularidade, isto é, influência e força política essencial para obrigar aos tais consensos.