Marcelo & Costa, os novos best friends forever?
O novo ciclo político trouxe protagonistas diferentes: Marcelo e Costa. Encenando cumplicidade política, surpreendem o país com a mudança nas relações entre Presidente e primeiro-ministro. Mas ambos sabem que não são correligionários. O PÚBLICO reconstitui o perfil da nova cooperação institucional.
Há menos de três semanas o país viu, através da comunicação social, Marcelo Rebelo de Sousa, António Costa, Eduardo Ferro Rodrigues e Joaquim Sousa Ribeiro juntos, em Leiria, a assistirem ao jogo de futebol particular entre as selecções de Portugal e da Bélgica. Um quarteto de amigos, que nada teria de especial, não fossem eles as quatro principais figuras da hierarquia do Estado: Presidente da República, presidente da Assembleia da República, primeiro-ministro e presidente do Tribunal Constitucional.
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Há menos de três semanas o país viu, através da comunicação social, Marcelo Rebelo de Sousa, António Costa, Eduardo Ferro Rodrigues e Joaquim Sousa Ribeiro juntos, em Leiria, a assistirem ao jogo de futebol particular entre as selecções de Portugal e da Bélgica. Um quarteto de amigos, que nada teria de especial, não fossem eles as quatro principais figuras da hierarquia do Estado: Presidente da República, presidente da Assembleia da República, primeiro-ministro e presidente do Tribunal Constitucional.
O momento inusitado surgiu pela iniciativa de Marcelo Rebelo de Sousa que propôs a António Costa irem juntos ao futebol. O convite foi logo aceite. E os dois decidiram estendê-lo aos representantes dos outros dois órgãos de soberania, durante a mesma conversa. Uma das inúmeras que têm havido entre ambos, presencialmente ou por telefone, já que se telefonam com assiduidade, “no mínimo, uma vez por dia”.
O tom do relacionamento entre o Presidente e o primeiro-ministro está a surpreender os portugueses, do cidadão comum ao comentador político. A novidade da forma como Marcelo e Costa mostram publicamente que se entendem deixa desprevenidos os mais preparados analistas. Está por definir o conceito que explica esta nova maneira de as principais figuras do Estado se relacionarem. Depois da “convergência estratégica” da presidência de Cavaco Silva, como irá Marcelo chamar ao seu exercício da magistratura de influência?
A verdade é que, para fora, transpira uma imensa cordialidade e simpatia mútua e a relação entre Presidente e primeiro-ministro deixa adivinhar uma enorme cumplicidade. Será que esta é mesmo real? Serão mesmo Marcelo e Costa os “melhores amigos” ou apenas exibem uma amizade encenada mediaticamente? Será que este clima vai durar para sempre? Estaremos a assistir a uma nova réplica do que, no debate do programa de Governo do PS, Paulo Portas chamou aos acordos entre PS, BE e o PCP: os “best friends forever?”
É unânime a ideia de que o motor deste novo ciclo é Marcelo Rebelo de Sousa, um político experiente e um constitucionalista que "tem noção que o seu poder no topo da hierarquia do Estado é proporcional à sua popularidade”, confessa um amigo. O novo Presidente “tem grande capacidade de expressão” e isso marca uma diferença grande “depois de anos em que a população se sentiu vetada ao abandono”, sem políticos que transmitissem calor humano, afirma um dirigente socialista, “ele está a entrar na casa das pessoas”. Mas, acrescenta, “ele sabe que tem um limite, ele saberá quando cansa”. Além disso, Marcelo “tem cumprido o que prometeu” antes de ser eleito e repetiu no discurso de posse: dar estabilidade ao país e ultrapassar o clima de permanente campanha eleitoral e crispação política. Como o próprio Presidente costuma dizer aos mais próximos, recorrendo a uma expressão que era usada por Salazar: “Temos de viver habitualmente.”
Ora, quando um Presidente com as características de Marcelo e com o objectivo de tranquilizar o país se junta a um primeiro-ministro envolvente o resultado é óbvio: um espectáculo de cumplicidade e proximidade. Para mais quando - diz quem os conhece - os dois têm traços comuns de personalidade. “Vê-se que são dois grandes conversadores” e “têm ambos sentido de humor”. E um próximo de Marcelo acrescenta que “são duas pessoas inteligentes que gostam de conversar, duas pessoas politicamente sabidas que gostam de jogar.”
Um destacado socialista contrapõe que “os dois não são protagonistas vulgares da política e Costa é muito directo e sintético, não gosta de perder tempo, isso faz um ambiente construtivo”. E um dirigente do PS salienta a história comum de ambos. No início a década de oitenta do século XX, Marcelo foi professor de Costa na Faculdade de Direito da Universidade de Lisboa, quando Marcelo foi presidente do PSD (1996-1998), Costa era secretário de Estado e depois ministro dos Assuntos Parlamentares, além de que quando a mãe de Costa, Maria Antónia Palla, foi despedida da RTP, em conjunto com Maria Elisa Domingues, Diana Andringa e Margarida Marante, Marcelo telefonou ao antigo aluno oferecendo um parecer em defesa das quatro, que fez.
Além disso, acrescenta um próximo de Marcelo, “a cooperação institucional decorre do texto constitucional, é suposto o Presidente dar-se bem com primeiro-ministro que nomeou, faz parte do normal funcionamento das instituições, estas não foram criadas para andarem às turras”. Por isso, o Presidente fez questão de pôr fim ao discurso do “Governo a prazo” e de “pacificar a Assembleia”.
Mas há quem alerte para que ninguém se iluda: “Há cumplicidade que é conjuntural, que tem a ver com território que ambos pisam, o da pura política, mas nem Marcelo ignora quem Costa é, nem Costa ignora quem Marcelo é.” E um analista alerta para que “o que estamos a discutir é política”. Marcelo está “a fazer a gestão política”, isso “favorece o diálogo com António Costa, que também não tem um discurso económico”.
Ou seja, “são dois políticos, têm linguagem política comum e estão a gerir o ciclo, dialogam” e esse “diálogo é mais fácil com alguém que está do outro lado com a mesma linguagem”. O mesmo analista pormenoriza mesmo que “acabou a tecnocracia, a linguagem agora não é cortes, não é décimas, não é troika”. E acrescenta que há entre Marcelo e Costa “conhecimento pessoal, mas o que está em causa é a primazia da política”. E conclui: “Há, portanto, cumplicidade, mas é uma cumplicidade de princípio, não de objectivos nem de métodos”.
E um amigo de Marcelo acrescenta: “É bom lembrar que Marcelo fez questão de afirmar, durante a campanha eleitoral, que estava convencido que tinha sido Costa o responsável pelas piores rasteiras que lhe fizeram quando concorreu contra Jorge Sampaio à Câmara de Lisboa e Costa era director de campanha de Sampaio. Ele não esqueceu e sabe que Costa, se precisar, volta a fazer.” Já um próximo de Costa garante: “O primeiro-ministro e o Governo não têm ilusão de que tudo são rosas, nem que teremos cinco anos de lua-de-mel”. E remata: “Assim como Costa não é o primeiro-ministro de Marcelo, Marcelo não é o Presidente de Costa.”
Costa legitima-se
Mas não é só pela personalidade e pela atitude de Marcelo como Presidente que esta relação se joga. Um socialista ouvido pelo PÚBLICO considera que “é natural que parta de Costa a colagem a Marcelo, porque é a forma de se legitimar”. Tendo perdido as eleições e chefiando um Governo que assenta na legitimidade constitucional e parlamentar e se baseia em acordos inéditos com o BE e o PCP, Costa busca na aparente cumplicidade com o Presidente uma legitimidade extra.
Fá-lo, ostentando uma quase conivência do Presidente em relação às suas políticas, citando-o amiúde e exageradamente, como aconteceu quando apresentou o Programa Nacional de Reformas. E um amigo do Presidente sublinha: “Costa cola-se a Marcelo, é certo, Marcelo podia sacudir, mas porquê e para quê? Já basta quando tiver de chumbar diplomas.” E com esta atitude, o Presidente tem conseguido influenciar, salienta um membro do Governo: “Ele avisou que não promulgava a lei dos exames do 4º e 6º ano e introduzia exame no 2º. Houve trabalho para mudar o diploma e para negociar com o Presidente e ficou decidido que as escolas escolhem e que só para o ano haverá exames no 2º, 5º e 8º ano.”
Por outro lado, o foco central de Marcelo é a normalização do país e a busca de condições para o desenvolvimento. Um amigo do Presidente adverte: “Se agência canadiana de rating nos baixa a classificação, Portugal vai ao charco. A Europa quer que este Governo caia para governar a partir de Bruxelas, para continuar a predominar, como aconteceu durante quatro anos, mas o patriotismo de Marcelo leva-o a opor-se ao centralismo e ao domínio de Bruxelas”.
Na mesma linha de raciocínio, se explica por que razão o Presidente concertou com o primeiro-ministro a estratégia para o sistema bancário: “É Bruxelas que decide que os bancos portugueses têm Angola a mais? Que têm espanhóis a menos? É mais fácil governar uma região da Península e não um país?” E acrescenta que foi a preocupação com a situação nacional que levou Marcelo, antes mesmo de tomar posse, a avisar o presidente da Comissão Europeia, Jean-Claude Juncker: “Isto não é para deitar abaixo. Enquanto o Governo se aguentar eu não deito abaixo. Portugal não servirá de exemplo para a Europa.”
Também um socialista considera que não passa de mera cooperação devida entre órgãos de soberania, alinhar posições para que o Estado diga a mesma coisa em matéria de sistema bancário e de União Europeia: “Quando o presidente do La Caixa visita o Presidente português e o primeiro-ministro é bom que ouça a mesma resposta e que o Estado português não fale a duas vozes”. E um histórico do PS lembra que é lógico que Presidente e primeiro-ministro se preocupem e coordenem sobre a estabilização do sistema bancário já que “não há crescimento da economia sem que os bancos comecem a emprestar”.
Um amigo de Marcelo frisa que a situação da Europa está a favor de Costa, já que “a União Europeia tem mais em que pensar: a Espanha está sem governo, a Inglaterra ameaça sair, os refugiados continuam sem solução”. E pergunta: “Será que a Europa vai fazer ultimato a Portugal por causa de dez décimas do défice?” Para mais quando Costa mostra que “pode fazer o que a Europa manda, mas fazer diferente e até consegue espernear e dar caneladas”.
A coordenação entre ambos em matéria europeia tem sido explícita, e após o Plano Nacional de Reformas e o Programa de Estabilidade serem consensualizados com BE e PCP e, depois, com Bruxelas, e aprovado em definitivo, será a vez de passar à segunda fase em harmonia e cooperação institucional, explica um dirigente do PS: “O dinheiro para investimento começa a ser libertado no segundo semestre, e entram em vigor medidas como a baixa do IVA para a restauração.”
Normalizar e desdramatizar
Assim, o tom entre Marcelo e Costa, que muitos vêem como camaradagem, é da parte do Presidente a tentativa de normalização e desdramatização da vida política. Exemplo máximo foi a forma como Marcelo falou ao país para dizer que tinha promulgado o Orçamento do Estado. “Não foi uma comunicação solene, mas foi grave e estão lá os avisos”, explica ao PÚBLICO um próximo do Presidente, acrescentando: “O Parlamento e a União Europeia tinham aprovado, ele tinha de aprovar. Em não havendo aprovação da União Europeia, vamos ver se ele promulga ou não.” Já um socialista destaca: “Marcelo disse que o OE não tinha inconstitucionalidades, não tinha de o dizer e dizê-lo é um selo. Quanto a pedir rigor, é claro que tinha de o fazer.”
Um outro socialista acrescenta: “Marcelo não improvisa. O que foi tido como improviso na comunicação sobre Orçamento é claro que não foi. Foi anteriormente organizado, pensado e memorizado. Os dois combinaram o dia da promulgação, ser dia 28 para não cair a entrada em vigor a 1 de Abril”. Uma capacidade de planeamento que é confirmada por um amigo do Presidente: “Quando tomou posse Marcelo tinha tudo organizado até ao Verão e os discursos também feitos. É evidente que serão actualizados, mas sabia o que queria dizer em cada momento. O 25 de Abril está organizado, o 10 de Junho também.” Uma atitude que tem sido correspondida pelo primeiro-ministro. “Entre Marcelo e Costa é tudo muito bem combinado”, diz um socialista.
Um membro do Governo disse ao PÚBLICO que o executivo “tem-se empenhado em colaborar, fê-lo na organização da tomada de posse, na vinda de Mário Draghi”. E claro, já combinaram em conjunto, os dois mais o presidente da Assembleia da República a sua presença nos jogos da selecção no Europeu. Assim, Marcelo e Costa levam o 10 de Junho a Paris e o Presidente janta com a seleção. Ferro Rodrigues vai a 14 assistir ao primeiro jogo de Portugal, Costa assiste ao segundo a 18 ao lado do primeiro-ministro austríaco e Marcelo vai ao terceiro da fase de apuramento.
Os interlocutores ouvidos pelo PÚBLICO são peremptórios, porém, em afirmar que ninguém se iluda com o tom dialogante e a aparente cumplicidade mediatizada entre Marcelo e Costa. “Marcelo é de direita, a solução de Governo tem o mérito de ser constitucional, de ser estável até ver, mas não é o Governo do seu coração, se ele tiver de votar, vota no outro” diz um próximo de Marcelo, que acrescenta que o Presidente “não quer este Governo, quem o quer é Costa”. Mas salienta que “a solução é constitucional e politicamente correcta, o Presidente não tem razão para perturbar ou invalidar”, e é um facto que “a solução do Governo é muito imaginosa, é nova, merece um 18 e para um professor de Ciência Política, de Direito Constitucional e Administrativo é curioso ver se funciona mesmo”.
Um analista político lembra que “esta maioria não é a que Marcelo gosta mais, não é a que considera melhor para o país, não é suficientemente sólida para resolver problemas que só se conseguem desbloquear com Bloco Central, para as grandes reformas estruturais não é solução”, mas por agora não há alternativas e o Presidente tem de aguentar”.
À espera do PSD
Até porque não tem contraponto de Governo. “O Presidente não pode convocar eleições sem alternativa credível e não se vai imolar para satisfazer Passos Coelho. Se convocasse eleições, o PS ganhava”, diz ao PÚBLICO um membro da direcção do PSD.
Há quem lembre a difícil relação entre o actual e o antigo líder do partido. “Passos Coelho fez tudo o que podia para não eleger Marcelo Rebelo de Sousa e estendeu-lhe o dedo e deu-lhe uma lição de como deve exercer a magistratura de influência”, diz outro dirigente do PSD, criticando o facto de Passos ter ocupado mais de cinco minutos do discurso de encerramento do Congresso a explicar como entendia que o Presidente deveria exercer os seus poderes. Outro dirigente do partido sustenta que, “no PSD, há quem não tenha gostado da atitude de Passos para com Marcelo”, pois foi de “reserva pessoal e até de acinte”, o que é “incompreensível num líder que ganhou eleições, mas não assegurou maioria parlamentar e perdeu o poder, face a um Presidente eleito com 52%”.
Já um amigo de Marcelo considera que “o PSD precisa do Presidente da República, mas este precisa do PSD forte para não ter de carregar o Governo ao colo”. E sublinha: “Ele é caloroso, adora gostar de pessoas e que pessoas gostem dele. Costa sabe isso e explora isso. Enquanto Passos insiste em apanhar moscas com vinagre. A candidatura de Marcelo fez-se apesar de Passos e depois contra Passos. E este ainda não reconheceu que a vitória foi de Marcelo.” Além de ter proposto “uma direcção que está reduzida aos fiéis dos fiéis, não houve abertura a outras correntes” e dar uma imagem de quem “está zangado com todos e sozinho”.
Por sua vez, um dirigente do PSD que é próximo de Passos explica que a questão do Presidente da República não preocupa o líder do PSD, uma vez que “Passos achou que Marcelo não é variante da relação de poder, que esta relação é entre ele e Costa e que o tempo dirá quem tem razão”. Por outro lado, este responsável do PSD crítica a forma como o Presidente tem exercido o seu mandato. “Do ponto de vista do que é ser Presidente não é assim que se exerce o mandato”, afirma, explicando: “Não é ao Presidente que cabe anunciar, em estilo Marques Mendes, que uma eurodeputada vai ser chamada a prestar serviço na área financeira, assim como não cabe ao Presidente comentar os ministros.”
À espera que o PSD se reencontre, de acordo com as informações obtidas pelo PÚBLICO, tudo indica que o Presidente acredita que o Governo durará pelo menos até às autárquicas, embora se preveja esse período como o mais complicado para o Executivo já que estará em negociação o Orçamento do Estado para 2018. Mas um histórico do PS adverte: “Estou convencido que Marcelo não dissolve se não houver problemas na coligação. Também havendo crise na coligação, não será Marcelo a chamar Jerónimo de Sousa e Catarina Martins para aclamar a crise. Aí convoca eleições.”
*BFF = Best friends forever