A semana horribilis de Costa
Tudo começou com a demissão de um governante que prometeu esbofetear dois colunistas e vai acabar (irá?) com a tomada de posse de três novos elementos na equipa de António Costa. Pelo meio, um ministro debaixo do fogo dos militares e negócios entre amigos beliscaram o estado de graça do Governo.
Passaram-se exactamente 139 dias desde que o XXI Governo Constitucional tomou posse e ainda não tinha havido uma fase tão difícil de gerir para António Costa. Foi uma semana, de quinta a quinta, que começou com o agora ex-governante João Soares a prometer “duas salutares bofetadas” a dois cronistas do PÚBLICO e que terminará esta quinta-feira, previsivelmente, com a tomada de posse do novo ministro da Cultura, do novo secretário de Estado da Cultura e do novo secretário de Estado do Desporto e Juventude, já que o anterior protagonizou uma demissão-relâmpago na terça-feira à noite.
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Passaram-se exactamente 139 dias desde que o XXI Governo Constitucional tomou posse e ainda não tinha havido uma fase tão difícil de gerir para António Costa. Foi uma semana, de quinta a quinta, que começou com o agora ex-governante João Soares a prometer “duas salutares bofetadas” a dois cronistas do PÚBLICO e que terminará esta quinta-feira, previsivelmente, com a tomada de posse do novo ministro da Cultura, do novo secretário de Estado da Cultura e do novo secretário de Estado do Desporto e Juventude, já que o anterior protagonizou uma demissão-relâmpago na terça-feira à noite.
Essa é, aliás, outra história que ajuda a compor a semana horribilis de Costa. E é preciso juntar, também, a demissão do Chefe de Estado Maior do Exército, na sequência das declarações do subdirector do Colégio Militar sobre a exclusão daquela instituição de alunos homossexuais, que originaram a forte contestação de todo o sector militar ao ministro da Defesa Nacional, Azeredo Lopes.
E o caso do amigo de António Costa, Diogo Lacerda Machado, finalmente contratado (o que não o impediu de ser chamado ao Parlamento, para ser ouvido no dia 27) para prestar serviços ao Estado depois de alguns meses a funcionar como negociador informal – o caso ganhou relevância depois de uma entrevista de Costa ao Diário de Notícias à TSF em que o chefe do Governo se refere ao negociador como o seu "melhor amigo há muitos anos”.
A semana de António Costa foi passada a gerir crises, mais do que a gerir o país. Incluiu uma passagem de 24 horas pela Grécia, com visita a um campo de refugiados e a assinatura de um documento antiausteridade conjunto (de António Costa e Alex Tsipras, seu homólogo grego). Uma atitude absolutamente antagónica à do Governo PSD/CDS, que sempre defendeu a ideia de que Portugal não era um caso semelhante ao da Grécia, que não cumpria memorandos de entendimento com as instâncias internacionais que lhe prestavam auxílio financeiro, nem podia correr o risco de parecer que era, aparecendo a seu lado no plano internacional.
Ainda há estado de graça
Perante dias tão críticos, é caso para perguntar: acabou o estado de graça do Governo? Pedro Marques Lopes, comentador do programa televisivo Eixo do Mal, acha que não. "António Costa vive um estado de graça que advém do facto de terem sido recuperados os rendimentos. Algumas das suas decisões foram apreciadas com amplo consenso social”, explica. Com uma ajuda de Marcelo Rebelo de Sousa, que “sendo um Presidente da República muito popular, também contribui para o estado de graça de Costa”, o primeiro-ministro continua em alta.
Porém, admite Pedro Marques Lopes, esta sucessão de casos permite tirar uma conclusão. “Costa tem uma atitude um bocadinho régia. Isso notou-se no caso de Diogo Lacerda Machado. O primeiro-ministro reagiu como se ninguém tivesse nada a ver com quem ajuda ou não ajuda o Governo. Além da questão da transparência, esse episódio mostra uma espécie de arrogância, um traço que começa a ficar claro e que é preocupante”, avalia Pedro Marques Lopes.
Para o comentador, foi essa mesma atitude que esteve na origem da escolha de alguns dos seus ministros que agora estão debaixo de fogo – como o da Defesa Nacional, Azeredo Lopes, e o da Educação, Tiago Brandão Rodrigues. “São dois casos nítidos de escolhas ‘porque sim’. Azeredo Lopes tem experiência política, mas para o cargo em causa é uma coisa do tipo ‘quero, posso e mando.’ Não houve a preocupação de saber as implicações que a escolha teria. Quanto a Tiago Brandão Rodrigues não é político, nem percebe rigorosamente nada de educação”.
As primeiras dúvidas sobre a governação de Tiago Brandão Rodrigues instalaram-se assim que o ministro anunciou a substituição de alguns exames por provas de aferição, já depois de o ano lectivo se ter iniciado. Mas nos últimos tempos, alargaram-se aos que começaram por defender a sua escolha. Como Carlos Fiolhais, professor universitário e ensaísta. Na última terça-feira, no PÚBLICO, Fiolhais escrevia que criticava “o ministro a contragosto” e dedicava três colunas a fazer o balanço dos seus primeiros meses – na altura em que o seu artigo foi escrito, ainda não era conhecida a demissão do secretário de Estado da Juventude e Desporto. “A sua mudança foi apressada. Não houve nenhum estudo fundamentado nem nenhum debate público. Foi uma medida tomada apenas com base em preconceitos, de natureza ideológica, que vingam em certos sectores do PS e dos seus parceiros”.
Primeiros testes ao Governo
Pedro Adão e Silva, professor no ISCTE-IUL e comentador, olha para a última semana como um período de ajuste por que todos os Governos passam. “No fundo, é comum haver estas remodelações nos primeiros meses. Só quem passa nestes primeiros testes é que fica na equipa”, conclui. “António Costa livrou-se de alguns troublemakers”, acrescenta.
Apesar de não encontrar um padrão entre os vários casos da semana – o do Colégio Militar, o do amigo negociador, o da demissão no Desporto e Juventude e o das salutares bofetadas – Pedro Adão e Silva reconhece que o clima beliscou o estado de graça de António Costa. Não mais do que isso. “É o primeiro problema de gestão política interna do Governo, mas tem mais a ver com nomes do que com medidas”.
No caso de João Soares, por exemplo, o comentador lembra que António Costa “respondeu, distanciando-se”, o que permitiu que “o comportamento apenas ficasse associado a quem o praticou”. Já no caso do contrato de trabalho com um amigo pessoal, Adão e Silva adverte: “Há um princípio básico que o primeiro-ministro não seguiu. Amigos amigos, negócios do Estado à parte”. Fica o aviso.
A semana mais problemática da vida do XXI Governo pode terminar esta quinta-feira, quando, pelas 15h30, em Belém, Marcelo Rebelo de Sousa der posse aos três novos governantes – Luís Filipe Castro Mendes, novo ministro da Cultura; Miguel Honrado, novo secretário de Estado da Cultura; e João Paulo Rebelo, secretário de Estado da Juventude e Desporto. O Conselho de Ministros desta quinta-feira aprova, também, o nome de Rovisco Duarte como proposta do Governo para novo Chefe de Estado Maior do Exército.