Três presidentes depois, Brasil entra em contagem decrescente para um Impeachment
Maioria na comissão que avalia se Dilma Rousseff deve ser submetida a um processo de destituição deverá responder, inequivocamente, “sim”. Votação esta segunda-feira.
Ninguém, nem mesmo os defensores do Governo de Dilma Rousseff, esperam outro resultado na votação desta segunda-feira à tarde: a maioria dos 65 deputados que fazem parte de uma comissão destinada a avaliar se a Presidente brasileira deve ser submetida a um processo de Impeachment (destituição) pelo Congresso, deverá responder, inequivocamente, “sim”.
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Ninguém, nem mesmo os defensores do Governo de Dilma Rousseff, esperam outro resultado na votação desta segunda-feira à tarde: a maioria dos 65 deputados que fazem parte de uma comissão destinada a avaliar se a Presidente brasileira deve ser submetida a um processo de Impeachment (destituição) pelo Congresso, deverá responder, inequivocamente, “sim”.
É a segunda vez, em menos de 30 anos de eleições democráticas, que o Brasil passa por um processo semelhante – em 1992, Fernando Collor de Mello, o primeiro Presidente eleito por voto directo, foi julgado e afastado do cargo por corrupção e tráfico de influência. Apenas três presidentes distanciam Dilma Rousseff e Collor: Itamar Franco (que assumiu o cargo com a destituição de Collor), Fernando Henrique Cardoso e Lula da Silva (os dois últimos foram reeleitos para um segundo mandato).
A ameaça de Impeachment (como o Brasil se refere à destituição) pesa sobre Dilma há mais de meio ano, mas é agora uma realidade: a votação da comissão de Impeachment, cujo início está previsto às 17h de Brasília (21h em Portugal), marca o início de uma nova etapa que, tudo indica, será rápida – como é intenção dos opositores da Presidente, que controlam o processo na Câmara dos Deputados. Se tudo correr sem entraves e de acordo com os prazos previstos na Constituição, Dilma poderá ser afastada do cargo já em Maio pelo Senado, e ficar a aguardar julgamento.
A votação desta segunda-feira não se destina a avaliar a conduta de Dilma, ou a determinar se cometeu alguma ilegalidade passível de destituição. Os deputados irão votar no relatório elaborado pelo deputado relator Jovair Arantes, do PTB (Partido Trabalhista Brasileiro, sobre o pedido de Impeachment assinado pelos juristas e advogados Hélio Bicudo, Miguel Reale Jr. e Janaína Paschoal. Aliado do presidente da Câmara dos Deputados, Eduardo Cunha, arqui-inimigo de Dilma, Jovair Arantes concluiu que “a magnitude e o alcance das violações praticadas pela Presidente da República” constituem um “grave desvio dos seus deveres funcionais, com prejuízos para os interesses da Nação”, justificando “a abertura do excepcional mecanismo do Impeachment”.
Depois da comissão especial, segue-se a votação no plenário da Câmara dos Deputados, que poderá acontecer já no próximo domingo ou, o mais tardar, na terça-feira seguinte, dia 19. É aí que a batalha pelos votos se intensificou nas últimas duas semanas, sobretudo depois da saída do PMDB (Partido do Movimento Democrático Brasileiro) da coligação governamental. Dilma Rousseff precisa de um terço dos votos dos 513 deputados – 171 votos – para impedir o processo de chegar ao Senado. A debandada do PMDB, partido com a maior bancada parlamentar, da base de apoio do Governo reduziu drasticamente a possibilidade desse cenário acontecer.
Nos últimos dias, os jornais brasileiros têm feito contagens, cabeça a cabeça, das intenções de voto dos deputados, e apesar de mais de metade ser a favor do Impeachment, nenhum dos lados – Governo e oposição – parece ter ainda atingido o patamar necessário. O que quer dizer que a decisão está nas mãos dos que se declaram indecisos ou preferem manter a sua intenção de voto secreta. Segundo o jornal Estado de S. Paulo, 286 deputados já se declararam a favor do Impeachment, e 114 contra. Restam 62 indecisos e 51 não quiseram responder – ou seja, ainda existe espaço de manobra para negociar. Os dois lados estão a fazê-lo, segundo a imprensa brasileira. O vice-presidente Michel Temer, que assumiria a presidência caso Dilma fosse afastada, tem contactado deputados para defender o voto pelo Impeachment e prometer cargos num futuro governo do PMDB, o seu partido. Enquanto isso, o Palácio do Planalto tem cargos para distribuir, após a saída do PMDB, mas está a segurar uma reformulação ministerial para depois da votação do Impeachment – para diminuir os riscos de ser traído, segundo o Estado de S. Paulo.
O afastamento de Dilma e a sua substituição por Temer está longe de ser um ponto final na crise política brasileira, como demonstra uma sondagem do Instituto Datafolha, divulgada este fim-de-semana: seis em cada dez brasileiros não querem Dilma nem Temer e defendem a impugnação dos dois. O vice-presidente não é alvo de um processo de Impeachment; o seu colega de partido e presidente da Câmara dos Deputados, Eduardo Cunha, arquivou ou rejeitou os pedidos que existiam contra Temer. No entanto, na última semana, o juiz do Supremo Tribunal Federal, Marco Aurélio Mello, mandou Cunha dar seguimento a um pedido de Impeachment arquivado em Dezembro, baseado nos mesmos argumentos que fundamentam o processo contra a Presidente Dilma Rousseff – as chamadas “pedaladas fiscais”. Estas consistem em financiamento adiantado por bancos estatais para pagar programas sociais e despesas obrigatórias do Governo. Os autores do pedido de destituição de Dilma consideram que essas manobras serviram para mascarar o estado real das contas públicas e endividar mais o Estado. Cunha prometeu recorrer da decisão do juiz do Supremo e ameaçou acolher nove outros pedidos de Impeachment contra Dilma que deram entrada na Câmara dos Deputados.
O processo contra Dilma é muito diferente do que afastou Collor de Mello em 1992. Em 1992 havia um consenso no Congresso e na população quanto ao afastamento do Presidente. Hoje, não: Dilma Rousseff conta com o apoio expressivo de uma parte do país e os motivos para o seu afastamento são contestados até por críticos do seu Governo. Collor foi afastado pelo seu envolvimento num esquema de corrupção comandado pelo tesoureiro da sua campanha; entre outras coisas, o Presidente aceitou subornos de empresas que financiaram obras na sua mansão pessoal. As “pedaladas fiscais” não são um exclusivo do Governo Dilma. E mesmo um jornal que não tem poupado críticas à Presidente e que defende o seu afastamento, como a Folha de S. Paulo, lembrava há dias num editorial que não existem provas cabais de que Dilma tenha cometido qualquer ilegalidade. “Pedaladas fiscais são razão questionável numa cultura orçamentária ainda permissiva”, sublinhou o jornal.