20 filmes para ver no Indie antes de morrer
Na contagem descrescente para o festival que abre dia 20 de Abril, uma proposta pessoal, mas transmissível.
Está tudo em expansão em Boi Néon, sairemos virgens da experiência. Há homens, mulheres, bois e cavalos, a sensualidade está com eles mas nos lugares onde não se espera. Nem gay, nem hetero, o filme de Gabriel Mascaro é – como dizer? – verdadeiramente transgénero. A grande obra do Indie está na secção Silvestre. E se o distribuidor o quiser, será um dos grandes de 2016.
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Está tudo em expansão em Boi Néon, sairemos virgens da experiência. Há homens, mulheres, bois e cavalos, a sensualidade está com eles mas nos lugares onde não se espera. Nem gay, nem hetero, o filme de Gabriel Mascaro é – como dizer? – verdadeiramente transgénero. A grande obra do Indie está na secção Silvestre. E se o distribuidor o quiser, será um dos grandes de 2016.
Mate-me por Favor pede a longa-metragem de Anita Rocha da Silveira (Competição Internacional). Que excitadas com a morte, o sangue, o sexo estão estas meninas da Barra da Tijuca, no Rio de Janeiro, onde os condomínios as protegem dos baldios que esperam mais torres e os Olímpicos de 2016! É um cenário sem história a pedir violência. E é isso que o filme faz, fantasiando, desregrando-se, musicando, cantando – Anita é cúmplice delas na conquista da Barra da Tijuca.
A surpresa da homenagem a Paul Verhoeven: Spetters (1980). Um insucesso na Holanda, um escândalo – por causa de uma cena de sodomia – que antecipou o de Instinto Fatal (1992), é um espantoso retrato de proletários sem saída (o odor pegajoso da gordura, da batata frita...) com o niilismo de Verhoeven s eer excitado pela new wave e pelo disco sound. Três anos antes estreara nos EUA Febre de Sábado à Noite. Na Holanda, nem a dança redimia...
Robocop é o primeiro filme americano de Verhoeven, é a abertura do ciclo do Herói Indie. Figuração extrema, com conotações crísticas, das máquinas de guerra do realizador (personagens que um dia redescobrem a sua humanidade), resultou do embate com uma cultura alienígena para Verhoeven – de que ele acabaria por, ao mesmo tempo, vestir a camisola.
Ninguém sabia bem o que se estava a filmar, estúdios e actores, só Paul Verhoeven levava a sua avante, seguindo os passos de O Triunfo da Vontade de Leni Riefenstahl para mostrar o fascínio americano pelo fascismo. Starship Troopers (1997) é um gozo, sim, mas faz de cada plano uma ratoeira para todos – espectador incluído, que não sabe se é sátira ou deslumbre, e esse é o grande incómodo deste filme.
Vamos ver Showgirls sem guilty pleasure? É tão só a plenitude de Verhoeven, realizador que se expandiu em Hollywood – há rimas, motivos, personagens iniciados na Holanda que explodem na América, onde o realizador se tornou aquilo que no país de origem diziam que lhe faltava: autoria. Reparem como Elizabeth Berkley é, a seu modo, um Robocop de saias em Las Vegas.
A guerra é excitante! dizia a personagem de Rutger Hauer em O Soldado de Orange (1977) – era uma impressão da criança Verhoeven, a sua memória da II Guerra. A contradição (irresolúvel) entre a aventura e a moral sempre foi central ao cinema do holandês. As suas personagens nunca podem jurar sobre valores. O Livro Negro (2006) é o regresso à amoralidade europeia da II Guerra, com o fôlego da experiência hollywoodiana.
One Floor Below, de Radu Muntean (secção Silvestre) é um filme insondável que cresce em nós, espectadores, à medida que interrogamos a sensação de solidão na sala: por inacção da personagem principal – um homem testemunha um crime e... nada diz –, ficamos sem thriller, sem género. E sem redenções, na tela e fora dela.
Flotel Europa, do sérvio Vladimir Tomic: (Competição Internacional) as cassetes vídeo de uma adolescência passada nos anos 90 num barco de refugiados ancorado em Copenhaga. Ou a autobiografia pícara e turbulenta a evocar, em tom documental, o “era uma vez a Jugoslávia” de um senhor chamado Emir Kusturica.
Para Une Jeunesse Allemande. Jean-Gabriel Périot (cineasta em foco na secção Silvestre) pesquisou o lirismo revolucionário dos anos 1965-67 alemães, o desespero estudantil que levou à radicalização terrorista (1967), a retaliação do Estado que dominou as imagens entre 1970-1977. É um fresco, um épico sem voz off, que pede a intervenção do espectador. Falando directamente ao presente, é preciso fazer algo com as dúvidas, transmiti-las como numa corrida de estafetas.
Raiders of the Lost Ark: The Adaptation, de Chris Strompolos, Eric Zala e Jayson Lamb é um trabalho de fãs. Aos 12 anos pegaram plano a plano, e respectiva banda sonora (captada ilegalmente num cinema), no filme de 1981,de Spielberg. Muita coisa confere, mas ao longo de sete anos a idade dos protagonistas foi deixando marcas. Guerra das Estrelas e suas sequelas e prequelas? Não, isto é que é. Indie? Não, Indy.
Não é pelas quase cinco horas de duração que The Family, de Shumin Liu (competição internacional) é um acontecimento. É-o pela forma como o realizador segue a normalidade de uma família de classe média chinesa – os seus membros interpretados pelos próprios – como um processo, plácido, de rasurar a memória. Aceder à normalidade é afinal esquecer.
Uma desesperada com o facto de o marido não ter acesso a um medicamento contra o cancro – por causa do pacto negro entre a Medicina e as Seguradoras – investe de pistola em punho... No momento redundante da denúncia, Rodrigo Plá inverte para o pesadelo (e humor), para a construção da realidade como laboratório de experiências – estilhaça, afinal, como uma série B, que é aliás o “clima” do título: Un Monstruo de Mil Cabezas. Um filme-catástrofe na secção Boca do Inferno.
O Urso de Ouro em Berlim para as curtas, Balada de Um Batráquio, de Leonor Teles, está na Competição Internacional. Jovem cineasta, energia explosiva, vem pegando no seu legado familiar – o pai de Leonor é de etnia cigana – com um duplo movimento nada contraditório: tomar posse desse legado, dessa história, expô-la à violência das contradições. Vital.
Yorgos Lanthimos pega um cast estapafúrdio e exige dele nova gramática para as personagens. Aqui quem não arranjar parceiro é transformado em animal – uma lagosta? The Lobster dá-nos regras para aprendermos a falar com ele. Afinal, a sua melancólica crueldade é a da velha história de amor. Acabaremos “lanthimizados” na Boca do Inferno.
Respira-se a limpidez do que vem depois das tempestades, é um filme de uma leveza comovente, mas é filme sem bonança. Estive em Lisboa e Lembrei de Você, de José Barahona (Competição Nacional) é sobre os imigrantes brasileiros que chegam a Portugal, sobre o limbo que os imobiliza sem regresso. “Para quê voltar?” Uma tristeza rarefeita, belíssimo. E sobre nós, portugueses.
Desde Allá, de Lorenzo Vigas (secção Silvestre), conta o embate entre um cinquentão homossexual e um adolescente de Caracas. Galgam fronteiras: sexo, dependência económica, protecção paternal, sofreguidão e luta de classes. (Fassbinder paira aqui). Duas vidas diferentes: um é estrela do teatro chileno, Alfredo Castro (Tony Manero), outro um rapaz das ruas, Luis Silva. Encontro feroz, amoroso, solitário, mete medo.
Caroline Champetier quis saber do desaparecimento de Bruno Nuytten, director de fotografia de Duras, Zulawski, Téchiné, realizador de Camille Claudel. Foi isto: Nuytten, fabricante de coisas bonitas, remeteu-se ao papel mais informe de espectador de coisas bonitas. Nuytten/Film (Director’s Cut) é “filme de artista” que se nega: a conversa parece desejar apagar-se.
Há saudades das transgressões da adolescência – isso é mais forte em Love, de Gaspar Noé, do que o marketing de “porno em 3D”. A propósito, dizia-nos Noé, o 3D aqui são saudades de um viewmaster; a cada um o seu na sessão da secção Boca do Inferno. O filme é um auto-retrato, e “o boneco” não é bonito: é pusilânime, naïf, frágil, a personagem está sempre a falar no amor e a perguntar pelo sentido da vida mas a responder sempre com a braguilha. Filme e cineasta expõem-se – não muitos o fazem. De forma obsessiva, uma ameaça: é o amor. Podia lá não ser violento?
A musa de Luchino Visconti, que passeou a sua arrogante beleza no jet set dos anos 70, é hoje um homem de 70 anos rodeado de medicamentos para a depressão e fantasmas. Arrogância e solidão: o seu retrato (impossível) foi tentado por Andreas Horvath. Agressões verbais e físicas entre actor e realizador. Mas na verdade, Helmut Berger: Actor (secção Director’s Cut: é um filme cheio de medo: o medo de Helmut de não ter sido mais do que a musa de um criador, o medo de não ser um “actor”, o medo do vazio, o medo de não ser…