Turquia estará a expulsar sírios, mas nem isso trava acordo europeu

Amnistia Internacional acusa UE de, na ânsia de fechar as fronteiras, estar a ignorar "o simples facto de que a Turquia não é um país seguro para os refugiados". 500 das pessoas que estão nas ilhas podem ser mandadas para trás na segunda-feira.

Foto
Família de refugiados sírios em Idomeni, na fronteira da Grécia com a Macedónia BULENT KILIC/AFP

A três dias da data prevista para começar a mandar de volta para a Turquia as pessoas que chegaram às ilhas gregas nas últimas duas semanas, a Amnistia Internacional desferiu um duro golpe contra um dos pilares em que assenta o acordo firmado entre Ancara e a União Europeia. Contrariando de forma flagrante as obrigações de um “país seguro”, as autoridades turcas estão a forçar centenas de refugiados sírios a regressar ao seu país em guerra, denuncia a organização de defesa dos direitos humanos.

A verdade faz-nos mais fortes

Das guerras aos desastres ambientais, da economia às ameaças epidémicas, quando os dias são de incerteza, o jornalismo do Público torna-se o porto de abrigo para os portugueses que querem pensar melhor. Juntos vemos melhor. Dê força à informação responsável que o ajuda entender o mundo, a pensar e decidir.

A três dias da data prevista para começar a mandar de volta para a Turquia as pessoas que chegaram às ilhas gregas nas últimas duas semanas, a Amnistia Internacional desferiu um duro golpe contra um dos pilares em que assenta o acordo firmado entre Ancara e a União Europeia. Contrariando de forma flagrante as obrigações de um “país seguro”, as autoridades turcas estão a forçar centenas de refugiados sírios a regressar ao seu país em guerra, denuncia a organização de defesa dos direitos humanos.

Foi a chanceler alemã, Angela Merkel quem, no final da cimeira europeia de 18 de Março, anunciou que as primeiras expulsões aconteceriam a 4 de Abril. No mesmo dia, adiantou, a UE começaria a cumprir a sua parte do acordo, recebendo pelas vias legais um número equivalente de refugiados identificados pela Turquia como estando em situação mais vulnerável.

Já nesta sexta-feira o Governo alemão confirmou que o primeiro grupo de refugiados sírios – “algumas dezenas”, “sobretudo famílias com crianças” – vai chegar ao país na segunda-feira, como previsto. Mas à entrada para o fim-de-semana, não era ainda certo se Atenas ou Ancara vão estar em condições de cumprir a parte mais difícil do acordo – a de colocar pessoas em barcos para fazerem o percurso inverso àquele em que arriscaram a vida e gastaram o dinheiro que tinham.

As Nações Unidas, as organizações de defesa dos direitos humanos e juristas sucedem-se nas críticas a um acordo que a UE diz ser imprescindível para reconquistar o controlo sobre as suas fronteiras, depois de um milhão de pessoas ter chegado à Europa em menos de um ano. O contraponto, denunciam os críticos, é que todos os que chegaram depois de 20 de Março (dia em que o acordo entrou em vigor) passaram a ser classificados como “migrantes irregulares”. E mesmo os que teriam direito a asilo na Europa, arriscam-se a ser mandados para trás, com base na promessa feita pela Turquia de dar protecção internacional a todos os sírios fugidos da guerra e aos que cheguem ao país através daquela fronteira.

The partial view '~/Views/Layouts/Amp2020/CITACAO_CENTRAL.cshtml' was not found. The following locations were searched: ~/Views/Layouts/Amp2020/CITACAO_CENTRAL.cshtml
CITACAO_CENTRAL

Mas não é isso que está a acontecer na prática, garante a Amnistia Internacional. “Nas províncias do Sul, as autoridades turcas estão a reunir e a expulsar quase todos os dias, desde meados de Janeiro, grupos que rondam uma centena de homens, mulheres e crianças”, denuncia um relatório da organização, baseado em entrevistas com famílias de pessoas deportadas. Muitos dos que estão a ser levados não se registaram como refugiados – passo essencial para aceder aos serviços básicos –, mas a Amnistia diz ter também relatos de sírios que foram expulsos por não terem consigo os documentos no momento em que foram interpelados pela polícia.

Entre os que foram expulsos estão três crianças, de 11, 10 e 9 anos, que viviam com a família alargada em Antakya, no Sul da Turquia, e que foram detidas quando estavam num parque acompanhadas apenas por dois tios. Como só um deles tinha documentos, foram todos detidos, levados de autocarro para a fronteira de Bab al-Hawa e reconduzidos à Síria, onde permanecem num campo para deslocados. “Eles não estavam sozinhos. Ao todo eram sete autocarros, com cerca de 30 pessoas cada – a maioria famílias”, contou um dos familiares das crianças à Amnistia, cujos investigadores consideram “altamente provável” que a Turquia tenha expulsado “milhares de refugiados nas últimas sete a nove semanas”.

“No desespero para selar as suas fronteiras, os líderes da UE ignoraram intencionalmente o mais simples dos factos: a Turquia não é um país seguro para os refugiados sírios e está a tornar-se menos seguro a cada dia que passa”, acusou John Dalhuisen, director da Amnistia Internacional para a Europa e Ásia Central, avisando que, se o acordo negociado com Ancara for posto em marcha, “há um risco muito real de que algumas das pessoas que a UE reenviar para a Turquia podem ter o mesmo destino” dos que já foram reconduzidos ao país em guerra.

Um porta-voz do Ministério dos Negócios Estrangeiros turco ouvido pela Reuters assegura que nenhum sírio foi mandado de volta para o seu país contra a sua vontade e recorda que, sozinho, o país recebeu nos últimos cinco anos 2,7 milhões de sírios, quase o triplo de todos os refugiados que chegaram à Europa em 2015.

O Alto Comissariado das Nações Unidas para os Refugiados (ACNUR) partilha, no entanto, algumas das reticências da Amnistia e, nesta sexta-feira, voltou a pedir à UE que não comece os reenvios “até existirem garantias de que todos os mecanismos legais de salvaguarda estão a ser aplicados”, o que ainda não acontece. O ACNUR teme sobretudo que a Turquia comece a deportar refugiados em massa para o Irão, Afeganistão ou Eritreia, países com os quais está a negociar acordos de readmissão, desvalorizando os riscos para a sua segurança.

Situação agrava-se na Grécia

Apesar das incertezas, das denúncias e dos alertas, os responsáveis europeus acreditam que na segunda-feira haverá pelo menos um barco a sair das ilhas gregas – presumivelmente de Lesbos – em direcção ao porto turco de Dikili, nos arredores de Izmir. “Há um compromisso firme da Turquia e da Grécia para reenviarem 500 pessoas no dia 4, salvo problema de última hora”, disse à AFP uma fonte europeia, acrescentando que o primeiro grupo será escolhido entre “sírios, afegãos e paquistaneses que não tenham pedido asilo”. A Turquia assegura também que tem tudo pronto para, no mesmo dia, enviar para a Europa os primeiros refugiados.

Pressionada pelos parceiros europeus, a Grécia aprovou nesta sexta-feira uma alteração à lei de asilo para permitir o reenvio de refugiados para “países terceiros seguros” – a Turquia não está explicitamente referida na proposta, dadas as reticências de Atenas com as acções do Governo de Ancara em relação à minoria curda ou à liberdade de imprensa. Mas o país espera ainda os 2300 agentes europeus que lhe foram prometidos para o ajudar a registar e a processar todos os pedidos de asilo – sem isso, ninguém poderá ser enviado de volta.

A incerteza agrava o ambiente de tensão entre os milhares de refugiados encurralados no país, a viver em condições cada vez mais degradantes, seja na fronteira de Idomeni (onde 11 mil pessoas não desistem há semanas de esperar pela reabertura da fronteira), no porto de Pireu (seis mil refugiados retirados das ilhas foram amontados ali nos últimos dias) e sobretudo nas ilhas do Egeu, onde todos os que chegaram desde 20 de Março são mantidos em regime fechado nos centros que eram até agora de registo.

Nos últimos dias houve confrontos em vários locais – oito pessoas ficaram feridas quarta-feira numa rixa entre afegãos e sírios no porto de Piréu – e nesta sexta-feira cerca de 300 dos 1500 refugiados detidos no centro de registo de Chios, derrubaram a vedação de arame farpado, dirigindo-se para o porto da ilha.

“Dizem que não querem voltar à Turquia e temem pela sua segurança depois dos confrontos da noite passada”, contou à Reuters um porta-voz da polícia local, referindo-se a confrontos entre grupos de diferentes nacionalidades que tinha já provocado avultados danos no centro. “O risco de pânico e de ferimentos nestes locais é real”, voltou a avisar o ACNUR, que se opõe ao regime de detenção imposto pelas autoridades gregas.