Teste da FIFA aos árbitros é inadequado e causa lesões
Paulo Badajoz, professor da Faculdade de Motricidade Humana, apresentou tese que, na sequência de outros estudos, contesta eficácia dos testes da FIFA e propõe nova solução.
Os árbitros são verdadeiros atletas. Precisam tanto de ter um treinador como os jogadores. E os testes físicos a que são submetidos pela FIFA não são eficazes (porque não reproduzem as condições de jogo) e apresentam um risco de lesão muito superior ao que os juízes enfrentam na competição. Estas são as ideias-chave da tese de mestrado apresentada no início deste mês por Paulo Cipriano Badajoz, professor da Faculdade de Motricidade Humana (FMH) de Lisboa, num estudo que propõe um novo teste para determinar que os árbitros estão em boas condições físicas.
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Os árbitros são verdadeiros atletas. Precisam tanto de ter um treinador como os jogadores. E os testes físicos a que são submetidos pela FIFA não são eficazes (porque não reproduzem as condições de jogo) e apresentam um risco de lesão muito superior ao que os juízes enfrentam na competição. Estas são as ideias-chave da tese de mestrado apresentada no início deste mês por Paulo Cipriano Badajoz, professor da Faculdade de Motricidade Humana (FMH) de Lisboa, num estudo que propõe um novo teste para determinar que os árbitros estão em boas condições físicas.
Os árbitros são sujeitos duas a três vezes por ano a testes físicos para verificar se estão aptos para a competição. O teste elaborado pela FIFA (e que é aplicado em todo o mundo) inclui duas partes: uma série de seis sprints de 40 metros e uma série de dez voltas a uma pista de atletismo, com corridas de 150 metros, intervaladas com andar a passo durante 50 metros.
É esta segunda parte do teste que o estudo (Avaliação da performance do árbitro de futebol de 11) de Paulo Badajoz considera inadequada. “O esforço dos árbitros num jogo é intermitente. O teste da FIFA obriga um esforço intervalado”, argumenta o docente da FMH, para explicar que o teste de avaliação dos árbitros não replica o esforço a que o árbitro é sujeito na competição.
Para o demonstrar, esta tese de mestrado inclui os dados recolhidos em 11 jogos de um árbitro internacional português na I Liga. Esses dados mostram que um árbitro passa, em média, 24,72% do jogo num esforço de sprint máximo; 50,69% numa corrida de alta intensidade; 20,57% numa corrida de média intensidade; 3,26% andar/correr; e 1,2% quase parado. O mesmo árbitro português (cujo nome não é revelado) foi submetido ao teste da FIFA, durante o qual passou 83,94% em sprint máximo e 15,75% numa corrida de alta intensidade.
Paulo Badajoz recorre a estas conclusões para salientar que “há uma evidência, sustentada também por outros estudos, de que os testes da FIFA, tal como estão, não são específicos na sua avaliação para as tarefas exigidas aos árbitros”. Ou seja, não são adequados para avaliar árbitros.
"O teste deve medir todo o espectro das intensidades exigidas a um árbitro em jogo", considera Paulo Badajoz, questionando igualmente a realização do teste em tartan. "É como pedir ao Usain Bolt para calçar chuteiras e mandá-lo correr num relvado. Não faz sentido."
A esta desadequação face à realidade dos árbitros, há ainda que acrescentar o risco de lesão. “Segundo o estudo de Mauro Paes (2011), publicado no International Sportmed Journal, por cada mil horas de treino há 2,16 lesões de um árbitro. Por cada mil horas de jogo, há 2,28 lesões. E por cada mil horas de testes da FIFA, há 94,53 lesões”, explica Paulo Badajoz, afirmando que muitas vezes os testes da FIFA são realizados em pista de tartan, o que aumenta o risco de lesão para quem está habituado a treinar e competir em relva. “A tipologia do esforço [neste teste] é um factor determinante de lesão”, conclui o investigador.
Os testes da FIFA são também aplicados em Portugal. “Este ano os árbitros fizeram três testes e o número de lesões é muito superior. Para mim há uma relação inequívoca entre as duas coisas”, diz ao PÚBLICO o ex-árbitro internacional Duarte Gomes, que se retirou recentemente por motivos físicos. No último comunicado de nomeações, publicado na quinta-feira, o Conselho de Arbitragem da Federação Portuguesa de Futebol (FPF) indicava que havia quatro árbitros lesionados – no final de Janeiro chegaram a ser sete. “Quanto mais testes os árbitros fazem em tartan, maior é o número de lesões”, acrescenta Duarte Gomes, salientando que o piso é mais duro e muito diferente daquele a que estão habituados.
Tendo em conta estas conclusões, Paulo Badajoz desenvolveu um novo teste (a que chamou ETSOR), em que tenta replicar o tipo de movimentos que os árbitros fazem em jogo e o esforço a que eles são sujeitos. O já referido árbitro internacional foi sujeito a este novo teste – em relva, para replicar o ambiente de competição e reduzir o risco de lesões. E os valores de esforço aproximam-se mais dos verificados em competição: no teste, que dura 13 minutos e cuja duração poderá vir a ser justada para cerca de dez minutos, o árbitro passou 16% no sprint máximo (no jogo é 24%) e 19,9% na corrida de alta intensidade (no jogo é 50%). O teste será sujeito a afinações, para se aproximar ainda mais da experiência vivida pelo juiz no jogo e para classificar os árbitros, não se limitando a considerá-los aptos ou não aptos.
O PÚBLICO questionou a FIFA e a UEFA sobre estas conclusões. “Testamos a condição física dos nossos árbitros de várias maneiras, incluindo testes duas vezes por ano aos nossos juízes de topo, sob a supervisão de cientistas de renome. Além disso, os árbitros de topo, como os que estarão no Euro 2016, são monitorizados remotamente e online em todas as suas actividades físicas ao longo da época”, respondeu o gabinete de imprensa da UEFA. Ao que o PÚBLICO apurou, o Conselho de Arbitragem da FPF limita-se a aplicar os protocolos definidos pela FIFA e considera-se obrigado a realizar esses testes, que só alterará quando o organismo que gere o futebol internacional fizer o mesmo.
Já depois da publicação deste artigo, a FIFA respondeu ao PÚBLICO que o teste foi "desenvolvido por peritos" e testado pelo fisiologista italiano Carlo Castagna e pelo belga Werner Helsen, professor da Universidade de Lovaina. Ainda assim, o gabinete de imprensa da FIFA revela que o teste foi alterado este ano, com a distância a ser encurtada: os árbitros percorrem agora 75 metros em corrida, andando de seguida durante 25 (em vez dos 150 metros/50 metros do teste original).
Uma decisão a cada 15 segundos
Numa conversa com o PÚBLICO em que explicou a necessidade de mudar os testes físicos, Paulo Badajoz destacou ainda importância de os árbitros terem um treinador. “É necessário que o árbitro tenha um treinador, tal como uma equipa de futebol. Ele tem necessidades próprias, típicas da sua tarefa”, diz Paulo Badajoz, que trabalha com alguns árbitros portugueses.
Para este professor da FMH, os árbitros são verdadeiros atletas. E vale a pena dar uma ideia do esforço físico (e psicológico) a que um árbitro é submetido durante um jogo de futebol. Em média, segundo os estudos realizados entre 2000 e 2015, um árbitro corre dez quilómetros durante uma partida, podendo mesmo chegar aos 14 km – mais do que a distância percorrida pelos jogadores.
Nestes 90 minutos, um árbitro muda a sua acção motora até 1268 vezes, diz Paulo Badajoz, referindo-se a situações tão diversas como levantar o braço, andar, sprintar ou correr para trás. E em cada minuto de jogo, tem de tomar três a cinco decisões. Ou seja, em média, toma uma decisão a cada 15 segundos.
Daí que o professor da FMH destaque a importância de o árbitro ter um treinador. “Ao intervalo, as equipas recolhem ao balneário e têm um treinador para fazer correcções. O árbitro só pode falar com os seus auxiliares, mas não é a mesma coisa”, defende Paulo Badajoz. Ao mais alto nível, em Portugal, os árbitros já fazem scouting das equipas que vão dirigir, analisando os movimentos típicos em jogo e as características dos jogadores. Algo que permite a um árbitro estar mais preparado e antecipar situações durante o próprio jogo. “Defendo que as nomeações dos árbitros para os jogos deviam ser feitas com dois meses de antecedência”, argumenta Paulo Badajoz, salientando que isso permitiria um maior tempo de preparação para cada jogo.
Badajoz dá ainda o exemplo de situações que podem ser treinadas para reduzir o erro nos jogos. A diferença entre ver ou não uma cotovelada de um jogador a um adversário pode estar no hábito de o árbitro, quando abandona um determinado local do campo, manter por algum tempo os jogadores no seu campo de visão. “Isso treina-se”, diz o professor da FMH, que é igualmente observador de árbitros da Federação Internacional de Râguebi.
Notícia actualizada às 10h27: Foi acrescentada a reacção da FIFA