DiCaprio, o rei de Hollywood
À quinta nomeação, aconteceu: Leonardo, Melhor Actor. Tem-se visto, na sua preferência recente por personagens humanamente repulsivas, que se livrou da compulsão pela "empatia" do espectador, sinal de um actor interessante, que se leva a sério e pode ser levado a sério.
Já passaram 22 anos desde a primeira vez que Leonardo diCaprio foi nomeado para os Óscares (1993, What's Eating Gilbert Grape) quase vinte desde o Titanic de James Cameron, o filme em que um jovem Leonardo abria os braços para o oceano e se declarava "o rei do mundo".
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Já passaram 22 anos desde a primeira vez que Leonardo diCaprio foi nomeado para os Óscares (1993, What's Eating Gilbert Grape) quase vinte desde o Titanic de James Cameron, o filme em que um jovem Leonardo abria os braços para o oceano e se declarava "o rei do mundo".
Por acaso, em passeios pela Internet, percebe-se que essa cena tem sido objecto das mais variadas paródias, de resto como o próprio filme de Cameron, no entanto um dos raros momentos das últimas décadas em que o grande espectáculo popular hollywoodiano encontrou uma maneira não ofensiva de se manifestar ("não ofensiva" para a sua própria tradição, entenda-se).
Mas o amor-ódio que rodeia hoje o Titanic também reflecte o amor-ódio que DiCaprio tem suscitado ao longo da carreira. As suas feições jovens e bonitinhas destinavam-no ao estatuto de ídolo teen, que ele naturalmente cumpriu, mas quase sempre com uma nada negligenciável panache e um muito razoável dedo para escolher os projectos em que se envolvida — This Boy's Life, What's Eating Gilbert Grape (que em 1994 lhe valeu a primeira nomeação para um Óscar, no caso para Melhor Secundário), The Basketball Diaries, Romeo + Juliet. A sua filmografia dos anos 90, no período em que ele andava à roda dos vinte anos (nasceu em 1974), tem surpreendentemente pouco "lixo", sobretudo quando comparada com a de actores de idade e estatuto semelhantes.
E a verdade é que a sua presença era sempre carismática, com aquela capacidade de passar do dramatismo à nonchalance que costuma ser a marca dos actores talentosos e inteligentes. Depois do Titanic, talvez o apogeu da popularidade teen de DiCaprio, parece evidente que ele percebeu que tinha que apontar a outros horizontes — ninguém tem uma carinha laroca a vida inteira e a história de Hollywood está cheia de actores que eram muito populares aos 20 anos mas que aos 30 já ninguém sabia quem eram.
A escolha de papéis de DiCaprio começou aí a mudar — filmes mais "estranhos", personagens mais complexas, realizadores do mais alto coturno: as colaborações com Spielberg (Catch Me If You Can) e, sobretudo Scorsese, que dos Gangs de Nova Iorque ao Lobo de Wall Street encontrou nele um actor "habitual" como, em tempos, de Niro foi.
Claro que DiCaprio não é De Niro, mesmo com as similitudes da fonética italiana no apelido, mas a sua ambição é seguir-lhe os passos, o que é louvável, e é por isso que para ele o Óscar é tão importante. Depois de seis nomeações (cinco para Melhor Actor, uma por Melhor Actor Secundário), se finalmente o ganhou por O Renascido, tanto pior. Mas tinha-se visto, na sua preferência recente por personagens humanamente desagradáveis ou mesmo repulsivas (o racista de Django Libertado; o especulador de O Lobo de Wall Street), que ele já se livrara da compulsão pela "empatia" do espectador. É outro sinal de um actor interessante, que se leva a sério e pode ser levado a sério. Se o Óscar é importante para ele, pois parabéns. Mereceria a nossa estima mesmo sem ele.