Fatima, sobre a integração dos imigrantes em França, vence os Césares

Realizado por Philippe Faucon, adapta um diário de uma imigrante que chegou a França sem saber ler nem escrever, que foi autodidacta da sua superação.

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Um pequeno filme – neste momento em final de carreira comercial em França a chegar aos 300 mil espectadores –, Fatima, de Philippe Faucon, foi o vencedor dos Césares, os prémios da indústria francesa: distinguido como melhor filme, teve ainda o prémio de melhor argumento adaptado (pelo próprio realizador) e do César para a melhor esperança feminina, a Zita Hanrot. Aconteceu na noite de sexta-feira, em Paris.

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Um pequeno filme – neste momento em final de carreira comercial em França a chegar aos 300 mil espectadores –, Fatima, de Philippe Faucon, foi o vencedor dos Césares, os prémios da indústria francesa: distinguido como melhor filme, teve ainda o prémio de melhor argumento adaptado (pelo próprio realizador) e do César para a melhor esperança feminina, a Zita Hanrot. Aconteceu na noite de sexta-feira, em Paris.

Filmado com actrizes não profissionais ou que se estreiam no cinema, Fatima, revelado na Quinzena dos Realizadores de Cannes, era, no entanto, considerado o favorito. Pelo menos estava a dar origem a um pequeno fenómeno de empatia entre alguns dos seus concorrentes, vários dos quais se assumiram tocados pela história de uma mulher, imigrante magrebina em França onde trabalha como empregada doméstica, e da relação com as duas filhas, de 16 e 19 anos, já nascidas naquele país, e a incompreensão que as divide, as dificuldades de integração começam em casa, onde os modelos, as referências e a auto-estima entram em perda. Zita Hanrot, a actriz premiada - interpreta uma das filhas - é a primeira mulher negra a inscrever o seu nome no palmarés dos Césares, o que foi saudado pelo Conseil représentatif des associations noires de France (Cran).

Faucon, nascido em Marrocos, adaptou livremente um diário e uma recolha de poemas, Pierre à la Lune, de Fatima Elayoubi, imigrante que chegou a França sem saber ler nem escrever, que foi autodidacta da sua superação (é interpretada no filme por Soria Zeroual, também mulher a dias, de origem argelina, residente em Lyon.) Com este filme, o realizador continua a querer filmar personagens de que o cinema mainstream se esquece, como ele diz. É dele, deste ex-estagiário nos começos de Leos Carax (Mauvais sang) e nos finais de Jacques Demy (Trois places pour le 26), um filme chamado La Désintégration (2012). Interrogava um processo, um país, um modelo, a República francesa: o progressivo desenraizamento e sentimento de exclusão de três jovens muçulmanos e a sua deriva para o radicalismo. Em 2015, com os ataques terroristas em Paris, o carácter premonitório do filme foi bastantes vezes sublinhado. Faucon diz que uma árvore a cair faz mais barulho do que uma floresta que cresce, desta vez, com Fatima, quis falar da floresta - a "integração". Foi um dos titulos programados pela secção Riscos do DocLisboa 2015.

Uma das apoiantes de Fatima era a marroquina Loubna Abidar, que concorria como melhor actriz por Much Loved, filme de Nabil Ayouch que resultou do seu encontro, empático, com um grupo de prostitutas de Marraquexe. O filme, que se estreia em Portugal na próxima semana, tornou-se um "caso" em Marrocos, com interdição de exibição e ameaças à vida de membros da equipa, como a própria Loubna Abidar, que viu na exemplaridade de Fatima, dentro e fora do filme, mais um incentivo para ultrapassar as tensões que ameaçam neste momento a sua estabilidade, como mulher, como actriz.

Um grupo de raparigas e uma sociedade que as aprisiona, a turca: Mustang, de Deniz Gamze Ergüven, francesa de origem turca, foi considerado o melhor primeiro filme, levou o prémio para a melhor montagem, melhor música (Warren Ellis) e ainda o de melhor argumento original, da autoria da realizadora e de Alice Winocour. Deniz Gamze Ergüven deverá ter saído dos Césares para o aeroporto, visto que domingo estará em Los Angeles a concorrer com Mustang para o Óscar do Melhor Filme Estrangeiro (o filme está em cartaz nas salas portuguesas.)

Elas e ele

Num conjunto de filmes onde se jogam as possibilidades de superação no feminino - mesmo como "espectáculo", veja-se o caso, sempre trop, chamado Catherine Frot, que recebeu a cantar o prémio de melhor actriz por Marguerite, em que interpreta uma socialite que ama a ópera como uma diva mas é uma irrecuperável ruina vocal -, ainda é mais singular a solidão de Vincent Lindon, melhor actor por La Loi du Marché (repete o feito de Gérard Depardieu em 1990: vencedores da Palma de Ouro de Cannes e vencedores do César de interpretação masculina). A cerimónia foi delas, a solidão dele.

Solidão porque Lindon tornou-se uma figura essencial no cinema francês - é uma das suas stars - mas impôs-se a contra-corrente, contra o domínio do verbo que passou a ser a tradição pós-nouvelle vague, por exemplo. La Loi du Marché - que filma a tentativa de reintegração no mercado de trabalho por um desempregado - é também um dos grandes filmes franceses dos últimos anos por ser um ponto culminante, esplendoroso mesmo, de uma vibração mais antiga, clássica, que existe no actor Lindon: tem a ver com os mais antigos, que também pouco falavam e assim diziam, os James Stewart, Gary Cooper, Jean Gabin, Lino Ventura. Numa conversa com o PÚBLICO, o realizador do filme, Stéphane Brizé, dizia: "Penso que Vincent representa todos os homens. Ele é viril, ele tem um corpo sólido mas não tem medo de mostrar as suas falhas. Ele está a meio caminho entre os antigos e os modernos. Entre os que não diziam nada e os que falavam demais." A estreia portuguesa de La Loi du Marché está prevista para o primeiro semestre do ano.

Sem ironia alguma e até com afecto, Brizé apontava, como exemplo dessa geração "que fala" e que rodeia o silêncio de Lindon, um actor como Mathieu Amalric. Ele e o realizador Arnaud Desplechin inventaram em 1996 a personagem de Paul Dédalus, o filme chamava-se Comment je me suis disputé... (ma vie sexuelle) - reinventavam uma Paris tagarela, onde o combate entre homens e mulheres extravasava a filosofia e fazia mesmo sangue. Décadas depois, Desplechin, ainda com a cumplicidade de Amalric, regressou à adolescência dessa personagem, e Trois souvenirs de ma jeunesse (filme que tinha o mais elevado número de nomeações, 11), valeu-lhe o César de melhor realizador.

Para além de Catherine Frot, Marguerite foi ainda premiado pelo guarda-roupa, som e décors. Dois actores de La Tête Haute estiveram em destaque: Benoît Magimel (melhor intérprete secundário) e Rod Paradot, melhor esperança masculina: este é o adolescente em perigo e perigoso no filme, Magimel é a sua possibilidade de salvação. Paradot, um dos primeiros a receber prémio na cerimónia (emocionante e muito emocionada tentativa de discurso de agradecimento, verdadeiramente à bout de souffle), mostraria em palco de forma eloquente uma espécie de impressão digital Jean-Pierre Léaud, versão 400 Golpes, que La Tête Haute não só não desdenhava mas aproveitava.

Sidse Babett Knudsen foi considerada a melhor actriz secundária por L’Hermine, a melhor fotografia foi a de Valley of Love.

Birdman, de Alejandro Gonzàlez Iñarritu, foi o melhor filme estrangeiro. Michael Douglas recebeu um César de Honra.