Quando se bate nas panelas no Brasil, isso é por causa de Lula

A situação do ex-Presidente, que está a ser investigado pelo Ministério Público, tornou-se ainda mais delicada com a detenção do estratego político que orquestrou a sua campanha de reeleição em 2006.

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João Santana ajudou a reeleger Lula em 2006 e foi responsável pelas duas campanhas de Dilma, em 2010 e 2014 Rodolfo Buhrer/Reuters

O partido de Lula e de Dilma pôs no ar uma propaganda política para defender a sua reputação, fragilizada por 13 anos de permanência no Governo do Brasil e coligações oportunistas, escândalos de corrupção e a pior crise económica em décadas. O vídeo de dez minutos, que foi transmitido na televisão nacional na terça-feira à noite, é dominado por música salvífica e termina com samba, mas nas ruas, a essa hora, a música foi outra: o bater de talheres no fundo de panelas.

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O partido de Lula e de Dilma pôs no ar uma propaganda política para defender a sua reputação, fragilizada por 13 anos de permanência no Governo do Brasil e coligações oportunistas, escândalos de corrupção e a pior crise económica em décadas. O vídeo de dez minutos, que foi transmitido na televisão nacional na terça-feira à noite, é dominado por música salvífica e termina com samba, mas nas ruas, a essa hora, a música foi outra: o bater de talheres no fundo de panelas.

O “panelaço” tornou-se uma forma de protesto comum contra o Partido dos Trabalhadores (PT) no último ano, desde a reeleição da Presidente, Dilma Rousseff. Segundo o jornal carioca O Globo, os protestos durante a exibição do tempo de antena do PT ouviram-se em pelo menos 14 capitais do país, incluindo Rio de Janeiro, São Paulo e Brasília.

O “panelaço” teve um recorte socioeconómico: para o ouvir era preciso ter estado nos bairros de classe média alta, onde a rejeição ao PT é mais contundente. Nas redes sociais, que nesses momentos se tornam amplos boletins informativos, os testemunhos de centenas de pessoas contribuíram para mapear a contestação: o bater nas panelas não foi ouvido nas favelas nem na zona norte do Rio de Janeiro, por exemplo.

Ouviu-se, sim, nas varandas de Ipanema, Copacabana, Leme, Botafogo, Humaitá... No entanto, segundo O Globo, o “panelaço” ocorreu “com força” em cidades onde este tipo de protesto ainda não tinha sido registado, reforçando a ideia de que o desgaste político do PT é generalizado e não se reduz a São Paulo, Rio e Brasília.

O direito de antena do PT defende o papel do partido na recente transformação social e económica do Brasil. Sugere que o PT está a ser alvo de um clima de “ódio e intolerância” num momento “em que o país precisa tanto de união”. A actual crise económica que o país atravessa, com o desemprego em alta, inflação elevada, desvalorização da moeda e défice orçamental, é descrito no vídeo como uma fase. O presidente do PT, Rui Falcão, fala de “dificuldades passageiras”.

A Presidente, Dilma Rousseff, cujo mandato está a ser posto em causa por um processo de destituição levado a cabo por uma frente antipetista, não participa no vídeo. Segundo o presidente do partido, foi convidada, mas recusou alegando ter “a agenda cheia”.

O vídeo parece sobretudo ter a intenção de defender o ex-Presidente Lula da Silva, cujo legado político — que noutros momentos críticos se mostrou invulnerável, como durante o escândalo do “mensalão”, em que membros do PT compraram votos no Congresso, quando Lula era Presidente — está seriamente abalado por suspeitas de corrupção, favorecimento político e evasão fiscal que estão a ser investigadas pelo Ministério Público.

A prisão de João Santana
A situação de Lula tornou-se ainda mais delicada na terça-feira, com a prisão preventiva do estratego político que orquestrou a sua campanha de reeleição em 2006, João Santana, por suspeitas de ter recebido pagamentos no valor total de 7,5 milhões de dólares em contas offshore da construtora Odebrecht, cujo dono se encontra detido no âmbito da operação Lava-Jato. Santana e a mulher, Mónica Moura, foram detidos no aeroporto de São Paulo na terça-feira por ordem do juiz que dirige a operação Lava-Jato, Sergio Moro, ao desembarcarem de um voo vindo da República Dominicana. Na primeira página, O Globo publicou uma fotografia de Mónica Moura sorrindo no momento em que foi levada para a prisão de Curitiba.

Ex-jornalista, João Santana não ajudou apenas a reeleger Lula em 2006. Também foi o responsável pelas duas campanhas eleitorais vitoriosas de Dilma, em 2010 e 2014, pela de José Eduardo dos Santos, o Presidente angolano, em 2012, e pela do venezuelano Hugo Chávez no mesmo ano. Santana e a mulher estavam na República Dominicana por razões profissionais: trabalhavam na campanha de reeleição do Presidente, Danilo Medina.

Quando Lula viu a sua popularidade ser posta à prova pelo escândalo do “mensalão”, João Santana foi o estratego que reformulou a imagem do Presidente como um homem do povo que estava a ser atacado pela elite que controlava o país. Essa foi também a fórmula adoptada no vídeo do PT na terça-feira à noite, que mostrou imagens de Lula sendo abraçado pelo “povo”.

“Os que hoje tentam manchar sua história, Lula, são os mesmos de ontem: os preconceituosos que nunca aceitaram suas ideias e suas origens”, diz o locutor. “As ofensas, as acusações, a privacidade invadida: tudo isso passa, Lula. A luta é antiga e nós vamos vencer novamente.” Lula aparece nos minutos finais. “De um tempo para cá parece que virou moda falar mal do Brasil”, diz. “Eu hoje tenho muito mais confiança no Brasil do que eu tinha quando tomei posse em 2003.”

O ex-Presidente, que é um potencial candidato às eleições de 2018, sugere que as críticas ao PT e o discurso da crise são sintomas do ressentimento social das elites. “Somos o país que mais reduziu as desigualdades sociais. Quem diz isso é a ONU, não sou eu. Esse é o resultado dos governos do PT no comando do Brasil. E é isso que no fundo incomoda essa gente que não gosta de dividir a poltrona dos aviões com o nosso povo”, conclui.     

O vídeo não faz qualquer referência à Operação Lava-Jato e às suspeitas de envolvimento de membros do PT em escândalos de corrupção. Para os analistas políticos, Lula e o partido perderam uma oportunidade de enfrentar as acusações e de apresentar ao país a sua versão sobre as mesmas. Uma mega-manifestação nacional contra o PT e Dilma está marcada para o dia 13 de Março.