Costa entre os ataques da direita e o aconchego da esquerda
Primeiro-ministro acusou Passos Coelho de conspirar para fazer chumbar Orçamento em Bruxelas. BE e PCP ajudam nas críticas à direita e assumem que há aspectos a limar na especialidade.
As bancadas do PSD e do CDS atacaram o Orçamento do Estado pelo “aumento de impostos” que a proposta comporta e pela pressa em repor rendimentos. O primeiro-ministro assumiu o Orçamento como do “seu Governo” e as bancadas à esquerda concordaram. Apesar de alguns reparos ao Orçamento, BE, PCP e PEV preferiram atirar-se à direita.
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As bancadas do PSD e do CDS atacaram o Orçamento do Estado pelo “aumento de impostos” que a proposta comporta e pela pressa em repor rendimentos. O primeiro-ministro assumiu o Orçamento como do “seu Governo” e as bancadas à esquerda concordaram. Apesar de alguns reparos ao Orçamento, BE, PCP e PEV preferiram atirar-se à direita.
No arranque do debate, António Costa defendeu ser o primeiro orçamento “em muitos anos que cumpre a Constituição e o compromisso de não cortar salários ou pensões e de não aumentar os impostos que o Governo prometeu não aumentar”. Assumiu que as metas de redução dos défices nominal e estrutural e da dívida pública são “ambiciosas” e que a execução do OE será “exigente”.
Poucas horas depois de Passos Coelho anunciar o voto contra do partido e recusar propor alterações na especialidade, António Costa desafiava PSD a ter “frontalidade” e apresentar uma alternativa. Nomeadamente em subida de impostos.
Só que a estratégia social-democrata passou antes por fortes críticas ao Orçamento. Luís Montenegro, líder da bancada do PSD, considerou que todo o processo orçamental resultou num “folheto eleitoral”. “É imprudente na política de devolução de rendimentos, agrava a situação fiscal das famílias e empresas. Não é um Orçamento amigo das famílias e das empresas”, afirmou. O Orçamento “é mau”, reiterou Luís Montenegro que recuperou todo o processo como “uma trapalhada inicial” e “depois de erratas e erratas”.
Esta interpelação irritou o primeiro-ministro que apontou incoerência. “Tem de decidir: ou este orçamento é de austeridade porque agrava impostos, ou é imprudente porque aumenta os rendimentos. Não pode dizer as duas coisas na mesma intervenção”, disse António Costa, acusando Montenegro de ser “radical”.
A imprudência viria a ser utilizada pelo Chefe de Governo como arma de arremesso ao recordar que em anos anteriores foram várias as vezes que o executivo PSD/CDS substituiu o relatório do Orçamento ou até parte do articulado. “Este Governo vira a página da austeridade mas também a da arrogância, de reconhecer quando erra”, disse.
O "homo socialista" segundo o CDS
A linha de “falta de credibilidade técnica” foi seguida pela bancada do CDS. Nuno Magalhães referiu a “errata atrás de errata” que “pode terminar num Orçamento rectificativo em Abril”. Relativamente ao teor da proposta orçamental, o centrista traçou o perfil do "homo socialista": “Não tem carro, não tem conta no banco, não tem filhos, não usa multibanco e tem horta em casa”.
E a propósito do aumento de impostos, o deputado referiu que “os pobres também fumam”, o que lhe valeu um remoque de António Costa: “Fumar é efectivamente um vício, e eu sofro dessa dependência, apesar de não pegar num cigarro há 11 anos, mas quando penso em vício não me ocorre falar em pobreza a seguir”.
O primeiro-ministro devolveu as críticas ao CDS com as posições assumidas pelo partido no anterior Governo, considerando que resultaram de uma escolha consciente. “Sabe porque é que escolheu cortar nos rendimentos das famílias? Por opção ideológica, porque o seu Governo acreditava e doutrinou por esse mundo fora a austeridade expansionista”, sustentou.
A tensão com os sociais-democratas viria a subir quando António Costa voltou a acusar o PSD e Passos Coelho em particular de “fazer figas” para que a comissão Europeia chumbasse o esboço orçamental ou de “acender uma velinha” para a agência de rating “dizer que este Governo não pode existir”.
O momento “mais triste” para Costa foi, no entanto, “ver o líder do PSD no Parlamento Europeu levantar a sua voz não para defender Portugal” mas para que Bruxelas chumbasse o Orçamento. Uma “voz maviosa” que, para Costa, significa o “tiro de partida para a perseguição ao Governo português” por uma “única e exclusiva razão”, que é a de contar com “apoio do PCP, do BE e do PEV”. A acusação foi rebatida por um dos vice-presidentes do PSD, Matos Correia: “Isso é falso”.
"Passismo é passadismo"
Carlos César já tinha vindo realçar o “alto significado político” do apoio das bancadas da esquerda ao Orçamento e acusou o PSD de “desistir do país” ao abster-se de apresentar propostas de alteração. Costa aproveitou a deixa para usar uma das expressões da tarde. O PSD “excluiu-se do debate” porque “ainda não é capaz de pensar nada de novo”: “Isso é o passismo: é uma nova versão de passadismo, a incapacidade de se libertar do passado”, disse Costa sob os protestos ruidosos dos deputados sociais-democratas.
À esquerda, foi Catarina Martins quem tocou num assunto delicado para o PS que até fora levantado por Luís Montenegro. O BE, avisou, não colocou entre parêntesis a sua “causa principal” de “renegociar a dívida para libertar recursos”. E Catarina lá avisou que essa seria a forma ideal para, por exemplo, acudir aos desempregados através de um subsídio complementar – que o Governo não aceita - ou tornar a recuperação de rendimentos menos “tímida”.
De Costa nem uma palavra sobre a renegociação, mas veio um rebuçado: aceita na especialidade o alargamento da tarifa social de energia até porque representa poupança para o Estado. Não seria pela porta-voz que o Bloco se lançaria contra as bancadas do PSD e do CDS, mas através de outros deputados da bancada. Joana Mortágua chamaria até a oposição do “bota-abaixismo”.
O conforto ao Governo veio, de forma algo indirecta, do PCP. Jerónimo de Sousa disse que o Orçamento “embaraça” e provoca “desespero” à direita pela reversão dos cortes.
Na interpelação ao primeiro-ministro, o secretário-geral comunista chegou a ensaiar um exercício sobre o que seria um Orçamento do PSD/CDS, uma proposta que “seria de agravamento de injustiças e de desigualdades sociais”. “Seria de mais cortes nos rendimentos do trabalho, penalizador das camadas da população com rendimentos baixos. Se fosse este o Orçamento de iniciativa PSD/CDS estaríamos a discutir não o aumento das prestações sociais ou o descongelamento das pensões de reforma, mas sim a discutir os 600 milhões de euros, a sobretaxa do IRS que ninguém viu devolvida”, afirmou o líder comunista.
Se Jerónimo de Sousa remeteu a possibilidade de levar outras propostas para a especialidade, António Costa também não quis antecipar esse debate, embora tenha deixado uma mensagem aos comunistas: “Tentaremos acomodar no Orçamento na medida do possível”.
Também José Luís Ferreira, do Partido Ecologista Os Verdes (PEV), começou a intervenção por criticar as posições das bancadas que suportavam o anterior Governo. “Percebemos o que PSD e CDS pretendem é perpetuar o empobrecimento, e que não haja reforço dos apoios sociais. Também percebemos é que o PSD/CDS é que a banca pague mais (…) O anterior Governo era só: dá cá, dá cá, não querem o toma lá. Mas vai haver recuperação dos rendimentos das famílias e um travão ao enfraquecimento do Estado social”, sustentou o ecologista.
A reposição de rendimentos foi também sublinhada pelo deputado André Silva do PAN (Pessoas Animais Natureza), mas que criticou a ausência de “estratégias que tenham impacto a longo prazo no bem-estar de pessoas e animais e na salvaguarda da natureza”.