Óscares 2016: preto no branco
A edição deste ano dos prémios da Academia faz-se sob o signo de um hashtag — OscarsSoWhite, ou de como Hollywood não reflecte o seu país.
A temporada de prémios de 2016 termina dia 28 com a entrega dos OscarsSoWhite, a hashtag que tudo parece resumir nas últimas semanas. Desde 14 de Janeiro, quando foram anunciadas as nomeações para os 89.ºs Óscares, que se sucedem as críticas, os anúncios de boicote, os pedidos de mudança. E os números, os muitos números que comprovarão que no segundo ano consecutivo em que não há qualquer actor não-branco a competir nas categorias de actuação, há uma disparidade entre o país que Hollywood filma e o país que vê o filme de Hollywood — e, por arrasto devido ao papel preponderante da indústria norte-americana nos consumos globais, entre o mundo que vai ao cinema ver este filme.
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A temporada de prémios de 2016 termina dia 28 com a entrega dos OscarsSoWhite, a hashtag que tudo parece resumir nas últimas semanas. Desde 14 de Janeiro, quando foram anunciadas as nomeações para os 89.ºs Óscares, que se sucedem as críticas, os anúncios de boicote, os pedidos de mudança. E os números, os muitos números que comprovarão que no segundo ano consecutivo em que não há qualquer actor não-branco a competir nas categorias de actuação, há uma disparidade entre o país que Hollywood filma e o país que vê o filme de Hollywood — e, por arrasto devido ao papel preponderante da indústria norte-americana nos consumos globais, entre o mundo que vai ao cinema ver este filme.
Este é o segundo ano OscarsSoWhite — e o terceiro sem actores negros, asiáticos ou hispânicos em contenda, desde 1998. Mas este ano os protestos sobre a ausência de diversidade fizeram ainda mais barulho na caixa de ressonância pública, muito pelas redes sociais, pelos média, pelos boicotes, pelas perguntas e lamentos de quem debate o tema. “O objectivo do #OscarsSoWhite não é que haja uma pessoa não-branca em todas as categorias”, esclareceu ao Los Angeles Times a criadora da hashtag que simboliza o momento, April Reign. “O objectivo é que temos de nos assegurar de que os melhores e os mais brilhantes tiveram a oportunidade de ir a uma audição e de escrever e realizar e depois tomar a decisão [de nomear] em relação aos melhores desempenhos”.
Oportunidade precisa-se num sistema viciado por anos de hábitos autoperpetuadores, argumenta-se. Os Óscares são uma câmara de revelação de problemas mais longos e profundos na tessitura social da América.
Desde esse dia de Janeiro, a temperatura tem subido. E o tema tem ressoado nos fóruns da opinião e noutros grandes espectáculos agregadores de massas (e audiências). Em poucas palavras: Beyoncé, Super Bowl, Kendrick Lamar, Grammys.
Evocações dos Black Panthers e do movimento Black Lives Matter, o que é ser uma mulher negra — tudo no novo vídeo Formation da cantora; os sonhos de um rapper estilhaçados pela violência policial, foi assim o improviso de Lamar nos Grammys, remetendo para a morte de negros às mãos de violência da polícia. Não tersão sido mais do que um punhado de minutos em transmissões televisivas, mas deram origem a milhares de réplicas no espaço público, de reflexões e de críticas — o sindicato policial de Miami apelou há poucos dias ao boicote do espectáculo de Beyoncé na cidade dentro de dois meses, por exemplo, tal como vários sindicatos das forças policiais apelaram ao boicote dos filmes de Quentin Tarantino depois de este ter estado num protesto Black Lives Matter e ter criticado o "homicídio" de negros por agentes.
Fomos de "o dia em que Beyoncé se tornou negra” para muitos brancos — brincou o Saturday Night Live — à certeza de que na cultura popular, o mainstream é do hip hop, dos músicos negros. Eles “são a cultura”, resumiu a colunista Suzanne Moore no Guardian.
Na noite dos Óscares, o tema competirá com a curiosidade em torno dos prémios, com a Academia de Artes e Ciências Cinematográficas de Hollywood a apostar num dos mais críticos e interessantes comediantes da América como mestre de cerimónias, Chris Rock, mas também a ir buscar um rol diversificado de apresentadores.
Rock já estava contratado, uma década depois da sua única experiência no palco da Academia em 2005, e dois anos depois do seu texto de opinião em que proclamava que o entretenimento americano, e Hollywood, “é uma indústria branca. Tal como a NBA é uma indústria negra".O público estará decididamente expectante em torno de cada palavra de Chris Rock no Dolby Theatre em Los Angeles.
Spike Lee, o casal Will e Jada Pinkett Smith — os dois primeiros tinham projectos que muitos lamentam estarem ausentes do evento — ou Michael Moore vão estar fora da cerimónia dos Óscares, boicotando prémios que consideram que discriminam os não-brancos. Mas nos dias após a eclosão da polémica, a Academia acelerou o seu plano 2020 e revelou que vai reorganizar a sua estrutura e ficar com um elenco mais jovem e diversificado. Convidou Quincy Jones, Benicio del Toro, Whoopi Goldberg, Kevin Hart, Kerry Washington, Pharrell Williams ou Priyanka Chopra para darem prémios aos nomeados deste ano.
Na madrugada de dia 28, especula-se de que forma pode Leonardo DiCaprio surpreender no discurso que aparenta ser inevitável se ganhar o Óscar de Melhor Actor com O Renascido. Mas cerimónia parece estar fadada a ser marcada tanto pelos presentes — Iñárritu, o mexicano que pode juntar-se a John Ford e a Joseph L. Mankiewicz no limitadíssimo clube dos realizadores cujos filmes ganham o Óscar consecutivamente, ou os também favoritos A Queda de Wall Street ou O Caso Spotlight — como por tudo o que não está lá: Beasts of No Nation, Chi-raq, Straight Outta Compton, O Legado de Rocky ou A Força da Verdade e os seus intérpretes e/ou realizadores negros, por exemplo.